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Déficits municipais: cada prefeito que entra proclama herança maldita, mas deixa também a sua

Em Contabilidade, uma das primeiras lições que o estudante aprende, um tanto incompreensível, é a de que tudo o que entra é débito e tudo o que sai é crédito da conta ou rubrica a que se esteja referindo. A débito da conta “Caixa”, por exemplo, é feito o lançamento dos valores que entram e o crédito dos que saem. Esta é uma curiosidade do mundo dos números, dos conceitos teóricos, da mesma forma que “prêmio” num contrato de seguro não é o que se recebe como indenização do sinistro, mas o valor que se paga pela apólice.

Manipular a Contabilidade e fazer dela um instrumento para ludibriar pessoas e instituições tornou-se rotina no Brasil. Maquiagem de balanços e manipulação dos números visando a sonegação de impostos são práticas comuns de poucas exceções acobertadas por uma ciência que estuda e pratica as funções de orientação, controle e registro dos atos e fatos de uma administração econômica, mas extremamente vulnerável e inerte às maquinações do homem. Também, esse negócio de considerar débito um ativo e crédito um passivo não é mesmo coisa de se levar a sério…

Se os números oficiais são muitas vezes forjados visando fornecer uma imagem simpática de determinada empresa ao grande público, ainda que fictícia, imagine os não-oficiais. É o que se tem percebido nestes primeiros meses a respeito dos déficits encontrados por grande parte das novas administrações municipais, exceto pelas reeleitas, evidentemente. Aqui mesmo na região, administradores se arvoram em propalar os rombos herdados dos antecessores numa algazarra que parece refletir mais satisfação que inquietação, com os números balouçando ao sabor do vento de acordo com os interesses de cada um. Se o antecessor era um adversário mais simpático, atribui-se-lhe um número melhor digerível; se era um contendor renitente, um ranheta ou inimigo, carregam-se nos algarismos.

O intuito parece que não tem sido informar, mas difamar. O objetivo não é esclarecer, a estratégia é confundir. Quanto mais alarmante e de maior alarido for o montante do déficit, melhor para o “herói” ou para a “heroína” que estoicamente conseguirá saneá-lo. Na pior das hipóteses já é uma desculpa antecipada por eventuais fracassos ou incapacidade gerencial. Dívidas que sequer estão vencidas, recomposições e renovações creditícias, ainda que lastreadas na arrecadação, previstas nos orçamentos, muitas vezes são englobadas pelo total das parcelas vincendas por absoluta má-fé, apenas para robustecer os números. É sintomático que não convoquem a imprensa para prestarem informações oficiais, tim-tim por tim-tim, caso a caso, conta a conta. Isso não interessa, da mesma forma que divulgar os bons resultados porventura encontrados, nem pensar.

Não é segredo que a maioria dos estados e dos municípios brasileiros só trabalha no vermelho. Déficits, contas pendentes, atrasos são rotina. As pessoas que hoje têm o poder e que o tenham exercido antes sabem como é o aperto e até podem ter deixado no passado os seus números negativos também. Mas há que separar o joio do trigo, tudo tem de ser proporcional. Se um município tem um déficit incompatível com o seu tamanho, com a dimensão de sua atividade econômica, com as obras e outros benefícios realizados aquém dos recursos recebidos para tais fins, o indício de crime é forte. E aí existe a Lei, que também, estranhamente, de pouco se valem.

Este deveria ser o desafio de cada prefeito. Auditar a casa com seriedade, trazer à baila os números genuínos, mostrar a real situação de seu município seria simples e denotaria sinceridade, autenticidade de intentos. Querer jogar bonito para a galera sem razão para as firulas, além de ridículo é um desserviço ao seu estado ou ao seu município.

Uma cruzada pelo resgate da Contabilidade, uma ciência que tem de ser exata a despeito das inexatidões de princípios éticos.

Publicado em fevereiro/2001

Nomenklatura bom-jesuense. Ou, Legislativo resolve a questão do desemprego contratando aspones

De dimensões continentais, pulmão do mundo com a maior reserva verde do planeta, solo privilegiado que em se plantando tudo dá, imune a catástrofes naturais, o Brasil parece um elefante com temor de um rato. É, do mundo, o gigante aparvalhado que só tem tamanho e, proporcionalmente a este, uma das piores e mais cretinas injustiças sociais em todo o globo terrestre, ampliadas ano após ano numa escalada vertiginosa pela sua classe dirigente. Esta, por sua vez, é produto do meio, e nesse detalhe é possível que tenha originado a velha máxima: “cada povo tem o governo que merece”.

Tomemos o exemplo de nossas Bom Jesus. São cidades que vêm se arrastando há décadas, que jamais tiveram um horizonte claramente delineado, com uma política ao longo dos tempos obtusa e eventualmente retrógrada. Progridem? Sim, mas num contexto vegetativo lento para as condições físicas e geográficas privilegiadas em que se situam, ao contrário de alguns de seus dirigentes que pessoalmente enriqueceram e enriquecem a olhos vistos. Enquanto o povo, na penúria, vê-se à margem da sociedade, deseducado, desnutrido e desvalido, seus representantes às avessas adquirem bens materiais com facilidade impressionante e numa rapidez espantosa, contrariando todas as expectativas de um enriquecimento natural, fruto exclusivo do trabalho honesto. Alguns, com indisfarçável desdém, adentram seus municípios em automóveis luxuosos com motoristas particulares (ambos pagos pelo erário, isto é, pelo próprio povo), num acinte à miséria reinante sem nenhum remorso ou censura da própria consciência pelo agressivo e ridículo paradoxo.

A prova de que o dinheiro público é usado sem parcimônia e de forma irresponsável está bem perto de nós. O Legislativo de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, por exemplo, “consciente” da grave crise que o país atravessa resolveu dar sua contribuição para a questão do desemprego: aprovou a contratação de assessores para cada um dos vereadores, com módicos vencimentos de R$ 1 mil por cabeça. Enquanto isso, não há emprego sequer de um salário-mínimo para um cidadão prover o sustento de sua família, não há verba para a merenda escolar nem para os remédios dos caquéticos. Pululam qual nuvem de vespas venenosas os decretos e medidas provisórias da terrível carga tributária que abate impiedosamente os empresários e outros segmentos produtivos da sociedade, que a duras penas e no limite das forças carregam nas costas vergadas o fardo cruel da iniquidade, fruto da cobiça, incompetência, má-fé. Este nosso DNA resultante de tantas misturas há de ter algo de bom: a capacidade de indignação e por conseguinte a certeza da necessidade de mobilização para pôr termo a essa ordem insustentável.

Publicado em janeiro/1999

Preclaros ratos dos precatórios

Diariamente lê-se nos jornais casos de pessoas paupérrimas sendo presas por furtarem alimentos ou cometendo pequenos crimes com o intuito de poder comprá-los a fim de calar a sua maldita fome. Há pouco tempo foi noticiado o caso da mulher que foi presa, condenada e trancafiada por ter subtraído uma lata de leite em pó de um supermercado carioca para alimentar seu filho em adiantado estado de desnutrição.

As cenas descritas acima fazem parte do cotidiano de um povo oprimido, humilhado por não possuir nem mesmo o alimento que lhe garanta a vida, carente de educação, de saúde, de moradia digna. Carece-lhe o trabalho, que as bestas do apocalipse, travestidas de salvadores da pátria e com canudos obtidos em Oxford, Cambridge e Yale, trataram de lhe surrupiar. Carece-lhe a Justiça, pois por viver em guetos e favelas e, sobretudo, por ser pobre, este povo não a pode comprar, vivendo por isso estigmatizado como bandido.

Vivenciamos aqui mesmo em nossa cidade casos de pessoas honestas, pais de família, serem perseguidos e punidos “exemplarmente”, unicamente por transportar, em suas velhas sucatas, mercadorias diversas sem nota fiscal, sendo, por conseguinte, considerados perigosos contrabandistas. As autoridades que estão cumprindo o seu papel talvez não o fizessem com tanto rigor se percebessem que naquela mercadoria apreendida está o sustento de uma família.

Acaso a pátria os oferta opções de trabalho lícito? Sabemos que não. E por que não? Por que não há leitos nos hospitais para os pobres? Por que estes não possuem uma casa própria, não podem frequentar uma universidade e assim renunciando a dignidade e os sonhos? Não é difícil adivinhar a resposta…, e ela é simples: é porque os recursos necessários estão nos bolsos dos preclaros ratos. Vossência, (corruptela de Vossa Excelência), termo muito comum entre eles, sabe que por trás do seu cargo de senador, governador, deputado e prefeito está a certeza da impunidade garantida pelo corporativismo, o chamado sprit de corps. Qual abutres esfomeados, mas bem-dotados intelectualmente, armam as mais incríveis maracutaias fazendo uso da sua ilimitada criatividade a fim de saciar o voraz instinto selvagem.

Lembram-se dos escândalos coloridos? Da pilhagem no Orçamento? Da rapinagem explícita do caso Sivam e a famosa Pasta cor de rosa? E o que dizer quando vossência se alia a V. Sa. e Exmo. Sr. para gerir carniça denominada escândalo das empreiteiras, escândalo de bancos falidos, (porém seus donos, individualmente, multimilionários), escândalo da previdência? É escândalo atrás de outro. Agora, novinho em folha, ainda cheirando a tinta foi descoberto um novo: o dos Precatórios. E olha que desta vez extrapolaram. A genialidade maléfica destes facínoras foi além dos limites. Enoja-nos, causa-nos asco quando percebemos que dessa vez tiraram até mesmo a merenda das crianças alagoanas, pernambucanas e catarinenses.

Sim, isso mesmo, roubaram a merenda. Rasparam definitivamente os cofres destes estados que já estavam falidos, e que agora têm mais uma conta a pagar, bastante salgada, fruto da velhacaria desses pilantras de colarinho branco, e que, consequentemente, terá de ser tirada da boca das crianças, do bolso dos professores, médicos, polícia e demais funcionários públicos, cujos salários serão mais uma vez atrasados e até mesmo caloteados. A indignação é maior quando sabemos que estes balofos seres alienígenas usam o raro dinheiro do povo para poder manter suas aeronaves ricamente decoradas e suas mansões cinematográficas, onde, em suas luxuosas varandas, dando vistas para suas piscinas olímpicas e cascatas artificiais, acompanhados de belas mulheres e com um sorriso cínico nos lábios, sorvem, em recipientes folheados a ouro o nosso sangue.

E não venham me dizer que pelo menos um, unzinho, foi preso. Na verdade, PC Farias não o foi, porque seus poucos dias de chamada reclusão foram, na verdade, quase que num hotel cinco estrelas, tamanhas eram as mordomias que o mesmo desfrutava, tendo passado seu último dia de vida, inclusive, numa belíssima mansão ao lado de uma atraente mulher.

Preclaros ratos. Agora que vocês foram desmascarados, por que não se atiram no primeiro esgoto que virem pela frente? Poupem-nos, ad aeternum, de contemplarmos suas macabras figuras, pois temos repugnância a elas. Levem consigo os banqueiros que fizeram parte de sua quadrilha e demais pilantras da sua laia. E que o céu ilumine alguém que passe o Brasil a limpo, para que não mais vejamos uma mãe presa por tentar alimentar de alguma forma o seu filho faminto porque os recursos para o seu sustento foram pilhados por seres expelidos do ventre tenebroso de um velho castelo da Pensilvânia.

Publicado em fevereiro/1997

Conselhos de notáveis

Haverá de existir um sistema político que funcionará através de Conselhos de Notáveis em níveis municipal, estadual e federal. Definirão-se os critérios de quantidade e da forma como isto funcionará, e o basilar do sistema será poucos componentes a comporem os conselhos, mas que sejam as mentes mais brilhantes e os caráteres mais íntegros. Não custa sonhar que o Brasil não mais terá prefeitos, vereadores, deputados, senadores, presidentes, congresso, jetons, imunidade, pilantragem, maracutaia, sinecura, falcatruas, nepotismo, malversação, grampos, sujeira, insegurança, hipocrisia, fome, seca, deseducação, etc.

É claro (e isso deve ser ressaltado com todas as letras) que existem os que fazem da atividade política sua profissão de fé num Brasil próspero, moderno e justo. Mas estes travam batalhas inglórias contra uma ordem estabelecida na qual são impotentes de lograr revertê-la. “Em Alagoas, a Assembléia Legislativa vai gastar R$ 160 mil para deixar os 27 deputados estaduais alagoanos bem-vestidos, perfumados e na moda. A presidente da casa, Ziane Costa (PMDB) autorizou o depósito de R$ 5,9 mil para compra de roupas e acessórios para cada um dos 27 deputados que não terão de prestar contas da verba. Além dos R$ 5,9 mil para as roupas, os parlamentares vão receber R$ 78 mil para o pagamento de assessores e custeio de gabinete. Cada parlamentar pode ter até 30 assessores. O custo total no primeiro mês de trabalho será de R$ 8,1 milhões”. (Jornal do Brasil, 4/3/99).

Em Pernambuco, “irresponsáveis políticos desviaram para seus próprios bolsos até as cestas básicas que o governo e o povo brasileiro mandaram para que os miseráveis não morram de fome. É a própria indústria da seca no seu mais chocante grau de perversidade. (…) Roubar, para eles, é um direito político que lhes foi conferido pelo próprio voto dos miseráveis roubados, é uma questão de cultura transmitida de pai para filho desde os invasores que levavam nosso ouro para seus países (…)”. O Globo, 28/12/98.

Em Jaboatão dos Guararapes-PE, “o prefeito do município deve ser o recordista do nepotismo. Empregou a mulher, os 10 filhos, 24 sobrinhos, 4 genros, 3 cunhados, 2 irmãos, 1 neto e mais outros 3 parentes, num total de 48”. O Globo, 15/12/98.

No congresso havia, no fim de 1998, 131 denúncias, inquéritos, queixas e ações penais contra parlamentares. Só se recorda da cassação de Sérgio Naya (parece que consideraram grave o crime de ter construído um prédio com material de última categoria e matado algumas pessoas, além de ter deixado centenas ao desabrigo). Um ou outro boi de piranha muito eventualmente também é sacrificado, mesmo assim se for pego em gravíssimo flagrante delito.

O corporativismo na casa é algo absurdo e até surreal. A desmoralização atinge tal ápice sob a chancela de um código penal primitivo e benevolente em suas filigranas jurídicas, que Hildebrando Pascoal assumiu sua cadeira no congresso com 101 inquéritos na Polícia Federal e acusado de ser o líder de um grupo de extermínio no Acre, com mais de 30 mortes imputadas. Talvane Albuquerque, seriíssimo suspeito de ser o mandante do assassinato da Deputada Ceci Cunha para ficar com sua vaga, também assumiu.

Figuras desse naipe também são os legítimos representantes dos interesses dos brasileiros e arquitetos do futuro da Nação.

O sonho dos conselhos não faz sentido?

Publicado em junho/1999

Promessa não é dívida

Chico Alencar, professor de História e deputado estadual/PT/RJ, em artigo no JB de 22/4/00, afirma: “Os processos sociais abortados e as revoluções interrompidas são fruto do esmero das classes dominantes brasileiras, ao longo desses cinco séculos, de impedir o acesso à informação crítica à imensa massa herdeira da população escrava. Política é escolha e informação. Sem informação, a política se reduz à cultura da delegação, que é você poder eleger do vereador ao presidente da República e achar que isso é democracia. Isso é apenas um elemento da representação política, mas se não vier junto com um acompanhamento crítico dos mandatos, é pura delegação, uma das principais marcas da política brasileira dos tempos atuais. Autoritarismo, paternalismo, machismo, patriarcalismo, coronelismo, populismo e individualismo são algumas das características da política praticada pelas elites brasileiras desde o tempo da Colônia”.

Ainda segundo o professor Chico Alencar, Darcy Ribeiro, um dos maiores brasilianistas de todos os tempos teria dito, em sua irreverência característica que “somos um país de desfeitos, afogados na ninguendade”. Em outras palavras, isso quer dizer que a grande massa ainda está longe de se livrar da manipulação política que prevalece no modelo brasileiro desde priscas eras, sendo que o esclarecimento adquirido, habilitado por maciça informação típica do século que se finda pouco tem revertido o quadro de vulnerabilidade ao convencimento fácil por parte dos políticos, muitas vezes, inacreditavelmente, em troca de pequenos favores e promessas que o próprio eleitor sabe de antemão que não poderão ser cumpridas.

Emprego público é talvez o favor que desperta mais cobiça e atração. Promessas de colocação estão no topo da hipocrisia, que são seguidas por doações de pequenos materiais e serviços. Encerradas as eleições, entretanto, a imensa maioria fica a chupar o dedo, aguardando eternamente seu sonhado emprego, fato que precipita um círculo vicioso que jamais tem fim: aquele que prometeu e que obviamente não pôde cumprir transfere a preferência do voto desse eleitor para os adversários e vice-versa.

Resumindo: o político de respeito nada oferece individualmente, mas obtém conquistas de interesse coletivo; o eleitor consciente, lúcido, nada pede para si somente, vota naquele em quem confia para depois cobrar-lhe benefícios que contemplem a todos.

Publicado em agosto/2000