12/11/2025

Este ano a garotinha Isabella Nardoni celebraria seu 11º aniversário, não tivesse cruzado em seu caminho, em 2008, dois estupores adultos: o próprio pai e a madrasta. Por coincidência, neste 2013 será apresentado o último capítulo da “novela” Mensalão. Aguarda-se ansiosamente que os roteiristas escrevam uma moral da história edificante, punindo os vilões da trama que se desenrola desde 2005.
Refiro-me a ambos os casos porque encontro neles algo em comum: dois dos mais conceituados advogados, Marcio Thomaz Bastos e Roberto Podval, emitem discursos favoráveis aos acusados, como é ofício de defensores, mas o fazem com tamanha ênfase que por pouco não atribuem a culpa às próprias vítimas. (Bastos advoga para um dos mensaleiros e Podval, para os assassinos de Isabella). Ambos os advogados sustentam em suas teses que os julgamentos respectivos foram influenciados pelo clamor popular. Bastos até afirmou, a respeito do Mensalão: “é um exemplo típico de um julgamento que não houve. Foi um justiçamento.”
Ora, o casal que matou Isabela teve direito a tudo: exames técnicos, laudos, perícias, a mais ampla gama de recursos. Adiaram o julgamento ao máximo, sempre atendido nos recursos jurídicos talentosamente pescados no Código Penal pelo caríssimo advogado Podval, para rimar e ficar legal. E os sete do Tribunal do Júri que condenaram o casal em 2010 foram injustos, apenando não pelo dito da consciência, mas pelo clamor popular?
No Mensalão, também o STF cometerá a injustiça de condenar anjos e arcanjos apenas pelo clamor popular? Ora, ora, ora, diria o velho Teotônio Vilela. Sem medo de ser feliz, fico com os verdugos dos mensaleiros e do casal Nardoni, ministro Joaquim Barbosa (com seus pares de igual convicção) e o promotor Francisco Cembranelli, respectivamente. A este último, lhe dediquei um texto em 2010, logo após ter conseguido, brilhantemente, a sentença que lavou a alma dos brasileiros, mais de 100 milhões de pais e mães de Isabella.
Ei-lo:
O anjo da guarda de Isabella
“Já vi de tudo nesta vida”, costumamos dizer quando nos deparamos com casos escabrosos. Afirma isso com mais regularidade quem está, segundo João Ubaldo Ribeiro, “velhinho em folha.” Mas a ilusória sensação de ter visto de tudo nesta vida não foi capaz de neutralizar meu (nosso) assombro pelo assassinato com requintes de crueldade da garotinha Isabella Nardoni, tenra e vulnerável como um brotinho de rosa nos seus 5 anos de idade.
Mesmo os animais irracionais protegem suas crias, velam por elas, as defendem dos perigos. Daí não constituir exagero afirmar que o pai da menina, um crápula brutal, capaz de cometer a infâmia contra todos os quesitos da civilidade, não é um animal, nem dos da classe irracional. É a personificação da besta num gênero desconhecido de seres vivos! Ele renunciou à bênção suprema de desfrutar do crescimento da filha, de se divertir com suas peraltices e descobertas, de amá-la, respeitá-la, orientá-la, ampará-la, defendê-la, e se preciso fosse, de morrer por ela. Em vez disso, a matou!
Depois desse crime hediondo cometido contra todos os pais e mães que adotaram Isabella em seus corações, deixando perplexas nossa credulidade, nossa natural aptidão de nos enternecer perante a inocência, a noção de solidariedade e clemência ao menos com o sangue do nosso sangue, não mais asseguro que já vi de tudo. Por outro lado, vi a enorme grandeza de espírito e estatura profissional, muito amor pela causa e renúncia em favor da Justiça (o bálsamo que ansiamos de maneira fremente neste país), características marcantes na pessoa do promotor Francisco Cembranelli, um homem invulgar que ajuda a fortalecer a crença na humanidade, não obstante o mal insidioso que nos cerca diuturnamente.
Mais que o promotor comprometido até à medula com as leis, se valendo delas para extrair a seiva da ética e da elevação moral, o Dr. Cembranelli é o símbolo da esperança, o oásis de luz nas trevas da injustiça. Com determinação, competência e desassombro, delimitou o espaço em que ficarão severamente guardadas a fera e sua cúmplice.
Triste do país que precisa de heróis, já dizia o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht. E o Brasil precisa, o que é profundamente lamentável. Menos mal que os gera aqui e acolá, como o mais recente a figurar nesse rol. O Dr. Francisco Cembranelli, anjo da guarda de Isabella, é um deles, pelo qual passei a nutrir um sentimento de profundo respeito e grande admiração. Por conta dele e dos seus coadjuvantes, finalmente a criança foi justiçada.
Obrigado, doutor. Agora, sim, descanse em paz, querida Isabella!
Publicado em maio/2013