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A triste história de Luma. Drama de criança bom-jesuense-do-norte comove e põe à prova senso de solidariedade

Luma Grazieli, aos 8. No detalhe, as consequências do acidente

 

Ela era alegre, perfeitamente igual a toda criança saudável de sua idade; brincava, estudava, vivia a curta existência na gostosa fantasia das crianças e dos pré-adolescentes, para quem o mundo não passa de um gigantesco parque de diversões. Até que desígnios superiores interromperam de maneira cruel essa trajetória de encantamento e deliciosas descobertas que a menina ia conhecendo pouco a pouco, ora nos tenros nove anos de idade (nascida em 11/7/96). A fatalidade de um acidente de carro, quando Luma Grazieli voltava da visita que fizera à avó, em Itaperuna, juntamente com os pais Luciano Machado, 40 e Helena, 49, mais o amigo Antônio Félix, 46 — que conduzia o automóvel e morreu instantaneamente — em junho do ano passado, lhe impôs a triste sina da paraplegia, com a agravante, é duro dizer, de lhe ter preservado parte da consciência.

Observa-se que a criança compreende a nova e brutal realidade, e o terrível conflito certamente travado seu íntimo, a desesperadora luta entre a mente que ordena e o corpo que não obedece ao desfrute de um mundo até bem pouco tempo repleto de atrativos e doces perspectivas, é de dilacerar os corações! Não por acaso este jornalista, que a tarimba natural de avançados anos de profissão lhe desautoriza intensos envolvimentos emocionais com os fatos que retrata, não saiu incólume do caudal de aflições que passou a jorrar em cascatas naquela casa 455 da Rua Carlos Firmo, antes tão alegre e descontraída graças principalmente à expansividade de Luma. Lágrimas teimosas e embargos na garganta dificultavam a tarefa de escrever.

Apego
Lágrimas, aliás, são os elementos que não mais abandonaram Luciano e Helena desde o infausto dia. Em permanente estarrecimento, num pesadelo que provavelmente os acompanhará por toda a existência, estes pais choram convulsivamente dia e noite. Luciano conta que a menina era muito apegada a ele. “Onde eu ia ela queria ir junto. Às vezes tinha de dribrá-la mas, muito esperta, Luma descobria o engodo rapidamente.” Este agora doloroso apego continua. “A Luma só aceita a mim para dar água e comida. Recusa ser alimentada mesmo pela mãe. Precisando trabalhar, até consegui uma pessoa, na esperança de que pudesse me substituir, enquanto procurava ocupação. Mas quando eu chegava, me falavam: ´a Luma não quis comer nada.´ Aí eu tomava um banho e dizia: ´deixa comigo´. Pegava a sopinha e só então a menina aceitava”, explicou Luciano. E desabou: “sinto tanta falta dela”, mas em seguida se corrige, balbuciando entre soluços incontroláveis: “mas ela está aqui comigo. Isso é o que importa, seja como for.” A mãe acrescentou: “só ele põe comida na boquinha dela. Se ele falar para ela que vai ali e já volta, ela começa a chorar”, contou Helena, igualmente consternada.

Dor

Com perda de massa encefálica resultando uma cavidade tão profunda que obrigou os médicos a preenchê-la com uma bolsa d’água para remediar a estética do crânio, exatos três meses e 20 dias Luma passou internada no Hospital São José do Avahy, em Itaperuna. “Pai, sinto dizer, mas a Medicina não pode fazer nada mais por sua filha”, sentenciou o médico. Os pais, profundamente agradecidos pelo bom atendimento, pelo carinho e atenção dos profissionais, afirmaram não terem a menor dúvida de que os médicos fizeram todo o possível: “mas foi doloroso demais receber aquela notícia, está sendo muito difícil aceitar essa provação”, disse Luciano, apegando-se unicamente ao velho axioma do “enquanto há vida, há esperança”.

Essa esperança, derradeiro alento do casal além das emocionantes recordações da filha saudável, é agora o combustível de suas vidas. Já em casa procuraram o apoio da APAE, prontamente disponibilizado. Porém, percebendo o comportamento arredio da filha na instituição, entenderam que a repentina incapacitação da menina, diferente da maioria das demais crianças acabava por agravar seu estado emocional quando se juntava a estas, mais acostumadas e conformadas com suas respectivas diferenças. Daí resolveram prescindir ao menos temporariamente dos serviços reconhecidamente eficazes da APAE. “Minha filha ainda vive duas vidas. Em contato com as outras crianças, ela se enervava, chorava muito”, afirmou Luciano

Helena e Luciano junto à filha

Auxílio
O transtorno natural que fatos assim acarretariam a qualquer lar é particularmente devastador para Luciano e Helena. Desempregados (ela vendia roupas de porta em porta; ele exercia ofícios de pintor, pedreiro e assemelhados) e sem condições para conciliarem os cuidados exigidos pela condição da filha simultaneamente a qualquer atividade laboral, as carências se acumulam, em especial alimentação adequada e recursos para contas de água e luz. Até ordens de despejo da casa alugada eles receberam, só não concretizado porque uma pessoa caridosa quitara os débitos acumulados desde a tragédia. Cestas básicas foram doados por outras instituições, pessoas individuais ou em grupos, entre elas duas igrejas evangélicas, serventuários da Justiça, médicos, entre outras.

A prefeitura de Bom Jesus do Norte também foi acionada para fornecer os variados medicamentos, serviços de fisioterapia e outras necessidades, entre elas uma cadeira de rodas especial (custo em torno dos R$ 3 mil), bem como um aparelho ortopédico (aproximadamente R$ 600) cuja serventia é atuar como uma espécie de barreira contra a progressão da atrofia nos membros inferiores. Luciano diz que a cadeira será a nova vida de Luma. Adaptável às necessidades de postura da menina, prescritas pelos médicos e fisioterapeutas, Luma ganhará mobilidade e a chance de variar a cama tediosa, que só com muito cuidado não produz as dolorosas escaras.

Os pais, todavia, demonstraram à reportagem certa preocupação pelos trâmites burocráticos, certamente pela ânsia de quererem disponibilizar o melhor que puderem à filha no mais curto espaço de tempo possível, o que é perfeitamente compreensível. Qualquer pai e mãe desejariam o mesmo. A cadeira, segundo eles, tem de aguardar, pois a prefeitura alega muito gasto em dezembro com a folha de pessoal e outros compromissos. Mas segundo fontes da Secretaria de Ação Social, agora em fevereiro a menina receberá o equipamento, encomendado de uma empresa de Goiás.

Outro ponto controverso foi a questão dos medicamentos: os pais disseram estar comprando fiado na farmácia, mas a Secretaria de Saúde informa que vários medicamentos estão sendo fornecidos a eles pela farmácia básica. O Secretário de Saúde, Ademir Pimentel, disse que todos os medicamentos que a criança necessitar serão integralmente fornecidos. “Se eventualmente não tivermos algum em estoque, será imediatamente encomendado.” O secretário acrescentou que o aparelho ortopédico também será providenciado, bastando aos pais apresentarem a prescrição médica.

Fisioterapia é outra questão polêmica. Luciano manifestou preocupação quanto ao período de tempo que a filha recebe o tratamento pelo profissional do Programa Saúde da Família, serviço prestado em domicílio pela prefeitura. Ele explica que Luma fica aos cuidados do profissional cerca de 10, 15 minutos, o que para ele, pai, parece pouco tempo. Nesse aspecto, inclusive, uma outra profissional foi contratada por alguns servidores do Fórum, que vêm auxiliando a família. Esta profissional, por sua vez, no intuito de ajudar, aceitou a incumbência em troca de valor quase simbólico, mesmo assim revertido para os próprios pais da criança. O secretário de Saúde, no entanto, disse não ter conhecimento de qualquer problema envolvendo a Fisioterapia do Programa Saúde da Família. “Se estiver ocorrendo algum fato anormal, os pais devem acionar a Secretaria. Tudo o que estiver ao alcance do PSF será disponibilizado, inclusive mais tempo de tratamento se for prescrito pelos médicos”, declarou Ademir. O secretário só lamenta que outros tipos de fisioterapia mais especializados que Luma necessita — como por exemplo a da face e a reabilitação neurológica — não são disponibilizadas pelo PSF.

Dar água a Luma requer o uso de seringa e massagem maxilar

Um dia terrível!
Domingo, 19/6/05. Luciano e Helena resolvem visitar a mãe dele, residente em Itaperuna, e levaram a filha para ver a avó. Foram no VW Gol do amigo Antônio Félix. Na volta, pouco antes do cruzamento que dá acesso a Bom Jesus, trafegavam num trecho sinuoso e recheado de buracos na pista quando um caminhão colheu lateralmente o Gol, que trafegando a 100 km/h. Luciano conta que o motorista do caminhão teria dito à perícia ter tentado desviar de um buraco e não conseguira, relatando que até o volante do caminhão teria soltado de suas mãos. O condutor do Gol tentara desviar, mas teve morte instantânea. Luciano sofreu forte trauma no braço direito, tendo de colocar platina que impede movimentá-lo plenamente, e Helena, uma leve escoriação no joelho. Luma viajava atrás do motorista e teria sido arremessada para fora.

A família apela a todos os que de alguma forma possam ajudar, aos profissionais de saúde (principalmente das fisioterapias especiais) que se disponham a doar um pouco de sua técnica. “Estamos realmente precisando. Nossa vida pelo menos por enquanto é toda dedicada à Luma. Não temos vergonha em lançar este apelo. Precisamos de quase tudo: fraldas descartáveis tamanho M, remédios, recursos para mantermos os compromissos com alimentação, aluguel, contas de água e luz, fisioterapias e tratamentos especiais”, afirmou o pai, que disse abrir suas portas a todos os que desejarem conhecer de perto a situação dramática em que passaram a viver.

No sábado, véspera do acidente, Luma desenhou e dedicou as garatujas aos pais, que mantêm o desenho na porta do quarto da filha

A menina precisa tanto dos pais ao redor que o simples ato de dar água requer o uso de seringa e massagem no maxilar simultaneamente à injeção do líquido, para ela poder engolir. Para o banho, que o verão exige pelo menos dois por dia, às vezes até mais, é necessária a presença de ambos, já que, mesmo magrinha trata-se de uma criança de 9 anos, cuja movimentação tem de ser suave, feita com máximo cuidado.

Imitação da arte
Dizem que a vida imita a arte. Luciano, que não é íntimo das letras, me disse, entre lágrimas: “Se eu pudesse estar no lugar de minha filha e ela no meu, ah…, como eu seria feliz!” Essa manifestação lembrou o poeta Afonso Celso, que num dos quartetos do seu soneto “Anjo Enfermo”, escreveu assim: “o melindroso ser, ó filha minha/ Se os céus ouvissem a paterna prece/ E a mim o teu sofrer passar, pudesse/, Gozo me fora a dor que te espezinha.”

Publicado no Jornal Repórter em fevereiro/2006 (na época o jornal publicava as páginas internas em tons de cinza)