Aqui eu guardo meus escritos.

Obrigado pela visita.

O apagão aquece a chama. Sorveteiros se desesperam e fabricantes de chupetas e fraldas comemoram

No dia 6/5/2000, noite de sábado para domingo, aconteceu um apagão em Bom Jesus/RJ (mais um dos que infernizam os brasileiros de modo geral). A energia só voltou às 13h da segunda-feira, o que me inspirou um texto que vez ou outra um amigo relembra achando a maior graça, vejam que exagerado. Ah, a safadeza política de maior repercussão naquele ano foi a violação do painel do Senado, com o suposto envolvimento do finado senador Antônio Carlos Magalhães.

 

Eis o texto:

Que mania essa que temos de reclamar de tudo, não é mesmo? Eu próprio, que nem moro no lado do lado de lá fiquei momentaneamente indignado com o apagão da CERJ e soltei espinafração no ventilador, sem me dar conta do lado positivo que, como dizem, sempre há em tudo. Naturalmente que não pensa desta forma o dono da sorveteria, do açougue, da fábrica de gelo, do bar, restaurante e lanchonete, da pessoa que adora assaltar a geladeira na calada da noite, do cara que aguardava ansiosamente a Sessão Coruja e de tanta gente, mas muita mesmo, que se decepcionou com a ausência do Faustão e do Gugú em sua tarde-noite de domingo. Nesse aspecto, a ausência desses dois pelo menos num domingozinho…, o apagão não foi assim tão maléfico.

Dois sujeitos conversavam:

— Rapaz, eu tava num churrasco no galpão do Saraiva, assim de  gente, altas horas, todo mundo mamadão, quando…

—  A luz apagou?

— Que maravilha, cara. Aí é que a coisa animou. Uma orgia de responsa.

— Uau! A Dolores tava lá?

— Estava… Não só ela, mas todas aquelas coleguinhas dela, mermão…, comentava com ademanes de perversão.

— E aí, macanudo? Conta, conta — instigou o outro, ansioso por mais informações que antevia serem quentíssimas, um riso sarcástico nos lábios e um olhar lascivo.

— Tu não vai acreditar. Estávamos papeando acaloradamente, uma zorra que só, quando uma vozinha feminina, lânguida como miado de gata no cio se fez ouvir: 

— Ai, ai, violaram meu painel.

— O da proa ou o da popa?, retrucou alguém.

— Acho que ambos, respondeu ela. — Sinto uma quentura nos dois softwares…

— Vamos fazer uma CPI, propôs um terceiro, para logo em seguida exclamar meio assustado:

— Oops, minha carteira não, ouviu? Tem dono, entendeu? TEM DONO!

— Não é bem sua carteira que minha mão procurava, ô mané. Era outra coisa, que também não é a sua porque magra e enrugada…, tô fora.

— Deve ser a da mãe, então.

— Não bota a minha mãe no meio, que eu boto no meio da sua!

Mas antes que a coisa descambasse para a ignorância, o Saraiva botou moral.

— Silêncio, imbecis. Viram o que fizeram? Acordaram a minha mulher…, anunciou com tom de voz lamentoso, apontando para sua casa ao lado, porque naturalmente ele também intencionava manipular um painel alheio, inteiramente digital, para variar um pouco do seu pra lá de analógico.

—  Apagão até que é legal, né?, ouviu-se uma voz um tanto trêmula, arfante.

— Daqui a nove meses manda a conta das fraldas que eles pagam, retrucou alguém. 

De repente, um gritinho assustado ecoou no recinto:

— Nooosssa. Parece que engrossou. Mas está tão frio, Palhares!

Ao que o dito-cujo retrucou:

— Eh, eh, eh. Sou eu não, meu bem. É o gargalo da Skol.

Bem, chega de sacanagem, dessa vontade de encontrar um lado bom no apagão, que definitivamente não há, exceto para os comerciantes de mamadeiras, de fraldas e outros apetrechos para recém-nascidos, que em nove meses venderão à beça. Segundo mostram as estatísticas, inclusive a do mais famoso apagão da história, ocorrido em Nova Iorque em 1977, apagão aquece a produção, até rimou.

Eu, que já de há muito penso desistir de tentar sobreviver das chamadas mal-traçadas linhas, que ninguém lê mesmo, estou propenso a montar uma fábrica de lamparinas, lampiões e similares, e ando até pensando reivindicar das cias. de eletricidade um aporte de capital, ficarmos sócios no negócio… Elas com certeza terão o maior interesse.

Não é oportuno?

Publicado em maio/2000