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Taça de fel?

A conquista de uma Copa do Mundo inebria o espírito despertando o sentido ufanista anestesiado pelas vicissitudes de um povo. O périplo da Seleção Brasileira em terras asiáticas, com o show que nossos craques prometem proporcionar, especialmente o estilista Ronaldinho podem trazer a quinta Copa para honra e gáudio dos brasileiros. Tomara que tragam. Se os gols vierem na proporção desejada serão mecanismos catalisadores de angústias e decepções de uma geração apática pela falta de perspectivas, constituindo-se os breves momentos vitoriosos, tão mágicos quanto efêmeros, em feitos positivos aos cidadãos na medida em que proporcionaria uma catarse coletiva de há muito necessária e justa.

Por outro lado, o galardão dessa possível conquista pode se tornar malévolo se não se souber administrar os sentimentos de euforia, permitindo que ultrapassem o terreno estritamente esportivo, influenciando indevidamente outros aspectos da vida nacional. Incongruente é, por exemplo, que se deixe entorpecer os sentidos pela vitória no campo esportivo em detrimento da luta pela conquista de uma vida  digna; que seja ofuscada ou enfraquecida a capacidade de mobilização na busca de mais justiça social pelo enleio de rápida transição que o ópio do futebol propicia; que se permitam aos oportunistas de plantão capitalizar o presumível árduo triunfo dos atletas em dividendos políticos, como certos expoentes do poder que se arvoram na auto-intitulação de “pés-quentes”. Por essas e outras é que os cartolas do esporte declararam que a copa de 1998 deu prejuízo do grosso à CBF, mas que esse era um detalhe insignificante frente à “importância” da obtenção da taça que, por sinal, não veio naquela oportunidade.

O preço que cada brasileiro paga, goste ou não de futebol, é proporcionalmente alto, muito alto até mesmo por um laurel da magnificência de uma copa mundial. À parte os mastodônticos custos com atletas, comissão técnica, convidados, estadias, traslados, “jabás” e as demais mordomias de praxe (até mesmo possíveis sonegações alfandegárias como ocorreram em 1994), os custos indiretos são incalculáveis. A começar pela excessiva e desnecessária massificação dos noticiários de toda a mídia, que ao longo dos cerca de 30 dias de disputa são dominados por assunto único, comprometendo a capacidade de discernimento das pessoas pela ausência das demais notícias do seu cotidiano, até a incrível abstinência ao trabalho, notadamente em dias de jogos em que a equipe brasileira participa, mais uma brutal paralisia festeira das tantas que já estertoram uma nação pobre e combalida.

É necessário, portanto, algum comedimento e certos limites ao se atribuir o valor das conquistas esportivas, a fim de que não venhamos todos, sem exceção, tornarmo-nos bonifrates de uma esfera manuseada magistralmente (hoje nem tanto) pelos jogadores brasileiros, às vezes, porém, a serviço dos nossos fantasmas.

Publicado em abril/2002