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Essa não! Ou, como se livrar da claustrofobia pelo susto

 

Palhares tinha pavor de pequenos espaços fechados. Sofria de claustrofobia. Além de tranquilizantes para relaxar, o médico prescreveu-lhe uma terapia curiosa, que consistia em se trancar diariamente num armário por uma hora a fim se familiarizar com os ambientes motivadores dos seus medos.


— Mas doutor — disse ele — moro numa pequena quitinete, não possuo um móvel suficientemente grande que me caiba.

— E não poderia utilizar o de algum parente? — perguntou o médico.

— Não tenho nenhum por aqui. Porém…, ficou matutando alguns segundos e… heureca! — Já sei — disse com uma expressão de contentamento. — Tenho um amigo lutador de MMC que possui um enorme guarda-roupas em seu quarto. 

— Taí, combine com ele — retrucou o médico.

— O problema é que ele está em férias, viajando.

— Presumo que ele um dia vai voltar…

— Claro, mas eu quero me livrar o quanto antes desse problema que muito tem me afligido. Entre inúmeros embaraços, diariamente subo e desço uns 500 lances de escada para chegar na empresa, que fica no 25° andar de um edifício no centro da cidade. Tem vezes que até desisto de descer para o almoço…

— De fato, um problema e tanto — observou o doutor.

— Já não aguento mais a gozação dos colegas que me apelidaram de “o pagador de promessas”, outros sugerindo que eu troque minha profissão para ascensorista ou limpador de cacimbas.

— Situação deveras constrangedora.

— Constrangedora? Calamitosa. Vou começar hoje mesmo com a terapia.

— Mas o seu amigo não está viajando? Como vai usar seu guarda-roupas?

— Lembrei que a casa tem uma janela com um defeito na fechadura que permite abrir por fora. Só eu sei deste segredo, afinal somos muito ligados. Então, quando ele e a esposa voltarem, esclarecerei tudo — disse ao médico. — Não vai ter  problemas.


— Boa-sorte. E não se esqueça: pelo menos uma hora trancado diariamente, por no mínimo uns dois meses, ok?

Dito e feito. Naquela noite, Palhares abriu cuidadosamente a janela e penetrou na residência, indo direto ao quarto de dormir do amigo. Abriu a porta do guarda-roupas e entrou. Estava há uns dez minutos, suando por todos os poros, quando ouviu passos. Pela fresta, verificou ser a esposa do amigo. 

Mas que diabos, pensou. Será que brigaram de novo e ela não foi com ele? Ou foi e voltou antes? Ou

O suor agora descia em bicas, coração acelerado, situação dramática. Por mais forte a afinidade, por mais sólida a amizade, era uma situação exótica que exigiria um ritual preparatório antes de ir direto ao ´me tranquei no seu armário´. O que fazer agora? O que dizer? Ainda se fosse o próprio amigo… Mas sua mulher? Nem tanta intimidade tinha Palhares com ela. Ele crescera com o amigo, compartilhava alegrias e tristezas era com ele. 

Decidiu continuar escondido, até porque o compartimento em que estava tinha toda a pinta de ser usado pelo marido, muitas roupas masculinas nos cabides, com menor probabilidade de ela abrir aquele nicho específico. Esperaria ela dormir, já era tarde da noite. Quando ela estiver nos braços de Morfeu, saio pé ante pé, matutava Palhares. 

E ficou ali, procurando respirar suavemente, sem produzir nenhum ruído. Ficou neste suplício, espiando por uma pequenina fresta o que acontecia, roupas já encharcadas. Umas duas horas se passaram quando o minúsculo espaço visual proporcionado pela fresta mostrou a Palhares que a mulher se trocava, e até a imagem de nádegas bronzeadas, bem torneadas, seu cérebro registrou. Quando a luz apagou e ele ouviu um ranger da cama, calculou que se aproximava a hora de sair. Estava nessa expectativa quando sentiu um calafrio: barulho da porta principal da casa se abrindo e passos vindo em direção ao quarto. 

Luz acesa e o pavor. Que merda, o que aconteceu com esses dois filhos da puta? Após ouvir juras de amor, pedidos de desculpas mútuas (haviam brigado. Ela retornara na mesma hora; ele pretendia ficar para dar-lhe uma lição, deixá-la grilada por supostamente não dar a mínima, mas não resistiu e também voltou pouco depois). Tórrida sessão de sexo explícito Palhares assistiu e quase enfartou quando o amigo lutador foi em direção ao guarda-roupas.

— Você! O que faz aqui? berrou o amigo, estupefato.

Só restou a um Palhares ´destamaniquinho´, amarelo como gema de ovo, no estupor do assombro, dizer com uma vozinha sumida e vacilante:

— Eu po… posso explicar…

— Explicar o quê? Fala miserável, antes que eu te encha de porrada!

— Bem…, se eu di… disser que estou aqui… a fim de… de curar minha claus… claustrofobia, vo… você acredita?

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Dias depois Palhares trocava o curativo do olho. Sorriu para o médico:

— Seu elevador é luxuoso, doutor. Gostei tanto que fiquei uns 10 minutos subindo e descendo.

— Sente-se curado com apenas uma sessão?

— Foi o susto!

Publicado em setembro/1997