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Detran e Malba Tahan; ou, órgão considera o cidadão apto a pilotar, mas não lhe permite fazê-lo

Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

Três amigos vão a um bar tomar umas e outras. Total da despesa: R$ 25. Na “vaquinha”, cada um dá R$ 10, totalizando R$ 30. O garçom traz o troco de R$ 5, em 5 moedas de R$ 1. Cada um dos amigos pega para si uma das moedas. As duas que sobraram eles as dão de gorjeta para o garçom. Ou seja: se cada um deu R$ 10 e pegou R$ 1 de troco, cada qual pagou R$ 9 pela despesa. E 9 vezes 3 dá 27. Mais os R$ 2 que ficaram com o garçom = R$ 29. Mas eles não deram R$ 30? Que diabo de conta maluca é essa? Onde foi parar o R$ 1 que falta?

“O homem que calculava”, personagem do delicioso livro de Malba Tahan (pseudônimo do professor carioca Júlio César de Mello e Souza – 1895/1974) resolveu o impasse dizendo que aquele não era o modo correto de calcular. (Aliás, permitam-me uma sugestão: ainda que detestem livros, não passem desta para a melhor sem lerem pelo menos este, um clássico da literatura. Leiam, recomendem, induzam seus filhos, seus amigos a também se deleitarem com a filosofia de Tahan, com os valores morais e éticos, o respeito e a caridade, a humildade e a gentileza que permeiam o livro, uma fonte inesgotável de inspiração para fazermos nossa vida melhor e mais prazerosa. De quebra, o velho estigma de que a Matemática é complicada vai para o brejo. Aprendemos o quanto essa ciência é simples).

Volto: sobretudo a simplicidade, que Tahan destaca como uma das mais importantes virtudes do homem, é o que parece nos faltar. Em nossa era maluca, mais vale complicar que simplificar, encontrarmos problemas onde não existem. Se é assim com um indivíduo, imaginem com uma instituição. Imaginem ainda mais: uma instituição pública onde trabalham milhares de indivíduos. Caso por exemplo do Detran/RJ. A história a seguir faria Malba Tahan revirar no túmulo:

Um cidadão bom-jesuense, que já possui sua Carteira Nacional de Habilitação, categoria B, licenciado a conduzir automóveis, resolveu adicionar a categoria A, que lhe daria o direito de pilotar motocicletas também. Fez tudo o que tinha de ser feito em 2005, exceto a prova prática, que resolveu fazer em junho último. Passou. Os examinadores lhe puseram no papel a chancela almejada: APROVADO. Vale ressaltar que essa pessoa encontra-se com sua situação junto ao Detran/RJ imaculada; não tem multas, não tem pontos perdidos na CNH, está com todas as taxas e exames em dia, inclusive de saúde, etc. Mesmo porque, se não estivesse, ficaria impossibilitado de realizar o exame prático.

Mas o mesmo Detran/RJ que lhe outorgou o direito de pilotar também uma motocicleta, ao mesmo tempo lhe cerceia este direito. Não entregou até hoje sua CNH com a categoria A adicionada (normalmente a carteira vem em até cinco dias após o exame). O motivo? Algo digno de um quadro de Salvador Dali, mestre do surrealismo. É que o Detran/RJ mudou a maneira de emissão. Antes a pessoa levava a foto 3/4; hoje, o próprio órgão é quem a fotografa (denominaram “processo digital”). E em Campos dos Goytacazes, onde são emitidas as CNH´s, não se sabe como fazer para emitir uma com a foto 3/4, que integra o processo (antigo) de 2005.

— Mas eu passei. É só a senhora tirar uma foto na maquininha do sistema atual — apelou o rapaz que foi aprovado pelo Detran/RJ, mas que não se arrisca a sair por aí de capacete na cabeça a não ser a pé (em sinal de protesto) ou de carona.

— Não pode, decretou a funcionária.

— Mas se eu passei e estou com tudo em dia…

— Para eu poder tirar uma foto do Sr. — interrompeu a funcionária — é preciso que se apague todo o processo, o Sr. vai precisar fazer tudo, tudinho de novo, inclusive pagar as taxas.

E o rapaz disca 0800 daqui, manda e-mail para a Ouvidoria dali, e nada. A última informação é a de que foi aberto um “processo eletrônico” no dia 20/7.

— O Sr. pode acompanhar o andamento pela Internet depois que nos retornarem o número desse processo.

— Demora?, perguntou o infeliz descarteirado.

— Cerca de 15 dias para eles (Detran da capital) nos informarem SE ACEITAM o processo e qual o número — respondeu a diligente senhora.

E saiu dali o desventurado pensando em como arranjar dinheiro para uma viagem a Roma, na esperança de conseguir uma audiência com Sua Santidade, o papa.

Ah! – O homem que calculava resolveu com uma simplicidade impressionante o problema. — Na verdade, disse ele — não é assim que a conta deve ser feita, mas da seguinte forma: R$ 25 ficaram no bar, R$ 3 ficaram com os amigos e R$ 2 com o garçom. E completou: — Não pode existir em conta tão simples a menor atrapalhação.

Ah! 2 – Malba Tahan fala em Dinar, moeda do Iraque onde ele ambientou a história, e em hospedaria. Eu troquei por Reais e bar, para facilitar o leitor.

E o Detran poderia trocar burocracia por simplicidade, para facilitar a vida do cidadão. Leiam Malba Tahan, senhores do Detran. Ao menos pela rima!

Publicado em agosto/2009