Aqui eu guardo meus escritos.

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O Perfume; ou, banheiros da rodoviária de Bom Jesus: fedor insuportável

Estou lendo um livro muito bom que versa sobre cheiros, odores diversos, senso olfativo incrivelmente desenvolvido. Digo que a história é boa pela originalidade, embora catinguda e violenta. Trata-se de “O Perfume”, de Patrick Suskind. E lá vai um trechinho, para quem tiver estômago:

“Aqui, no sítio mais fedorento de todo o reino, nasceu Jean Baptiste Grenouille, a 17 de Julho de 1738. Foi um dos dias mais quentes do ano. O calor pesava como chumbo sobre o cemitério, projetando nas ruelas vizinhas o seu bafo pestilento, onde se misturava o cheiro a melões apodrecidos e a trigo queimado. Quando começou com as dores de parto, a mãe de Grenouille encontrava-se de pé, atrás de uma banca, na Rua Aux Fers, a escamar as carpas que acabava de estripar.

Os peixes, supostamente pescados no Sena nessa mesma manhã, já cheiravam pior do que um cadáver. A mãe de Grenouille não distinguia, no entanto, entre o cheiro a peixe e o de um cadáver, na medida em que o seu olfato era extraordinariamente insensível aos cheiros e, além disso, a dor que lhe apunhalava o ventre eliminava toda a sensibilidade às sensações exteriores. Apenas desejava que a dor parasse; desejava pôr termo o mais rapidamente possível a este repugnante parto. Era o seu quinto. Todos os outros se haviam verificado atrás desta banca de peixe e sempre se tratara de natimortos, ou quase, porque a carne sanguinolenta que dela se escapava não se diferençava grandemente das miudezas de peixe que juncavam o solo, e também não possuía, além disso, muito tempo de vida.

À noite, tudo era varrido a trouxe-mouxe e levado nas carroças, em direção ao cemitério ou ao rio. Era o que deveria passar-se, uma vez mais, naquele dia e a mãe de Grenouille, que ainda era jovem, vinte e cinco anos feitos, que ainda era bonita, que conservava quase todos os dentes e tinha ainda cabelos e que, independentemente da gota, da sífilis, e de uma leve tuberculose não sofria de qualquer doença grave, que esperava viver ainda muito tempo, talvez cinco ou dez anos, e talvez até mesmo casar um dia e ter verdadeiros filhos na qualidade de respeitável esposa de um artesão viúvo (por exemplo). A mãe de Grenouille desejava que tudo já tivesse acabado. E quando as dores de parto se fixaram, agachou-se, deu à luz debaixo da sua banca de peixe, tal como das vezes anteriores, e cortou com a faca de peixe o cordão umbilical do recém-nascido”.

Lembrei-me do banheiro da rodoviária de Bom Jesus do Norte (o da outra Bom Jesus chegava a ser pior, não sei hoje), e também de já ter estrilado aqui mesmo nas páginas da Status sobre a fedentina, o furdunço que de lá emana para léguas distantes. Unteressante é que dois, três anos atrás, o toilette foi reformado, colocaram novos revestimentos nas paredes e no piso, mictório inoxidável, uma beleza. Pensei: agora vão manter limpinho e cheiroso. Ledo engano! O vaso sanitário e a cuba inox estão impregnados daquela velha e sórdida resina esverdeada metida a besta, que quer porque quer se comparar às pedras sanitárias, mas com efeito contrário. As pedras vão perdendo o viço à medida que são usadas; mas a resina, quanto mais se usam o mictório e a privada, mais se encorpa, ganha robustez e odor abomináveis.

Bem verdade que ela não é tão valente a ponto de encarar uma esponja de aço de 1001 utilidades, mas em verdade vos digo que ela está livre da esponja por séculos e séculos, amém.

Publicado em março/2009

A doença do Hospital São Vicente de Paulo chama-se falta de consciência

Beira as raias da incredulidade o pouco caso, a desconsideração com que autoridades públicas e parcela considerável da sociedade distinguem o Hospital São Vicente de Paulo, entidade que há 85 anos vem atendendo o bom-jesuense e habitantes de municípios adjacentes ou remotos nos momentos cruciais e dolorosos da vida. Identidade laica mais expressiva do lugar, o HSVP caminha atualmente trôpego em direção a um futuro incerto e não sabido, amparando sabe-se lá com que reservas de forças os milhares de usuários que pouco percebem quão grave é a sua situação operativa.

A entidade padece pelos efeitos dos males comuns, ao que parece, à maioria dos bom-jesuenses: roubalheira, apatia, desinteresse, indiferença em relação a seus bens de uso coletivo e a tudo o mais que referenciem a coletividade. Esse estado de espírito é certamente um dos principais fatores da brutal incapacidade de Bom Jesus do Itabapoana competir com outras cidades do seu porte em progresso material e intelectual desde tempos imemoriais. A inépcia política, doença insidiosa e crônica, é outra praga que tem atormentado Bom Jesus de tal forma que a mantém subjugada nas trevas da estagnação e da falta de perspectivas durante décadas a fio. A geração que cresceu sob os auspícios da vizinha Itaperuna a lhe suprir as mais variadas carências vai morrendo sem ver mudar esse quadro desairoso, que beira o ridículo e já flerta com o inaceitável.

Bom Jesus ainda é incapaz de realizar provas de trânsito, de conferir um diploma universitário em áreas pouco mais complexas, de arbitrar simples demandas judiciais de seus cidadãos, como as trabalhistas e as de defesa do consumidor. Desde a invenção da roda, os munícipes daqui procuram alhures as peças de reposição para suas máquinas. A especificidade e sofisticação da peça fugiram um pouco ao padrão convencional? Só em Itaperuna. Comprou um eletrodoméstico e precisa de assistência técnica? Só em Itaperuna, como no caso de uma prosaica geladeira, da não menos prosaica marca Cônsul. Isso em pleno século 21, quando médicos já realizam complicadas intervenções cirúrgicas à distância, via internet.

É de pasmar essa modorra, esse comodismo! Assim é com a saúde. O HSVP definha a olhos vistos. A cada dia levas e levas de doentes procuram tratamento em Itaperuna e em outros municípios. E ninguém levanta a voz em defesa do HSVP, senão de forma vaga, inconsistente, no mais das vezes denotando a odiosa demagogia velha de guerra. Desde os idos de 2000, quando o então deputado federal Paulo Feijó conseguiu o anexo da instituição, muita gente deslumbrada, aprisionada nos grilhões da vaidade, da fatuidade e da ganância de poder só se aproveitou do hospital. Quando menos, para os seus 15 minutos de fama.

Ninguém desconhece que a Saúde no Brasil, de modo geral, leva os analistas a pronunciarem o desgastado trocadilho “está na UTI”. Mas isso não significa que também por aqui ela tem de estar necessariamente à beira da morte. Essa seria (ou é) a bucéfala resignação dos incompetentes, a desculpa puída dos preguiçosos, o álibi providencial para os ladrões do dinheiro público. Para os honestos de propósitos, um desafio que a levará a competir entre as melhores.

A população precisa acordar. Cada homem e cada mulher deve lutar em prol do hospital, que será uma luta em prol de si mesmos. Como? Manifestando enfaticamente seu repúdio contra o atual estado de coisas, cobrando, pressionando, fazendo barulho, destituindo com a força de sua cidadania a gente ruim que atormenta e escarnece do HSVP. Uma sociedade que se permite uma praça folheada a ouro e seu hospital à beira do colapso demonstra baixo nível de consciência coletiva, o que é ótimo para os oportunistas e os exploradores. Estes, quando ficam doentes, utilizam-se de renomados estabelecimentos referenciais em saúde, pagos, indiretamente, justo por aqueles que morrem à míngua sem atendimento médico de qualidade.

Publicado em setembro/2010

Farrapo Humano. Bebida alcoólica entre crianças e adolescentes é um tormento para eles e mais um punhado de gente que gravita em sua órbita

Quem transita na passarela que une os bairros Lia Márcia, em Bom Jesus do Itabapoana, e Silvana, em Bom Jesus do Norte, pode verificar uma norma que “pegou”: ciclistas e motociclistas, salvo um ou outro mais mal-educado atravessam o rio empurrando seus veículos, mesmo agora que é raro encontrar um policial na cabine do lado fluminense (no capixaba, nem cabine existe). Outra lei que também “pegou” foi a da obrigatoriedade do uso de capacete pelos motociclistas.

No entanto, a que limita o tempo em que se fica nas filas dos bancos, e a que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores…, estas…, nem que ainda haja juízes em Berlim! O consumo de bebidas alcoólicas pelos brasileiros atinge proporções de drama. Um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que o consumo de álcool no país aumentou 154% entre 1961 e 2000, e estudos mais recentes apontam tendência de alta. Mas o drama maior, que beira o desespero está no consumo entre a juventude brasileira. Uma pesquisa do Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) aponta que o consumo regular de bebidas é mais frequente entre adolescentes de 14 e 15 anos de idade. Isto ajuda a entender por que o Brasil se coloca entre os países com as mais altas taxas de homicídios e acidentes de trânsito do mundo!

Seria pretensioso de minha parte tentar me aprofundar nas causas deste comportamento, mais ainda se acreditasse na capacidade de fazê-lo com competência. Mas a inteira liberdade que o jovem tem de comprar e consumir bebidas alcoólicas, com certeza é uma delas. E mais: o garoto e a garota são estimulados por maciças campanhas publicitárias e até mesmo induzidos ao uso por parte dos adultos, inclusive no seio familiar. Em qualquer lugar em que haja jovens reunidos, em especial à noite, vê-se a orgia do álcool, que nos reclames é símbolo de charme, elegância, inteligência e sucesso.

Nas festas, como a última de Bom Jesus do Norte, a antologia das garrafas de mãos em mãos adolescentes é algo que deprime, entristece e angustia. Afinal, o futuro do país está nas mãos e nos neurônios dessa turma. Eventos temáticos nos quais a danosa substância é a vedete pululam por aí: Festa da lata, Noite do vinho, Festival do chop, etc, substituíram o apelo artístico, cultural, pelo etílico. Quero dizer, o jovem já nem vai àquela festa tanto por atração ao seu artista preferido, mas sobretudo para ficar bêbado.

As barracas exclusivas de bebidas proliferam como coelhos, e algumas se esmeram tanto na cada vez mais lucrativa atividade que até sites na internet se dão ao luxo de ter, como uma que se instalou na recente Festa de Bom Jesus do Norte. No cardápio desta, “delícias” como Capetão, Trifásico, Flamejante, Parafuso e outras sandices eram ostensivamente oferecidas.

“O alcool compromete seriamente o funcionamento do cérebro, as lesões são crônicas e o estrago é tanto maior quanto mais cedo se tenha adquirido o hábito de beber”, diz matéria da Revista Galileu, da Editora Globo, n° 107. E aponta que 50% dos acidentes automobilísticos fatais, 50% dos homicídios, 30% dos estupros, 25% dos suicídios e mais de 60% de casos de violência contra crianças são relacionados a bebida, além de alta incidência de hemorragias digestivas e traumas cranioencefálicos por quedas e acidentes domiciliares. A desagregação familiar, a procura por drogas ilícitas a partir da bebida alcoólica, as desavenças e as brigas em casa ou na rua, os comportamentos de risco como fazer sexo sem preservativos, desempenho sofrível na escola e tantas e tantas amarguras para si e para os outros seriam evitados se não houvesse o álcool a interceptar o caminho dos nossos meninos e meninas.

É proibido vender bebida alcoólica a menores; dá cadeia. A fiscalização tem de fazer o seu papel, que já será um passo para atenuar esta calamidade com cara de tragédia.

Publicado em maio/2007

Vergonha! As cidades de Bom Jesus sofrem pela desorganização urbana, descaso estético, pusilanimidade dos poderes públicos

É de doer nos olhos e na alma o visual dos logradouros das Bom Jesus (do Itabapoana/RJ e do Norte/ES), especialmente na periferia das cidades. Calçadas na plenitude de seu dever de ofício são casuais. Não raro viraram objeto de usufrutos particulares diversos, notadamente depósito de material de construção e até extensões dos mais variados ramos de negócios. Pessoas abandonam seus refugos nas ruas, nas praças, em qualquer lugar público sem o menor constrangimento. Entulho de obras, lixo, móveis e utensílios descartados são depositados a qualquer hora, em qualquer lugar, mesmo que o caminhão de recolha tenha passado alguns minutos antes. É um comportamento bizarro, incrivelmente banalizado, tal como as sórdidas bacias de excrementos de seus senhores que os escravos do Brasil Colônia despejavam em qualquer lugar pouco mais longe dos palácios, ou os penicos plebeus esvaziados diretamente das janelas de seus usuários, mal comparando.

A agonia estética e higiênica, de civilidade mesmo, em Bom Jesus, parece não sensibilizar suas autoridades. Não apenas as do Poder Executivo, e até com mais ênfase, como deveria, às do Legislativo, que têm o dever de legislar, fiscalizar e cobrar. Lamentavelmente, entretanto, ninguém move uma palha para tentar mudar os conceitos, não se ouve uma voz estridente, ninguém vislumbra que maciças campanhas de conscientização e advertência sejam necessárias. Todos parecem estar em estado de apatia, letárgicos, impassíveis a contemplar o visual e até o futuro das cidades rolando aparvalhados feito troncos de enchente. É a inação completa, coletiva, talvez com a vã esperança de que surja uma solução mágica que, mantendo intocadas a indulgência e a acracia, transforme Bom Jesus em cidades modernas, organizadas, atraentes. A quadratura do círculo!

Pela força da vontade o homem visitou a Lua seis vezes e está com um pé em Marte. A falta desta mesma vontade para outros fins edificantes é, por outro lado, uma de suas mazelas. No caso de Bom Jesus, une-se à penúria de dinheiro — embora muitas coisas básicas independam de recursos financeiros — e está pronto e acabado o cenário sombrio, desolador.

O arraigado ranço provinciano que mantém intocados usos e costumes de antanho reina soberano. Não se deve descontentar “eleitores” obrigando-os a desocupar os espaços públicos, exigir de muitos deles comportamentos civilizados quanto aos mais elementares deveres que devem ditar uma consciência sã. O cânone político daqui parece explicitar ser proibido contrariar interesses, mesmo que estes contrariem as boas normas de convivência agregada. Por exemplo: nenhum empresário, especialmente se for de alto coturno deve ser importunado se utilizar os logradouros como complemento de seus estabelecimentos. Ele dá emprego, gera renda, como se isso fosse salvo-conduto para desorganizar, emporcalhar, enfear e descaracterizar as cidades. Estas, que lhes facultam os lucros, nada têm em contrapartida senão a feiura, a sujeira e a desconsideração.

Enfim, os velhos cacoetes incoerentes com os novos tempos só podem ser banidos com idealismo, inteligência, coragem, independência, desassombro, honestidade de propósitos, pragmatismo e aversão à hipocrisia e à demagogia.

Quem se habilita?

Publicado em abril/2007

Contatos nada imediatos

Cabo Canaveral, Florida, Estados Unidos. Um brinquedinho que, para os padrões da Nasa dizem ter sido de baixo custo, mas que seguramente atingiu a cifra de milhões, decola com destino a Marte. Pathfinder, o robozinho simpático (foto), leva consigo as esperanças dos que almejam decifrar o enigma do universo e colher subsídios que possam lhes satisfazer a eterna curiosidade: há outros mundos habitáveis e/ou habitados?

Minha opinião é que não teremos tão cedo esta certeza, baseada na teoria de que ainda não estamos preparados para um acontecimento dessa dimensão. E a razão é apenas uma: não detemos o conhecimento total a respeito de todos os nossos problemas, ainda não aprendemos tudo sobre nós próprios, mergulhados em dúvidas e incertezas a respeito de nossa própria espécie. Então, como poderíamos entender e aceitar possíveis vizinhos intergaláticos?

Bem verdade que evoluímos muito, erradicamos alguns males que nos afligiam e consideramos ter atingido alto grau de conhecimento. Mas isso sob nossa ótica, sob o nosso ponto de vista. Quem sabe, para “eles”, ainda somos iniciantes? Ou quem sabe a arrogância dos humanos os levem a suspeitar de nossas reais intenções ao procurá-los, e por isso não dão as caras? Como poderiam entender um ser que concebe e gasta fortunas num brinquedinho operado por controle remoto, mas ao mesmo tempo permite que seu semelhante sucumba por inanição? Corno poderiam compreender a ambiguidade da criação de mecanismos que salvam e que matam? E a complexidade dos sentimentos terrenos, onde amor e ódio, solidariedade e egoísmo não encontram barreiras a separá-los?

Nossa maior dificuldade em mantermos contato deve ser exatamente esta. Se os ET’s são mais evoluídos que nós, deixar-nos-ão a sós como parte de uma ética que as espécies inteligentes têm, que é a de respeitar o próprio desenvolvimento dos demais até o ponto em que haja uma perfeita harmonia evolutiva que permita eventuais intercâmbios. E certamente os terráqueos estão longe de atingir o ponto de convergência com seres evoluídos. Quem sabe isso ocorra no momento em que pudermos, ou desejarmos, parar de destruir paulatinamente o nosso próprio Planeta? Ou quando pararmos de nos digladiar pelas vias de fato ou através dos nossos pensamentos? Ou quando atingirmos um estágio avançado de dignidade que nos permita repudiar com veemência as razões, os porquês a civilização tem de conviver com guerras, massacres, toda a sorte de tragédias promovidas por ela própria.

Resta-nos ainda muito por fazer. Precisamos descobrir a razão de certas incoerências, como por exemplo termos capacidade de ir a Marte, mas não a de descobrirmos a cura para muitas de nossas enfermidades, nem mesmo para uma prosaica gripe; se conseguimos criar mecanismos para a destruição da Terra, nosso próprio habitat, umas cem vezes, como não podemos exterminar reles insetos? Inventamos parafernálias que permitem falar com nossos semelhantes a milhares de quilômetros de distância, ao vivo e em cores, mas não descobrimos ainda uma maneira ideal de diálogo. Reproduzimo-nos de todas as formas, naturais ou artificiais, mas não encontramos uma fórmula eficiente que dê suporte à vida.

Tudo isso, talvez, tenha sido analisado para se traçar o perfil de um terrestre. E havemos de concordar que essa pode ser a razão pela qual adiam uma visita ou não formam um comitê de recepção. E bem provável, até, que o ET ‘s, em suas rusgas eventuais, desfiram o seguinte impropério uns aos outros: — Vá para a Terra!

Publicado em agosto/1997