Bonjesino e a terceira ponte
— Chefiaaaaaa…
Oh, não. Bonjesino na área!
— Espera aí, homem de Deus, preciso te falar — gritou ao longe, esbaforido, o ciclope ingênuo e de boa-fé que morre se for preciso para defender os políticos da terrinha. Adiei o ato de me aboletar na moto e me preparei fisicamente para o abraço de paquiderme e, psicologicamente, para ouvir a saraivada de enaltecimentos às (ir)realizações nas duas cidades de Bom Jesus.
— Há quanto tempo, chefia — veio se aproximando com os braços estendidos para o imperecível abraço (ou melhor, tentativa de assassinato por constrição). — Reconheci de longe a pouca bunda, completou.
— Hein?
— Estava saindo do mercado pensando justamente em você, chefia, quando… olha a coincidência… vejo a tábua em forma de gente.
— Tábua?
— É com o que você se parece, olhando assim de costas.
— Para de sacanagem, Bonjesino. E já que repara minha carência glútea, fique sabendo que a sua é feia de doer, por motivos opostos. Parece vestir antena parabólica em vez de cuecas. Eu não carrego tanto peso, provoquei.
— E o nosso Mengão, chefia?
— Nada a declarar.
— Calma, calma, vamos ganhar o Brasileirão.
— Da série B de 2013…, é provável. E entra logo na política, que é o que te traz até mim, se bem te conheço de velhos carnavais.
— Soube da terceira ponte?
— Ouviu o discurso do governador fluminense Sérgio Cabral, não é?
— Sério, chefia. Vai sair. Viu a sinceridade do homem quando prometeu?
— Sinceridade… As palavras que saem daquela boca não correspondem às ideias. Ele se referiu, me pareceu, a alguma ponte sobre o Rio Sena, talvez uma semelhante à Alexandre III, de Paris.
— O que está falando, homem de pouca fé?
— Acho que ele quer ser prefeito da Cidade-Luz. Viaja frequentemente para a França, e sempre muito bem acompanhado com alguns dos maiores PIB´s brasileiros.
— ???
— Não dá para entender mesmo, Bonjesino. É surreal.
— Não sei do que está falando, chefia. Mas te conheço. Lembra que também não acreditava na passarela?
Lembrei. Em várias conversas com Bonjesino, entre 1996/1999, ele batia sempre na mesma tecla da passarela, necessidade secular há apenas 12 anos materializada. Em seus devaneios, o homenzarrão chegou a descrever antecipadamente a entrada triunfal da então prefeita de Bom Jesus do Norte, Daisy Batista, ao encontro do então prefeito de Bom Jesus do Itabapoana, Carlos Garcia, que se confraternizariam (como de fato se confraternizaram) no meio da passarela balouçante de ferro que custara estonteantes CR$ 80 mil, quantia dividida entre as duas prefeituras
— Passarela é uma coisa; ponte…
— Anote aí, seu escrevedorzinho malévolo, Bonjesino me interrompeu bruscamente. — Nossas autoridades de ambos os lados só pensam nisso, trabalham incessantemente, u-ni-dos — acentuou a forte parceria e mútuo entendimento (essa é muito boa!)
— Não me diga! Quer dizer que até as autoridades não se conformam com o caos em que já está se transformando nossa valente ponte inglesa velha de guerra, feita mais para tráfego de carroças do século 19 e hoje suporta bólidos equipados com GPS´s?
— Claro. Sempre trabalharam para isso.
— Realmente, Bonjesino. Depois de um trabalho intenso, quase asfixiante, pelo qual lograram deixar nossa saúde pública tão boa quanto a da Islândia; nossa educação qualitativamente igual à dos finlandeses; nossas ruas e avenidas capazes de fazer corar os príncipes de Mônaco, só falta realmente desafogarem o trânsito.
— Lá vem ironia.
— Levantei a mão espalmada impedindo que me interrompesse novamente. Continuei: — Nossas ruas e avenidas, especialmente as de Bom Jesus do Norte, estão lindíssimas, bem conservadas, isentas de buracos e fissuras, dotadas de magníficos projetos paisagísticos. Esse delicioso aspecto visual e operacional, inesquecível para os visitantes, bem merece ser completado com uma ponte novinha em folha, com acabamento em mármore de Carrara.
— Basta! — Trovejou o gigante. — Sabe qual será o seu castigo, chefia? Noticiar a inauguração.
— Pra rimar: nesta ou noutra encarnação? — falei e zarpei num átimo, sem esperar a gota d´água transbordar o poço de indignação do gigântico amigo. Tenho horror a escândalos!
Publicado em maio/2012