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Bonjesino chorou incontrolavelmente pela cassação da prefeita de Bom Jesus/RJ

Buááááá, Buááááááá, chuif, chuiiiffff, if, if…

Que susto! Passava ontem em frente ao muquifo de Bonjesino, de fininho, evitando me encontrar com o brutamontes quando ouço a trovoada…, digo, a choradeira de volume tão elevado, tão entrecortada de soluços de tenor que me fez lembrar da expressão de Nelson Rodrigues: “de trincar catedrais.” Já dei a ficha deste amigo, coadjuvante imaginário em alguns dos meus textos, mas vale repetir que é um mulato de tamanho descomunal, simpático e bondoso. Além disso é ingênuo como uma criança, extremamente crédulo e apaixonado por Bom Jesus e os políticos da região.

Como dizia, eu passava em frente à sua casa, mas tinha compromissos e não podia jogar conversa fora, razão pela qual me esgueirava para que ele não me notasse. Porque, como sempre, teria de conversar interminavelmente com o velho amigo, depois escapar de ser morto por constrição, já que tentativa de assassinato, para ele, tem o nome de abraço. Mas, claro, não podia deixar de ver o que estava ocorrendo. Aproximei-me com passos apressados, transpus a única porta do barraco de dois cômodos e o vi sentado num banco feito de tronco de árvore, os dois braços cruzados sobre o peito, a cabeça encurvada neles.

— O que aconte…

Não deu tempo de completar a pergunta. O gigante deu um salto em minha direção, felizmente esquecendo do abraço; a ansiedade de falar era tão grande que o fez negligenciar involuntariamente as boas maneiras.

— Chefiaaaaa, buááááá…, humpft…, snifff…

— Calma, Bonjesino, que bicho te mordeu?

— Ah, chefia…, que desgraça! — falava e fungava de tal forma que pensei que ele fosse ter um colapso. — Cassaram a prefeita, chefiaaaaa… Cassaram ela, tadinha…, snifff, chuifff.

— Pare de chorar, Bonjesino, senão vou embora — ameacei, agora mais calmo após conhecer a natureza do problema.

— Ah, chefia. Ela não merecia…

— Que vergonha, chorar por causa de política… E afinal, Bonjesino, este choro está denotando uma contradição.

— Êpa, que contradição? — retrucou, as sobrancelhas já iniciando os primeiros traços de acento circunflexo invertido.

— Você não ama de paixão todos os políticos? Então? Assume outro no lugar dela e fica tudo bem.

— Perfeitamente, chefia. Entendi a malícia. Mas afirmo que todos os colocados, do primeiro ao último, estão perfeitamente aptos a nos governar. Todos, está entendendo, todos só aceitaram disputar a eleição depois que fizeram uma autoanálise, uma varredura minuciosa em seus íntimos e concluírem que cada qual tinha a capacidade de fazer o melhor pela cidade.

— Nenhum interesse pessoal? Sabe como é…, o salário é bom…, tem as mordomias…, tem a…

— Alto lá, seu jornalistazinho de meia-tijela. Alto lá. Que Deus não dê ouvidos às suas palavras maledicentes.

— Não seria a lesma lerda?

— Lesma lerda?

— Ahnn…, digamos…, todos eles não nos mandam ir tomate cru depois de eleitos?

— Tomate cru?

— Bonjesino, a ponte que caiu, você entende?

— Caiu onde?

— Baralho…

— Não gosto.

— O quê?

— Não gosto de jogar baralho. E para de mistério, chefia.

— Repito, Bonjesino. Se todos são bons, nada vai mudar, ô rapaz. O município vai continuar com esse intrépido desenvolvimento, mais um pouco e estaremos batendo a Noruega em nível de qualidade de vida.

O colosso levantou os olhos para cima à procura do Senhor, tornou a fitá-los nos meus e, com uma brandura desconcertante, tom professoral, disse:

— Chefia. Sua sorte é que até os condenados à morte contam com indultos dos governos. Nosso Senhor vai te perdoar tanta ironia.

— Responda, Bonjesino. Por que o choro, se outro monge carmelita irá nos conduzir pelos prados verdejantes do paraíso?

— É que…

Seu rosto se contorceu tal como os de crianças naquela careta que antecede o choro. Mas interrompi o novo vendaval que prenunciava.

— Vamos combinar…

— Tá bom. Não vou chorar mais — prometeu o gigante, passando o polegar e o indicador nos olhos e as costas da mão nas narinas para eliminar o fio translúcido de meleca que descia, sorrateira, até os lábios. Pigarreou e continuou: — Na realidade, chefia, não sei de quem tenho mais pena: se da prefeita, injustamente cassada, ou de quem vai entrar.

— Explique melhor.

— Quem entrar vai ter tanto problema até pegar o ritmo das coisas… Vai trabalhar tanto, coitado… Já ela…

— Tinha pegado o ritmo das coisas…, interrompi.

— Claro! Foram quatro anos, chefia. Quatro anos de sacrifícios. A mulher era um azougue. Pegava daqui, pegava dali…

Percebendo meu sorriso enviesado Bonjesino perdeu as estribeiras. Virou-me as costas e disse, seco, só faltando me expulsar literalmente:

— Boa-noite, chefia. Passar bem.

— Boa-noite, Bonjesino. Nada de chorar mais, hein? Já pensou se acontece como no período 2005 a 2008, em que tivemos nada menos que cinco prefeitos? De onde vai tirar tantas lágrimas?

Publicado em maio/2013