Abaixo à pornografia; reabilitemos a poesia, acalanto do coração e da alma

Existiu em Bom Jesus um sujeito folclórico, apelidado “Sola Reta”. Pense num bambu. Pois é. Sola Reta não gostava das provocações inevitáveis ao seu porte e tinha o talento incomum de dar o troco com frases rimadas. O bullyng que sofria era tanto que mesmo as colocações não ofensivas eram, por assim dizer, captadas de mau sentido. Embora não agressivo, bem no espírito folgazão, que mesmo as “vítimas” de primeira viagem aceitavam numa boa, as réplicas eram invariavelmente obscenas.
— Sola Reta, Sola Reta.
Retrucava de imediato, em milésimos de segundos.
— Tua bunda me aperta.
— Perna de pau.
— Comi tua mãe depois do mingau.
— Escada para o céu.
— Te fodi pra dedeu.
— Tronco de palmeira.
— Tua mulher, puta rameira
— Como vai você?
— Meu pau tu vai querê.
— Cara feio!
— Te como todo dia, mas ontem você não veio.
— Seu time levou uma surra no Maracanã.
— Já curei a mágoa com a gostosa da tua irmã.
E por aí afora, mas muito mais bem elaboradas e complexas do que os exemplos acima, inventados agora, embora semelhantes ao seu estilo. Era mesmo um poeta criativo na seara pornógrafa.
Mais edificante seria se ele respondesse com pedacinhos, que fossem, de poesias:
— O que pensa da política, Sola Reta? A corrupção no Brasil é tanta…
— Cesse tudo o que a antiga musa canta/ que outro valor mais alto se alevanta.
— Amo tanto a Inez…
— Por minha quero ter-vos e não posso/ por vosso podeis ter-me e não quereis.
— Quanta violência! O que acha do retorno dos militares?
— Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!
— Sinto tanta dor, Sola Reta, tanta amargura.
— Só a dor enobrece/ e é grande, e é pura/ aprende a amá-la, que a amarás um dia/ então ela será tua alegria/ e será, ela só, tua ventura.
— Se uma loira te desse mole, o que você faria?
— Essa que eu hei de amar perdidamente um dia/ será tão loura, e clara, e vagarosa e bela/ que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela/ trazer luz e calor a est´alma escura e fria.
— E os políticos que prometem nas campanhas tudo fazer pela nossa gente?
— Mentem de corpo e alma, completamente/ e mentem de maneira tão pungente/ que acho que mentem sinceramente.
— Vou me mudar pra São João Del Rey.
— E eu vou-me embora pra Pasárgada/ lá sou amigo do rei/ lá tenho a mulher que quero/ na cama que escolherei.
— Casou como, Sola Reta. Você ganha tão pouquinho…
— Quadro paredes, uma cama e nada mais/ eram só o que consistia nosso ninho/ onde em ritmos e loucuras saturnais/ almas fundiam-se no ápice do carinho.
E assim por diante. Pena que tão poucos apreciam poesias, acalantos do coração e da alma.
Publicado em maio/2013