Vendem-se buracos em Bom Jesus. Reserve já o seu

Vejo na Internet que a cidadezinha alemã Niederzimmern, assolada pelas intempéries (muito gelo e neve), ganhou vários buracos nas ruas. A população foi reclamar com o prefeito, que não tendo recursos no caixa da prefeitura apelou com uma ideia original: vender os buracos. Isso mesmo que você está lendo: vender. Não no sentido de “papel passado”, mas vender sem entregar a mercadoria. Cada buraco custa 50 euros – o comprador pode examiná-los na Internet antes de fechar negócio. Quem comprar um buraco em Niederzimmern também tem direito a uma placa. A pessoa pode deixar registrada uma mensagem que permanecerá no local, mesmo após o conserto do buraco.
Como vários políticos nossos possuem o know-how das modernas técnicas de vender sem entregar a mercadoria (o mercado das promessas e das ilusões é o mais explorado por eles), poderiam aproveitar para vender algo mais concreto, digo, algo mais asfáltico, mais paralelepáltico, que é nosso imenso, nosso vastíssimo roçado de buracos. Tem para todos os gostos, de vários tamanhos, circunferências, profundidades, modelitos, estilos e tendências. “Um mais lindo que o outro, você não pode perder”, poderiam instigar na propaganda.
Eu, particularmente, adoraria comprar aquele buracão belíssimo que vai se formando nas imediações do Supermercado 5 Irmãos, em Bom Jesus/ES, depois que renovaram a rede de esgoto. Repararam o esmero de sua produção? Aprendam: primeiro, arranquem a camada asfáltica. Depois, as pedras. Revolvam a terra e enterrem os tubos. Depois do serviço pronto vem a restauração artística, o acabamento irretocável. Ao recolocar as pedras, o segredo do artesão, o talento do paisagista está em dispô-las assimetricamente, formando aqueles encantadores côncavos e convexos. Ah… meu sonho de consumo!
Também adoraria comprar um não-buraco. Explico: um não-buraco é um buraco metido a besta que resolveu renegar a numerosa classe buracal. Nasceu buraco, cresceu buraco, mas traiu seus iguais se transformando num não-buraco. Com a ajuda do poder público, se uniu às más companhias dos detritos sólidos e criou sua diferenciada natureza, como aquele que fica na esquina da Abreu Lima com Tenente José Teixeira, em Bom Jesus/RJ, antes tido o pomposo nome de bueiro.
Pretendo ser este texto uma espécie de pré-contrato se resolverem copiar a ideia do prefeito alemão, isto é, faço desde já uma reserva de mercadoria. Mas não me inveje; há buracos para todos. Ao sair de casa, repare que na sua própria rua tem ao menos um buraquinho. Na pior hipótese, uma cicatriz feita pela cia. de água e saneamento, pensa que descuidam da paisagem? Mesmo pequenos, respeite-os como crianças que crescerão saudáveis e robustos, para na vida adulta dar a satisfação do porte atlético, da sua presença marcante a compor o lindo panorama do seu bairro, da sua cidade.
E viva os asfaltos de R$ 1,99, os de baixa renda, que produzem belos e primorosos buracos!
Publicado em novembro/2010