Aqui eu guardo meus escritos.

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Debutei no ´quinqua´; ou, saúdam com igual ênfase a primavera em flor e o outono de folhas ressequidas, não sei porquê

 

Texto inspirado na crônica de João Ubaldo Ribeiro “Velhinho em folha” – O Globo, 18/1/2004.

Fiz cinquenta, leitores, agora em maio. Cinquentinha! O que posso lhes dizer a respeito, se é que lhes interessa? Que parece ontem eu exultava com um saco de brinquedos que o velho Chico Mendonça (homem generosíssimo que está no Éden, juntamente com o seu xará mais famoso – o Xavier) mandou para nossa casa na Beira-Rio, Bom Jesus do Norte, no Natal, creio que de 1959 ou 1960? Que ainda há pouco um orgulhoso pai saía sorridente da maternidade em Vitoria, encantado com o seu primeiro rebento nascido em 1979? E de outra maternidade em Olinda/PE, igualmente radiante pelo nascimento do segundo filho, em 1981? E de outra mais, no Rio de Janeiro, em 1982, com a única “filha mulher”, encanto dos encantos? E ainda outra, agorinha mesmo, em 1996, cheio de alegria com a raspa do tacho Gabriel?

Não vou filosofar quanto a rapidez do tempo, permitindo-me apenas adaptar uma citação de Léa Waider, fiel em traduzir o que vai em meu espírito ora cinquentenário: “Sou um bicho da noite, do crepúsculo. O barulho me fere a alma; busco a quietude, o contato comigo mesmo e com a natureza.” Espírito, aliás, que espero não desista desta carcaça antes que ela se torne secular (não deixemos as coisas inconclusas, amigo etéreo. Não se esqueça das células-tronco. Elas poderão nos dar um coração novinho, cheirando a tinta, imaculado de tantas emoções…; pulmões sem nicotina; figueiredo sóbrio; e até…, quem sabe…, deixa pra lá).

Dito isto, obrigado a todos pelas dedicatórias evocativas de saúde, paz e longevidade. Deduzo que os votos de parabéns quando se completa 50 não perdem em exaltação para os da mocinha que faz 15, e acho nisso uma contradição do inconsciente coletivo, que é saudar com igual fervor a primavera varonil e o outono de folhas ressequidas. Aos novíssimos amigos da confraria cinquental, eis que me apresento augurando a todos, e a mim também, a proteção da mesma divindade que dedica seus serviços aos cinquentões (em alguns casos, beirando ou até passando dos sessenta) Mick Jagger (que deu conta, com louvor, da estonteante Luciana Gimenez), Gilberto Gil, Caetano, Zico, etc. e tal. Eles estão aí a provar que nem tudo é bico de papagaio, reumatismo ou videogame com os netos.


Vejamos outros fatos positivos. Dia destes me surpreendi analisando com incomum interesse o caixa especial de um banco, mentalizando uma entrada triunfal daqui a 10 anos (passa tão depressa…) num banco qualquer, contemplando com desdém a jovialidade nas filas quilométricas.— Pensam o que?, direi cá comigo — tenho imunidade velhática, não entro em filas!

Da mesma forma, velhinho em folha lá pelos idos de 2019, recebendo da Viúva, sem fazer lhufas, um salário-mínimo, dedicarei aos milhões de desempregados nas filas (moços, mas, ai, que gostosa desforra…, sem dinheiro), nada mais que um olhar indiferente. Sacanearei o hoje nonagenário Camilo Colla, viajando de graça nos seus ônibus… Ah!, quantas oportunidades, quanta experiência enriquecedora me aguarda.

E o Estatuto do Idoso? Prevê até mesada para quando chegarmos à chamada terceira-idade (Jô Soares diz que só há duas idades: viva e morta). Ainda tenho bastante tempo (assim espero) para escarafunchar suas cláusulas e dedicar muita atenção a esta da mesada. Já pensaram, eu, com quatro filhos, se cada qual me dispensar algum? Poderei dar a volta ao mundo na primeira classe do Queen Elisabeth.

Adoção, pasme! Existe cláusula de adoção no Estatuto! Penso que deverá ser tal e qual se faz com as crianças, também vou estudar com interesse isso. Será que a gente vai ficar num lugar tipo internato, à espera de um casal simpático, e de preferência rico, em polvorosa, no pátio, roendo as unhas pela ansiedade de saber qual de nos será o felizardo?

— Aquele ali, branquinho, baixinho e barrigudinho, que gracinha, diria a esposa maravilhada ao marido apático, referindo-se a mim. E eu antegozando a vida deslumbrante que terei dali em diante: férias na Disneylândia, passeio no shopping, aparelho auditivo com joysticks e 10 megas de memória… Hein?

Produzido em maio/2004 para mídia impressa – Publicado no Blogger em abril/2013