Parem o mundo que eu quero descer

Triste sina a de quem, como eu, fica dando tratos à bola em frente a um computador na vã tentativa de despertar o interesse dos parcos leitores, escrevendo mal e porcamente algumas palavras que por certo são incapazes de franzir mesmo que levemente o cenho daquele mais atencioso. Além de não conseguir pegar o jeito da coisa, que é mais ou menos como a música (já se nasce com o dom), escrever por estas plagas tem vários complicadores, a começar pela falta do que dizer. A conspiração contra o articulista reside no fato de que poucos brasileiros têm o bom hábito da leitura. No interior é pior. Um contingente maior sequer soletra corretamente uma palavra, enganando-se quem julgar que estes só pertençam à classe social menos favorecida.
O deleite da desforra de uns ricos obtusos contra mim é que, se soletro corretamente, em contrapartida mal me recordo da cor de uma nota de R$ 100 e definitivamente jamais serei político. Mas a vida teima prosseguir, e, como já dizia o poeta, navegar é preciso, ainda que por sobre as águas sonolentas deste mês de janeiro, carregando quase à deriva um barco meio sambado que leva a bordo um timoneiro trôpego e indiferente, acometido por ressacas inimagináveis.
A veia literária que alguns fiéis amigos tentam me convencer ser boa parece ter entupido, vitimada pelo golpe de misericórdia desferido pelas incríveis bandoleiras comilança e bebelança que nos vitimam todos os finais de ano, sem dó nem piedade! A coisa é tão séria que em meio às últimas ceias magnificentes de Natal e Ano Novo, emolduradas por vinhos, espumantes e destilados de inúmeros paladares e matizes, surpreendi-me em delirantes devaneios sobre o delicioso e saudosíssimo sabor de um bom angu com taioba, um trivial ovo frito e prosaicos sucos Maguary como complemento.
No início de cada ano sempre prometo me desconectar em dezembro, dar-lhe uma banana e desmascarar de vez Papai Noel, provando por A mais B que ele não existe, deve ser fruto da invenção de algum sabido comerciante preocupado com o encalhe de suas bugigangas. A partir de novembro, porém, sempre caio na real e sinto como é difícil fugir deste rolo compressor de cuja competência mercantilista me faz retomar a simpatia pela figura etérea do bom velhinho e me surpreenda em passos furtivos madrugada adentro nas vésperas do Natal depositando pacotes em cima de sapatinhos ou sandalinhas estrategicamente colocados nas janelas.
Mas o que dizia era da falta de assunto. É tanta que deu até assunto, vejam só. Quisera poder articular neste espaço temas mais interessantes e proveitosos, mas como, com a veia entupida? Quisera inclusive comentar com riqueza de detalhes quão animado foi o fim de 1999 em Bom Jesus. Todavia, penso: que fim de ano? Acaso tivemos um por aqui? Vai ver é porque o mundo acabou mesmo e eu não me dei conta disso em outra dimensão onde provavelmente me encontre, e tudo tenha saído de minha imaginação agora eterna.
Neste caso eu nada escrevi neste espaço e você nada leu, o que, na realidade terrena daria tudo rigorosamente na mesma.
Publicado em janeiro/2000