Aqui eu guardo meus escritos.

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Grampo provinciano; ou, condomínio chamado Brasil

Triiimmmm

— Alô?

— É o Vicente? Souza falando…

— E aí, Souza? Tem passado bem?

— Não como você, Vicente. Você que é sortudo…, até já instalaram o seu telefone…

— Cinco anos de espera…, já era tempo. Mas não sou eu que estou bem nas pesquisas…

— Que nada, Vicente. Ainda preciso de mais três condôminos para garantir minha eleição de síndico aí do prédio.

— Xá comigo, Souza. Vai ser mole. Só vou precisar de sua colaboração depois…, sabe como é…

— Perfeitamente. Claro. Irrestrita.

— Então escute. O plano é o seguinte: sabe aquela mulher do 501?

— Sei… sei. Aquela que no lugar de palmas sacode as joias?

— Isso. Vamos dar isenção total do pagamento da taxa mensal de condomínio da sua cobertura durante toda a gestão do governo Souza, compreendeu?

— Claro, nada mais justo, Vicente.

— E tem mais. Conhece o Curriola, amigo do Chico Golpes?

— O dono do banco Sarka Tudo?

— Sim. Ele, o Curriola, juntamente com o dono do Banco Conte Cinfrões, que moram juntos no 171, vão votar em você. Só que eles precisam de uma forcinha…, tão com o apartamento penhorado…, coitados…, me ligaram hoje das Bahamas…, nem conseguem curtir umas férias direito, tamanha a preocupação.

— Claro, claro. Se depender dos recursos do prédio, os bancos deles não quebram…, ou melhor, se quebrarem pelo menos eles ficarão numa boa. Pra que servem os amigos, não Vicente?

— E tem também aquele empreiteiro que mora no 302, o dono da Superfaturadas ilimitada. O dele vai ser um contrato de manutenção do prédio com um pequeno ágio de 50%.

— Não é muito?

— Né não, Souza. É valor de mercado. Não vê a O K Nalha? Já reajustou sua tabela agial para 60%. Dizem que a Safardo Corneia já cobra 70%.

— Esse pessoal não brinca em serviço. Votinho caro, né Vicente?

— É…, mas compensa. Os condôminos comuns serão beneficiados em “nossa” administração. Vamos manter a estabilidade dos valores condominiais a qualquer custo, né não, Souza?

— Claro, claro…, humpt, humm…, humm…., mas Vicente, de onde vamos tirar para cobrir estes custos…, digamos…, eleitorais?

— Simples, Souza, simples. Não tem aqueles gringos que adoram emprestar dinheiro?

— Os do FOMI?

— Eles mesmos. Famosos Opressores Matreiros Internacionais.

— Mas os juros são bem salgados… Para pagar estes caras vamos ter de demitir gente…, acabar com a escolinha e a sala de primeiros socorros…, aqueles dois andares que projetávamos crescer vão para o espaço…

— E daí? Preço de condomínio quatro anos sem reajuste é o que importa, Souza. Vamos nos capitalizando com os gringos nas defasagens, pagando só os juros e empurrando com a barriga…

— Mas vai chegar num ponto, Vicente, que a coisa pode estourar…

— Desde que não estoure em nossas mãos…, o próximo síndico que se vire!

Publicado em maio/1998

Amor mortífero

Ela era jovem, rica e bela. E nada de paranoica ou débil mental. Mandou matar os pais por um louco amor, formando um drama real que supera as fictícias tragédias shakespearianas no ápice do delírio criador do dramaturgo imortal.

Que motivo é esse? Como o amor pode ser tão mortífero? Na impossibilidade de uma análise psicológica de mais profundidade, resta a impressão de que a juventude da era moderna não tem limites para nada, e que numa sinistra ironia os pais de Suzane Richthofen foram culpados de certa forma pela própria tragédia que os vitimou, já que vivenciaram e praticaram as regras de comportamento ditas modernas.

O poder material destes trevosos tempos passaram a ser o único valor a nortear grande parcela de seres humanos. Conforto, consumismo, luxúria, hedonismo, peitos siliconizados, bundas proeminentes substituíram dignidade, moral e solidariedade. E esta cultura é transmitida dos pais para os filhos.

A evolução comportamental sempre foi vista com reserva. Como se escandalizaram, por exemplo, os pais da juventude transviada da década de 1960 com as barbas e os cabelos compridos de seus filhos, ausência de banho, sexo livre e a consagração da utopia de um mundo sem peste, fome e guerras. Mas aqueles pais, embora tivessem o dissabor de testemunhar a ruptura de um padrão estabelecido, o que é sempre traumático, tiveram atenuantes em relação aos de hoje porque os movimentos de outrora tinham o Paz e o Amor como abordagem principal.

Atualmente imperam os pit bulls, os robôs sem alma e sem coração forjados nas academias de artes marciais, os pequenos tiranos que por terem tudo julgam que a tudo podem, até incendiar pessoas em praça pública, assassinar garçons, matar espectadores no cinema e assassinar os pais.

Os meios de comunicação, em especial a TV, têm enorme parcela no atual padrão estabelecido. A televisão brasileira vem formando uma geração com mutações genéticas que a torna dependente de violência e notícias ruins. A diversão dominical é exatamente achar graça na desgraça alheia, rir-se à toa de tombos e tropeções nas famosas pegadinhas. Os comunicadores, na mais desavergonhada ironia mostram que as pessoas que ainda têm bom coração e se dispõem a ajudar o próximo não passam de um bando de otários, que trocam pneus e são zombados, ajudam deficientes físicos que levantam e saem andando, e tantas outras situações criadas para expor as pessoas ao ridículo, destruindo o balizamento da ética e da razão.

O amor de Suzane é fruto dessa poção diabólica, cozida no caldeirão da permissividade, da dissimulação, da insensibilidade, da crueldade, da impiedade, da iniquidade. O ápice deste amor para quem nunca conheceu limites teria de ser lavrado num clima de erotização maior imaginado por suas mentes frívolas: o sacrifício dos próprios pais de um dos parceiros!

Publicado em dezembro/2002

Apocalipse Now

Começo este amargurado artigo evocando Castro Alves em seu célebre poema Vozes D´África: “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes, embuçado nos céus?”

O fatídico 11 de setembro jamais será esquecido, no qual tivemos a forte impressão de termos sido definitivamente desprezados pela Potestade. Será por todo o sempre o capítulo mais tenebroso da história da humanidade, sem ocorrências precedentes nem pósteros. O furor do ódio materializado no paroxismo da insensatez e da loucura ficará impregnado nos recônditos mais longínquos deste nosso Planeta, que de um azul vistoso transformou-se rubro pelo mar de sangue de dezenas de milhares de inocentes, e da vergonha perante o universo.

Foi uma tragédia largamente anunciada pelas divergências inconciliáveis que nos assolam. E outras virão porque chegamos a um tal nível de intolerância que qualquer gota transborda e causa efeitos devastadores, inacreditáveis. O fanatismo religioso, o preconceito racial, as diferenças políticas aquecem-se de forma incontrolável e chegam com facilidade ao ponto de ebulição. Tal qual determinados tipos de bactérias e vírus, o ódio, este sentimento pernicioso, intrinsecamente humano, reproduz-se de várias formas e tem a faculdade incomum de dotar-se de criativos mecanismos de autopreservação que tornam inúteis todas as tentativas de combatê-lo. E quando a ele se une inteligência, ousadia e o desprezo pla própria vida, tudo parece irremediavelmente perdido.

O ódio racial, o ódio político, o religioso, o social, em todas as suas modalidades e diferentes formas e sutilezas é sempre mais destrutivo e gera-se na ignorância e no egoísmo desenfreado que parecem ter atingido o ápice em nossa contemporaneidade. O crescimento inversamente proporcional de sensatez em relação a insanidade, de estadistas em relação a oportunistas políticos, de pastores em relação a vigaristas contribuem para a implementação deste subalterno sentido com toda a virulência que lhe é inerente. A carnificina de Nova Iorque no 11/11 não supera em números absolutos as das grandes guerras e outros holocaustos humanos, as com certeza será lembrada como a mais chocante de todos os tempos pela desvairada devastação num único dia!

E dela fica tão-somente a esperança de que não seja o início do fim, e para tanto façamos nossas as palavras do poeta: “Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! É, pois, teu peito eterno, inexaurível de vingança e rancor?”

Publicado em setembro/2001

Imbecilidade; ou, escritos anônimos têm o fedor da lama em que chafurdam seus autores

Os escritos sem a identificação dos autores — folhetos apócrifos — têm sido largamente utilizados nas duas Bom Jesus,  fato decepcionante e que traduz o baixíssimo nível moral e intelectual de quem os produz. Nem sequer uma palavra como comentário tal prática mereceria, não fossem estes dementes presumivelmente bom-jesuenses, e, pior, mais presumivelmente ainda detentores de algum vínculo com a política local.

Nossas duas cidades, pacíficas, pacatas e que nos fornecem a possibilidade de uma vida contemplativo não merecem que gente dessa laia desfrutem de sua hospitalidade. Muito menos os cidadãos ordeiros, que temos sério compromisso com a ética, com a boa educação, com a elegância e com o respeito que deve prevalecer entre os membros de uma sociedade civilizada podemos aceitar pacificamente que nossa identidade seja respingada pelos dejetos dos que rastejam nos porões taciturnos da maledicência.

Estes se acostumaram a chafurdar na fossa abissal da ignorância, do desprezo, da deselegância, da irracionalidade, vítimas, pobres coitados, da falta de um berço decente ou de um banco escolar. Acima de tudo são covardes, que se escondem no sigilo traiçoeiro para denegrir invariavelmente pessoas de bem, pessoas realizadas e bem resolvidas nos planos pessoal e profissional exatamente porque o sucesso destes é intolerável às suas bisonhas capacidades, aos seus ridículos projetos, à sua insignificância mental.

É de estarrecer que políticos necessitam, recrutam e até mesmo garantam boa vida a este refugo social para lhes confiar o serviço sujo que não deveria existir, escalá-los para as tramoias e escaramuças explícitas e a tudo o que de pérfido existe no sistema falido e desmoralizado da política brasileira. A escoalha faz bem esse serviço. Rasgar bandeiras e galhardetes do adversário, intimidar pessoas humildes, agredir, espionar, rosnar, injuriar, caluniar, difamar são suas especialidades. São totalmente desprovidos de amor-próprio, respirando mediocridade por todos os poros; é gente amargurada, ressentida, às vezes em conflito consigo mesma porque constituídas da mesma estrutura de um ser humano, mas lhes falta o caráter, a integridade moral para se portar como tal. Isto é terrível para o seu íntimo, para o seu inconsciente, porque não podem sair por aí andando na horizontal através dos quatro membros.

Da aliança de nossa indignação depende a caça aos vermes que deixam seu rastro excrementício a vitimar um ou outro incauto o que, para a aberração de sua natureza ignóbil, com os seus vis objetivos, já é um lucro extraordinário.

Publicado em janeiro/2001

Eras Tu, senhor?

Pode parecer piegas utilizar a imagem de uma mãe sofrida em meio a um ambiente festivo, mas o objetivo é forçar uma reflexão coletiva a respeito dos contrastes sociais em que o mundo é forjado, e nada melhor que fazê-lo justamente, e por ironia, nos momentos em que a humanidade comemora exatamente o nascimento de uma criança humilde, carente e sofrida que veio ao mundo padecer em holocausto o preço da salvação dos homens, segundo os religiosos.

Reparem no olhar dessa mãe. Observem seu semblante desiludido e desesperançoso. Quem, senão os insensíveis, não haverá de se deixar dobrar pela emoção ao tentar entendê-lo? O mundo egoísta, opressor e tirano não poderia ser tão selvagemente cruel a ponto de tripudiar assim, mostrando-lhe sonhos que jamais poderão ser realizados. Que conjunção de astros ou conjugação de fatores poderão dotar uma mãe do entendimento e da compreensão para as injustiças que lhes são impostas sem piedade, mais dolorosamente a seus filhos?

Conforme disse o poeta inglês William Wordsworth, “a criança é o pai do homem”. E essa criança no colo, certamente, é mais uma semente que não germinará de forma ideal pois semeada em solo contaminado pela brutalidade das injustiças que a impedirão vicejar uma infância sadia e feliz.

Que perguntas esse olhar amargurado formula? Que compreensões deseja obter? Seria talvez sobre as razões de se comemorar com tanta pompa e circunstância nesta época o nascimento de uma criança que viria a condenar veementemente a subjugação do homem pelo homem? E o porque de alguns o comemorarem ostentando acintosamente a fartura e o poder material? Este olhar, ao fitar o nada, certamente traduz involuntariamente o resultado da incompreensão sobre a existência de amor e carinho para alguns, indiferença ou ódio para si; castelos e mansões num lado, favelas e cortiços pestilentos e promíscuos a abrigar sua infeliz matéria, de outro; farturas gastronômicas de variados paladares e matizes noutras mesas, e na sua um ralo mingau de fubá raramente complementado com um naco de salame de qualidade duvidosa.

Quanto equívoco. Será que não percebemos que os mimos ofertados ao Menino Jesus pelos Reis Magos não teriam sido um simbolismo de amor ao próximo? Não teria sido uma senha acenada há 1997 anos para demonstrar aos mais afortunados a não deixarem desamparados e ao relento os que nada têm?

Atentemos a este olhar tristonho não identificado individualmente, mas semelhante a milhões de outros merece. Ele merece ao menos uma prece. Se possível, um pouco de indignação.

Eras tu, Senhor?

Publicado em dezembro/1997