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Acabou-se a festa

Por decisão da prefeita de Bom Jesus do Norte, este ano a cidade não terá a sua tradicional festa de abril, onde se comemora a emancipação político/administrativa. S.Excia. alega, com certa razão, motivos de ordem econômica para justificar a não realização dos festejos, agravados pelo espectro das cheias do Rio Itabapoana que no início do ano sinistraram a cidade. Cabe, porém, alguns questionamentos:

1- O custo financeiro para se fazer uma festa é assim tão grande a ponto de privar o povo (mais especificamente o menos favorecido) do único evento que lhe proporciona entretenimento numa região absolutamente nula em ofertas de lazer?

2- O custo social não será maior que o financeiro? Afinal, centenas de pessoas dependem da festa para obter alguns trocados do comércio informal e específico que a mesma propicia.

3- A fim de evitar solução de continuidade de um evento dessa magnitude para os padrões bom-jesuenses-do-norte, seria desonroso patrocinar uma mais modesta? Não seria lícito privilegiar exclusivamente grupos musicais e artistas da região a um custo excepcionalmente mais baixo, em detrimento de artistas consagrados da nossa MPB que, via de regra, cobram somas colossais para brindar o distinto público com quatro ou cinco músicas interpretadas a toque de caixa?

4- De qualquer forma a prefeitura, mais cedo ou mais tarde, não terá que efetuar melhoramentos no local onde está localizado o Parque de Exposições e áreas circunvizinhas, ou será que aquele bairro é considerado um feudo da oposição e só será dotado de atenção política quando esta estiver novamente no poder?

Seguramente a autoridade maior sabe o que está fazendo. Mas será que ao preconizar um tratamento draconiano e unilateral para a questão, ela não estaria inadvertidamente prejudicando mais que beneficiando a si mesma? Sendo os festejos um libelo para as agruras da vida humilde, suas ausências não trarão indesejáveis ressentimentos?

Talvez não haja uma grande preocupação de S.Excia. a respeito, mas decisões impopulares desse nível podem ser o início da perda do bonde da história. Nunca é demais lembrar que “a mão que afaga é a mesma que apedreja”, e no caso são mãos cansadas e calejadas pelo trabalho árduo e desesperançoso, que possivelmente não perdoarão quem lhes negou a única oportunidade anual de juntar uma com outra num aplauso tênue, mas que reflete um filete de alegria que os algozes de sua própria espécie, muito astutamente, trataram de lhes preservar. Estas mãos, mesmo desprezadas ao longo de quase toda a existência ainda são úteis para desenhar X numa cédula eleitoral.

Publicado em abril/1997