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União comovente

A família Lesa (assim, com um ´s´ somente, entenderam?) era bem numerosa e bastante unida. Havia, nessa família, um sujeito esperto que conseguiu se eleger prefeito do lugarejo onde viviam, com o auxílio fundamental do candidato a vice, pessoa muito querida na comunidade. No dia seguinte ao pleito começou a pensar nos nomes para o secretariado. Chamou a esposa e começaram a trocar idéias:

— Dos Anjos, o que você acha da nossa sobrinha Ana assumir a Secretaria da Educação?

Maria dos Anjos não conteve uma exclamação de espanto.

— Ana Alfa Beta? Sei não… Ela já conseguiu tirar o diploma do supletivo de primeiro grau que vem tentando há anos?

— Claro, você não lembra quando ela nos pediu uma grana emprestada pra poder molhar a mão daquele cara que cuida dos diplomas? Ana hoje é uma das pessoas mais instruídas. Ela sabe até ler de carreirinha — respondeu o marido-prefeito.

— Bem, nesse caso acho um bom nome, e o fato dela não gostar de crianças não vai atrapalhar — concordou a primeira-dama.

— Então ta fechado. Vamos ver agora quem vamos colocar pra cuidar das finanças…, deixa ver…, que tal nomearmos o Palhares?

— O seu primo falido? — perguntou Das Dores, sentindo um calafrio de emoção. — Ótima ideia, completou, eufórica.  — Trata-se de uma pessoa que já tem muita experiência em finanças. Além disso é um injustiçado com esses planos do governo.

Ainda bem que o prefeito não desconfiou que por trás daquela defesa tão empolgada que a esposa fazia do Palhares, havia coisas. E continuava Dos Anjos a enaltecer o primo do marido-prefeito: — o armazém, a lojinha que vendia mercadorias importadas do Paraguai, a fábrica de bebidas que ele tinha em casa, tudo bem, faliram por falta de experiência, além do que ainda apareceu aquele vigarista que vendia os rótulos das bebidas por um absurdo. E continuava, cada vez mais romântica.., digo, enfática: — Mas a farmácia não! A farmácia faliu por culpa desse tal de Fernando Henrique com seu maldito Plano Real. Além disso, o Palhares não devia ter dado ouvidos àquele sujeito que vendeu a fórmula de antibióticos.

Incrível como o marido-prefeito coçava os sintomas nas laterais da testa, mas não percebia a causa. E a mulher continuava, frenética: — Tudo bem que são feitos de cogumelos, mas teria que haver o cuidado de não confundir com aqueles fungos de mijo de cavalo. Até hoje o seu Finadino não curou a tuberculose crônica. Mas como eu disse, a ideia dele ser o Secretário de Finanças é excelente.

E assim foram papeando, marido e mulher atentos para não esquecerem nenhum parente. Nomearam a cunhada dela, que havia trabalhado 10 anos antes como assistente de veterinária, para Secretária da Saúde. Na Agricultura, o próprio filho, já que viam nele um promissor agrônomo do futuro, pois ficavam encantados com a dedicação do rapaz em tratar umas estranhas plantinhas no quintal da bela residência. O fato de ser maconha pouco importava: o rapaz cultivava o verde, e não é isso o que vale?

E iam assim nessa acalorada conversa nepotista, sempre arranjando um lugar para um cunhado aqui, um irmão ali, não esquecendo de nenhum parente. Preencheram, inclusive, os cargos subalternos, pois a parentada era grande. Pronto, tudo resolvido, cada um ente querido com sua situação financeira normalizada (ao menos por quatro anos), marido e mulher deram por encerrada a conversa e retiraram-se para dormir. Quando estavam quase adormecendo, a mulher levanta-se de um salto, senta-se na cama e sacode vigorosamente o prefeito:

— BENNHÊÊÊ. Você esqueceu sabe de quem? De M-I-M! E eu? Não sobrou nada pra mim?

E o marido-prefeito responde, bocejando, já nos braços de Morfeu:

— Calma, mulher. É claro que não ia me esquecer da primeira-dama. Cada um dos nossos parentes destinará 20% do salário pra você, a título de “corretagem trabalhista”. E isto corresponde…, deixa ver…, a folha total dos contratados…, R$ 30 mil…, uahhh…, uhmmm…, vai sobrar… R$ 5 mil por mês, está bom?

— Ah! Assim ta bom. Mas vem cá, acho que você errou na conta. Vinte por cento de R$ 30 mil não dão R$ 6 mil?

— Sim…, mas você esqueceu que nem todos os funcionários são nossos parentes? Não tive que ceder algumas vagas de gari e zelador para aqueles pobres diabos vinculados ao meu vice? Afinal, na minha campanha, se não fosse ele, nós ó…

Publicado em novembro/1996