Apocalipse? “Prevejo dias com o ventre da Terra à mostra/céu sem sol/chuva de bosta…” (Zé Ramalho)

O céu amanheceu quase negro em Bom Jesus. Nuvens ameaçadoras voluteavam como mariposas assustadas anunciando a chuva torrencial que precipitou em meio a raios e trovões aterrorizantes. Da janela de sua sala na Praça Gov. Portela Ranulfo quase nada conseguia ver na bruma espessa produzida pela intempérie. Tirando os óculos, levou-os próximo à boca e esguichou-lhes ar quente. Poliu-os com a barra da camisa e só então os olhos cansados focalizaram quatro vultos montados em cavalos. Apesar do negrume das vestes, as aparições contrastavam com o cenário plúmbeo reservado pela natureza para Bom Jesus naquele dia fatídico.
Quase em frente ao Big Hotel os vultos evaporaram, deixando o cenário composto apenas da chuva agora de granizo com o barulho ensurdecedor do ribombar dos trovões misturado ao dos pedregulhos nas lajes e nos telhados. Sem energia elétrica, Ranulfo sacou o smartphone e, por sorte, conseguiu conexão 3G. Acessou um site de notícias, que selou sua resolução: “Terror estupra, barbariza e mata”. Dirigindo-se ao quarto, Ranulfo abriu a gaveta da cômoda e pegou a arma, aquelas palavras martelando-lhe a cabeça sem parar: peste, guerra, fome e morte!
Lembrou dos vultos; as quatro palavras pareciam ter ganhado vida como eles. Sim. Chegara a hora, pensou serenamente. Um bum abafado pelo travesseiro e Ranulfo despediu-se da vida. No dia seguinte, Bom Jesus, o Brasil e o mundo acordaram com a indignação oscilando para cima, porém relativizada, como de costume. A banalização do Mal entorpecera sentimentos, anestesiara a capacidade de reação. Exatamente como conjecturava Ranulfo, que não resistiu à maldição de ser diferente.
A alucinação visual ou a visão real dos quatro cavaleiros foi a gota d’água para a resolução de Ranulfo, poupando-o de novos tormentos, como estes: “Terror explode avião com 224 pessoas a bordo”; “Atentados deixam 129 mortos em Paris”.
Publicado em dezembro/2015