Anjos trucidados. Assassinar crianças é o mais selvagem instinto do mais selvagem homo sapiens

A selvageria nunca acabará, é da gênese humana. As convenções sociais e as religiões é que a desativaram gradativamente na maior parte dos seres pensantes, mas desgraçadamente não lograram fazê-lo numa minoria à margem. Mefistófeles explica o porquê. Sou desfavorável, em linhas gerais, à pena de morte. Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, muito menos num país em que as leis se dizem iguais para todos, mas não é bem assim na prática. Os foros privilegiados e as feras do Direito com suas filigranas jurídicas afiadas sempre farão pender a balança para o lado de quem desfruta poder e dinheiro. Todavia, determinados crimes despertam em mim muita simpatia com esta ideia.
É o caso, por exemplo, da morte da menina Isabela Nardoni, de 5 anos, esganada e jogada do 6º andar de um prédio da capital paulista na noite de 29/3 por seu próprio pai, estimulado pela madrasta da menina. Aí, me surpreendo a mentalizar castrações sem anestesia, seres pendurados em ganchos fincados nos peitos como no filme “Um homem chamado cavalo”, serpentes vivas sendo enfiadas goela adentro, aparadores de charutos aparando dedos de mãos e de pés, rostos lavados com soda cáustica, ânus no lugar da boca e boca no lugar do ânus, essas coisas.
É doloroso demais lembrar a imagem enternecedora, angelical, ingênua e pura de Isabela e de tantos outros mártires infanto-juvenis que tiveram brutalmente negado o direito à vida, justamente nos momentos em que ela, a vida, propiciava tanto fulgor e encantamento. Seres humanos que teriam de ser protegidos, orientados, amados, respeitados, muito mais por serem crianças, símbolos e instrumentos do futuro, do aperfeiçoamento da raça. E de dor em dor vai me esgotando o conforto vernacular.
As palavras não conseguem mais mostrar com exatidão a plenitude do sentimento de horror e repulsa. São tantas recordações tenebrosas… Com 9 para 10 anos de idade já me horrorizava com a “fera da Penha”, megera carioca que em 1964 ateou fogo numa garotinha de 4 anos por ciúmes do pai da menina, despejando naquele pequeno ser frágil e desprotegido toda a malignidade de uma mente doentia, absurdamente violenta e vingativa; com o caso “Zé do Rádio” (detalhes no fim deste texto), acontecido aqui mesmo em Bom Jesus. E tantos e tantos. Mais recentemente a dantesca morte do garotinho João Hélio, 6 anos, arrastado em 7/2/07 por um carro conduzido por marginais. Um dos vagabundos dissera, sorridente, que a criança presa pelo lado de fora pelo cinto de segurança após o roubo do veículo era “o meu Judas”; o incêndio de um ônibus em 29/11/05 por traficantes, quando morreram vários passageiros carbonizados, entre eles a menina Vitória, 2 anos, e sua mãe; a tortura inacreditavelmente variada numa garota de 12 anos, mantida em cárcere privado; adolescente presa em cela masculina tornando-se escrava sexual de um grupo de detentos; mães que deixam bebês jogados em portarias de prédios, depositados em lixeiras, lançados em lagoas; a menina que pulou do 4º andar para fugir do pai violento e um vastíssimo etecétera.
Há poucos anos uma reportagem mostrava a história de um menino de 10 anos, morto por overdose de crack. Impossível conter as lágrimas pelo olhar de sua pobre mãe fito no nada, que me inspirou a compor o soneto “Crack.”
(*) Em 1977 a população bom-jesuense ficou chocada pelo premeditado e cruel assassinato do menino Serginho, 11 anos, pelo próprio tio da criança. José Pereira Borges, vulgo Zé do Rádio, sequestrou o menino para exigir resgate, o matou a pancadas, amarrou o corpo com fios de arame e o ensacou, despejando o corpo no Rio Itabapoana preso a um pedregulho de aproximadamente 35 quilos.
Chegara a simular solidariedade, participando do enterro do garoto, quando foi preso por investigadores que localizaram pertences da vítima em sua oficina de consertos. A brutalidade consternou os bom-jesuenses durante muitos anos, e até hoje se fala do sujeito tresloucado e covarde.
Publicado em abril/2008