Livros de colorir para adultos viram febre no Brasil. Faz sentido

Saudade dos tlecs, tlecs, tlecs da velha Remington mecânica e do então suprassumo tecnológico de sua substituta, uma IBM elétrica que maravilhava com seu revolucionário cilindro esférico de metal em lugar das hastes barulhentas de letras das antigas. Consta que ao desenvolver o Word, a Microsoft se inspirou na IBM para seu corretor ortográfico, que na IBM era em forma de fitinhas brancas. Você inseria a fita no erro, teclava a letra indevida e zás: eliminada como num passe de mágica.
O dever de ofício dessas máquinas alcançava maior quantidade de leitores. Agora, no teclado, calco nele, do mesmo jeito, conjuntos de letras que formam frases, orações, períodos. Mas o resultado já não tem a ênfase de outrora, tornando mais penosa a tarefa num país gerido (ou seria melhor, digerido?) a quatro mãos por um sujeito obtuso (o criador) e uma mulher sapiens (a criatura), que parecem ter orgasmos com o ocaso da meritocracia, da cultura, da educação, do conhecimento. Pesquisa da Fecomércio publicada em 1/4 deste ano no G1 aponta que, em 2014, nada menos que 70% dos brasileiros não leram um livro sequer. O uso da internet, facilitado pelos smartphones é apontado na pesquisa como um dos responsáveis pela queda na leitura, principalmente entre os jovens.
Mas não é só por isso, creio eu. Se um ex-presidente da República se gaba de não gostar de ler, e se muitos analfabetos funcionais são eminências em variadas instituições de comando do país, é impossível tal fato estimular os brasileiros comuns ao hábito saudável da leitura. Ao contrário, obviamente.
É sintomático que os livros de colorir para adultos tenham virado febre no Brasil. “O sucesso é tamanho que as duas obras dessa linha — Jardim Secreto e Floresta Encantada — ambas de Johanna Basford, lideram a lista dos mais vendidos do Publishnews, publicação voltada para o mercado editorial. A primeira vendeu 122.654 exemplares em abril, enquanto a segunda vendeu 109.224. Para se ter uma ideia do quanto esses números representam — sem contar “Plihia”, do padre Marcelo Rossi, também um fenômeno, mas por conta da religião, o terceiro colocado nas vendas — os outros 17 títulos de obras ´convencionais´ componentes da lista dos mais vendidos, juntos, somam 149.075 cópias, enquanto os dois títulos para pintar batem 231.878″, afirma reportagem do UOL, de 5/5.
Uma pena porque, entre outros benefícios, o hábito da leitura previne o Mal de Alzheimer, segundo o neurologista André Matta, professor de neurologia da Universidade Federal Fluminense. “A área do cérebro responsável pela leitura está intimamente ligada à região da memória, assim como às da atenção, da concentração, da visão e da linguagem falada. Quanto mais se estabelecem conexões entre as áreas, mais elas se desenvolvem”, afirma o professor.
Ler, se instruir, desperta também a consciência política, aprimora a capacidade de discernimento para as escolhas, auxilia na detecção de mentiras, hipocrisia e empulhações. Ajuda, enfim, a votar melhor. Epa! Não pretendia ir tão longe. Queiram me desculpar, senhores do apocalipse ético e da desgraça do Brasil.
Bora colorir, pessoal?
Publicado originalmente em setembro/2015