Notas dissonantes

Toda nota de falecimento transmitida pelo rádio ou carros de publicidade volante deve ser feita em tom grave, solene, isso parece claro. Mas não precisa exagerar. Em Bom Jesus, parece que os locutores competem para ver quem imposta mais a voz, quem transmite mais emoção. Naturalmente contentes por mais um cliente, o sujeito transmuda-se ao microfone transmitindo uma tristeza de dar dó: “fa-le-ceu o Sr. fulano ou Sra. fulana de tal. Seus filhos (às vezes nomeados numa lista interminável se o de cujus ou a de cujus foram prolíficos na função de perpetuar a espécie) convidam para o sepultamento às tantas horas no cemitério local (às vezes “campo-santo” — dose elefantina). A famíliaaa, enlutadaaaa, ante-ci-pada-mente a-gra-de-ce-eee.
Família enlutada? É, talvez não seja tão redundante assim numa era marcada pelo individualismo e pouco afeto entre os iguais. Encareço aos meus, quando for chegada a minha hora, não só excluir o termo do recital, como também impedir o tom funéreo — normalmente a cargo da Ave Maria, de Gonoud — mandando tocar em alto e bom som o solo de guitarra do roqueiro Mark Knofler na música do Dire Straits, “Sultans of Swing.”
Publicado em dezembro/2000