Aqui eu guardo meus escritos.

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As coisas vão de bem a melhor; ou, Bonjesino, como sempre, encantado com os políticos de Bom Jesus

— Chefiaaaaaa….

Que susto! Caminhava placidamente dia desses quando ouvi ao longe a voz tonitruante de Bonjesino. Ele vinha a passos largos de modo a compensar a distância que nos separava. Parei e esperei. Ele chegou arfando, suando em bicas. O costumeiro (e uma ameaça para minhas costelas) abraço de paquiderme.

— Há quanto tempo, chefia.

— Como tem passado? — perguntei ao descomunal amigo, sujeito simpático, boa-praça, ingênuo que só. Ele adora os políticos de Bom Jesus, e quando alguém os critica, vira um bicho mais feio do que já é.

— Tô vendo que você parou com aquela mania de criticar os outros. Parabéns, chefia, nossas cidades têm ido de bem a melhor, não carecem mais palavras antipáticas.

— De bem a melhor, Bonjesino?

— De ótimo a excepcional, retrucou.

— Era o que a Maga Patalógica e a Madame Min diziam, repliquei.

— Hein? — arregalou os olhos de King Kong.

— As bruxas do Disney. Elas estão morando aqui porque dizem ser um lugar em que “as coisas vão de bem a melhor”.

— Te conheço chefia. Chamou as moças de bruxas só porque elas concordam que nossas cidades estão organizadas, crescendo a cada dia.  E tem mais — continuou o ciclope com as pontas das sobrancelhas voltadas para cima, em tom ameaçador. — Vou procurar saber onde mora esse tal de Disney e contar pra ele que você chamou suas meninas de bruxas.

— Disney morreu faz tempo.

— Por isso você fica aí difamando as duas.

— Não estou difamando ninguém. Nunca leu um Almanaque Disney? São duas personagens de desenhos infantis.

— Explica direito.

— Nas histórias, a Maga e a Min são bruxas. E, como tal, tudo está de “bem a melhor” para elas quando estão de mal a pior para nós.

O semblante do colosso se transformou. Acho que um desses brutamontes de lutas-livres sentiria um frêmito de medo se visse a cara do homem naquele instante. Mas não careceria, Bonjesino é pacífico. Mesmo assim guardei uma distância estratégica para sentir os trovões e a tempestade que prenunciavam.

— Agora você vai me ouvir, ordenou.

— Sou todo ouvidos.

— Veículos de todo tipo; praça nova; abrigo de crianças; creche; Corpo de Bombeiros que vai vir; saneamento das folhas de salários; contratação de concursados em número nunca antes visto ou imaginado; finanças em dia.

— Pare aí, também ordenei. Notando as pontas das sobrancelhas voltadas para baixo, continuei: — Cometi um exagero semântico. “De mal a pior” foi só para colocar a Maga e a Min na conversa, adoro as duas. Na realidade as cidades têm melhorado, é forçoso reconhecer. Mas não sei se pelo pouco tempo que me resta para desfrutar, ou pela minha ansiedade velha de guerra, acho que as coisas andam lentas demais. Ademais, exceto nas localidades das praças principais, nossas cidades continuam feias, urbanização caótica, trânsito desorganizado, ruas esburacadas, iluminação pública deficiente, sinalizações inexistentes, o pouco verde, acizentado por falta de cuidados. Parei a enumeração das mazelas ao perceber que as sobrancelhas desenharam semblante irônico.

— Só mudar de cidade. Não gosta daqui, vá pra outro canto.

— Vou não. Quem disse que não gosto? Justamente por gostar, fico e reclamo.

— Vai melhorar mais, chefia. Vê a quantidade de cidadãos e cidadãs interessados em ser candidatos? Somos privilegiados. Todos só estão pensando no bem de nossas cidades e do nosso povo.

— Passe bem, Bonjesino, interrompi bruscamente antes que minha integridade física ficasse em risco se continuasse o papo. Paciência tem limites até para os pacatos.

Publicado em setembro/2011