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Bom Jesus do Norte: turismo é investir na decadência e, quem sabe, no óbito

Deve-se investir dinheiro (nem tanto, nem tanto) para substituir as placas de boas-vindas, investindo também o básico do nosso idioma velho de guerra. Seja “bem-vindo” deveria ser grafado assim, com traço-de-união que a Nova Ortografia não excluíra dos dicionários. Desde que as placas foram introduzidas nos três acessos a Bom Jesus do Norte/ES, se não me engano no ano da graça de Nosso Senhor de 1997, venho encafifado com esse erro ortográfico crasso, e também com a expressão “Turismo é investir na qualidade de vida”, que a rigor não quer dizer absolutamente nada. Tá bom, tá bom, todo mundo entende a mensagem, isso é que importa, a publicidade desfruta de certa liberalidade (tal qual os poetas), a cerveja que desce redondo, em vez de redonda, etc. e tal, e eu não chegaria a ponto de dizer de meu vizinho que ´a gente é amiga´, como a língua portuguesa culta exige porque o substantivo “gente” é feminino.

O português é mesmo peralta. Eu e pertinho de 100% dos bom-jesuenses, ouso afirmar (inclusive intelectos privilegiados como os do como Padre Mello, Delton de Mattos, Romeu Couto e muita gente boa mais), escrevíamos “bonjesuense” sem o bendito tracinho que deve unir “bom” a “jesuense”, como ensinam os mestres Caldas Aulete, Antônio Houaiss, Aurélio Buarque de Holanda e outros lexicógrafos — o álibi de meus compatriotas de tempos idos é se a grafia nem sempre foi hifenizada. Quanto ao slogan, quisera ter o dom da síntese de Dalton Trevisan para sugerir uma ´portuguesmente´ correta para “é mais prioritário investir na qualidade de vida do que no impulsionamento do turismo”.

Por tudo isso é que não reclamei até agora, julgar-me-iam (hum!) esnobe, superficial, presunçoso, além de me arriscar ser processado por preconceito linguístico. E que utilidade teria além de desagravar as normas da língua-mater, cruelmente esculachada, humilhada, depreciada atualmente? Mas a natureza e o descaso se uniram para me dar um pretexto, digamos, relevante para criticar as indefectíveis placas. Aquela que nos brinda com esfuziantes ferrugem, desalinho, amassos e erro gramatical, localizada na chegada, sentido Apiacá, é também uma ameaça à vida: as duas hastes de sustentação inferiores estão totalmente destruídas pela corrosão. Embaixo do perigo há um abrigo de passageiros, e estes correm o risco da ´desqualidade´ de vida, podendo vir a inspirar o slogan “Turismo é investir na decadência e, quem sabe, no óbito!”

Publicado em março/2012