Aqui eu guardo meus escritos.

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ABC Capixaba precisa de união

Neste momento em que os candidatos a prefeitos em Apiacá, Bom Jesus do Norte e São José do Calçado aquecem as turbinas para o início da campanha, uma coisa não pode passar despercebida: a necessidade de união em prol do objetivo único de desenvolvimento da região. Cada qual vai (e deve) se ater especificamente aos problemas dos seus próprios municípios, é claro, indicando formas e proposições para saná-los, mas deveriam ter sempre em vista que governar vai além do exercício do advérbio “aqui”, pois a visão macrorregional tem de ser finalmente levada em conta sob pena de verem aprofundados o descaso e o esquecimento por parte das autoridades estaduais e federais aos seus respectivos municípios.

Há que se fazer como as aves migratórias, que cruzam vastidões de distância utilizando um inteligente mecanismo para resistir à difícil empreitada. Voando numa engenhosa formação instintiva, em V, a ave da frente recebe a maior resistência do ar, minimizando o esforço das que vêm imediatamente atrás, e assim sucessivamente, em sistema de rodizio quando a primeira se cansa. Assim também devem agir os políticos da microrregião, isto é, unirem-se para poder se manterem com força redobrada no ar rarefeito especialmente de Vitória, a capital, que só tem olhos de ver que o Sul do estado termina em Cachoeiro de Itapemirim. Essa miopia só terá cura se houver maior robustez da representatividade do ABC, porquanto nove mil habitantes são vistos de uma forma pelos governantes; 30 mil, de outra.

O inconformismo com esse estado de coisas precisa encontrar ressonância junto a todos, e mais que isso, ser contemplada com formas objetivas de chegarem não somente aos ouvidos das autoridades superiores, mas que sejam engendradas de modo a sensibilizá-los sinceramente. Isso só será conseguido se houver desprendimento individual e capacidade de formulação da tríplice aliança, com cada representante demonstrando capacidade de governar aglutinando todas as tendências ideológicas e partidárias.

Relativamente ao pleito especifico de cada município, é evidente que os candidatos devem ter programas bem definidos, propostas viáveis, consoantes com os interesses e as necessidades da população. Os concursos públicos realizados nos três foram conquistas notáveis, que vieram conferir modernidade a uma política até então provinciana, no sentido mais pejorativo do termo. Promessas de emprego em troca de votos foram minimizadas. Resta a exposição de projetos claros, exequíveis e transparentes, já que os debates políticos acontecerão para uma verdadeira demonstração de programas de governo e de aceitação popular.

Engana-se quem pensar que sairá vitorioso em virtude dos aplausos de claquetes de aluguel ou de compras de votos com pagamento feito com uma dentadura, uma telha Eternit ou uma cervejinha no boteco da esquina. O eleitor está amadurecido e mais consciente de sua responsabilidade em gerir seu próprio destino. Ele vai referendar a melhor proposta, a que se lhe afigurar mais consistente e honesta e depois cobrar os resultados.

Publicado em maio/2004

Caminhada sem volta

Joãozinho

Quando eu voltava da costumeira caminhada, em 05/03 passado, ao lado do meu amigo Joãozinho, fomos vítimas de um atropelamento — fatal para ele. Estar no cerne de uma tragédia, passar raspando e sentir o hálito gélido da morte, contemplar um amigo jovem, de quem há alguns segundos você ouviu suas últimas palavras, ali, estirado sem vida, com o olhar esbugalhado pelo assombro e perplexidade é motivo mais que suficiente para reavaliar os conceitos em relação à vida. Só aí você percebe mais exatamente a dimensão da fragilidade e insignificância em relação a tudo o que o cerca, desencadeando um fenômeno psíquico positivo, que é passar a valorizar mais e a aprimorar os sentimentos fraternos, ao mesmo tempo em que procura obliterar os menos nobres. Surpreende-se descobrindo novas e maiores nuances da natureza e desejando interagir de forma mais harmoniosa com ela. Enfim, dissipa-se o elemento que tolda sua sensibilidade e você fica mais humano.

Gostaria de dizer ainda aos adeptos do mais saudável dos exercícios físicos — a caminhada — que a pratiquem em local seguro. É incoerente que se arrisque a vida tentando justamente melhorar sua qualidade. Por fim, não me compete julgar os outros, nem estou aqui para isso, mas entendo que o mais correto quando se fere alguém é prestar o socorro de imediato, sem hesitação. Você pode salvar uma vida, atenua seu comprometimento com a lei, e o que é mais importante: fica em paz com a consciência.

Tudo o que o atropelador não fez!

Publicado em abril/1999

Pit Bull morde; poder público, assopra

É difícil tocar de modo imparcial num tema tão comovente como o da menina de cinco anos que foi atacada gravemente por um cão Pit Bull na calçada de sua casa, em Bom Jesus do Itabapoana. Só quem não é pai nem mãe, como boa parte dos proprietários desses animais pode, embora não devesse deixar de aferir na plenitude o que significa a dor de sentir as dores físicas e psicológicas de um filho, principalmente na idade da inocência, sem nenhuma possibilidade de se defender contra um gigante de tamanha força, ferocidade e proporção.

O brasileiro adora cachorros. Segundo pesquisas, existe hoje no país um animal para cada cinco habitantes (o dobro recomendado pela Organização Mundial de Saúde). E isso não seria um problema se, hoje em dia, não tivesse mudado o perfil dos donos de cachorros. Antigamente se procuravam cães para companhia, para guarda ou até mesmo para exibição. Hoje aumentou a proporção da procura de cães considerados de instinto bravio, como Rottweiler, Pit Bull, Dobermann, Fila Brasileiro, Mastim Napolitano, Bull Terrier, entre outros. E o lamentável é que parte dos que procuram essas raças o fazem por puro exibicionismo, para demonstrarem força e poder, para aduzirem das feras a aura da valentia que não possuem, o antídoto para a própria insegurança de caráter. O resultado? Mais de 1.000 ataques de cães registrados diariamente no Brasil, segundo as mesmas pesquisas.

O Pit Bull é considerado por muitos o melhor cão de combate, capaz de vencer oponentes duas ou até três vezes maiores. Sobressai-se pela coragem, agressividade, vigor, robustez, agilidade, incansável persistência, habilidade para lutar e morder, grande resistência física, tolerância à dor e enorme capacidade de recuperação dos ferimentos. Por isso é considerado um cão assassino, desenvolvido ao longo do tempo para se tornar imbatível em lutas contra outros cães. E muito embora não se possa acusá-lo de predador humano, um “defeito” no próprio instinto influenciado talvez por essa manipulação humana (por natureza, os animais só atacam quando estão com fome ou quando se sentem ameaçados) o levam, infelizmente, de forma sinistramente progressiva a agredir as pessoas, muitas vezes seus próprios tutores. Segundo especialistas, o Pit Bull, quando ouve barulho, algazarra de crianças, ruídos que não está acostumado, ele interpreta como situações hostis, tal como numa rinha de briga. Daí atacar indiscriminadamente.

Pesquisei na Internet e transmito algumas informações científicas. Por exemplo, quando este animal morde ele trava a mandíbula, e nem o dono consegue soltar a vítima porque ele é um cão branquiocefálico (cabeça curta e larga), que tem o masseter (músculo de mastigação que movimenta a mandíbula) curto, e no desenvolver de uma mordedura rápida e com violência entra em tetania (troca de ions muito rápida), o que faz com que a mandíbula trave e não abra, fato que, ao contrário do que pensam alguns, é totalmente involuntário, inerente à natureza da raça.

O caso da menina bom-jesuense tem a agravante de o cão ter escapado de sua própria casa, sinal de que não havia o cuidado e a segurança necessários na guarda do cachorro, que pode ser considerado uma arma perigosa e, às vezes, letal. A negligência encontra, todavia, o beneplácito, a brandura da lei brasileira. Na França, quem tem um cão de raça agressiva é obrigado a registrá-lo e pagar uma apólice de seguro para cobrir eventuais danos; em diversos estados alemães só pode possuir um cachorro perigoso quem tem mais de 18 anos e nenhuma passagem na polícia; na maioria dos estados americanos quem decide criar um cão pela primeira vez não pode comprar animais como os Rottweiler, Dobermann ou Pit-Bull, ao contrário do que ocorre no Brasil. Lá, para adquiri-los, é necessário ser maior de idade e passar por cursos de treinamento. Só depois as autoridades concedem o registro do cão. Assim, percebe-se claramente o deslocamento do eixo de responsabilidade do animal para o seu proprietário, o que parece muito mais racional e eficaz no combate às agressões.

É preciso que o Brasil promova uma legislação dura com relação aos donos dos animais, para dar conta das situações em que estes efetivamente causem lesões a outras pessoas. Nos Estados Unidos, se um cão mata, o dono é preso e condenado a até 12 anos de cadeia, o mesmo acontecendo na Inglaterra e em outros países europeus. Em nosso país, é diferente. Em tese, o dono do cão assassino pode até ser condenado por homicídio culposo, mas isso é raro, e são também raríssimos os casos em que o dono do animal é condenado a indenizar os danos materiais (despesas com atendimento médico) e morais (a dor, o medo, os problemas psicológicos) sofridos pelas vítimas.

Nossos vereadores, por outro lado, podem e têm autonomia para criar leis e códigos municipais. Não precisam se envergonhar em propiciar dispositivos avançados em cidades interioranas como as nossas. Que tal se todos os cães bom-jesuenses, apiacaenses e calçadenses, de raças consideradas violentas ou com peso superior a 20 quilos tivessem de usar coleira, guia e focinheira em seus passeios pelas praças e ruas das cidades? Que tal se os condutores tivessem de portar pazinhas e sacos plásticos para limpar a imundície nos logradouros públicos? E se esses grandalhões só pudessem ser criados em casas com muros altos, devidamente registrados e seus proprietários notificados oficialmente de suas responsabilidades?

E o Poder Judiciário, que tal fazer cumprir a lei sem condescendência? No caso da menininha bom-jesuense, descaso e negligência, que aliados à omissão do Estado punitivo nos leva a temermos, a ficarmos constantemente sobressaltados pelo destino de outras crianças.

Publicado em novembro/2004

Trânsito, transigência e transgressões; ou, em Bom Jesus, agarre também sua vaga particular antes que um aventureiro o faça

Nas proximidades do Supermercado 5 Irmãos, em Bom Jesus/ES, insistem deixar como mão-dupla um trecho que na largura mal comporta um ônibus. Acontece que os ônibus teimam passar por ali, e quando se deparam com um caminhão em sentido inverso ficam como brutamontes em comercial de luta-livre, um olhando com cara de mau para o outro sem arredarem pé. O busilis ali é de causar vergonha pela mentalidade retrógrada, pela inércia e incompetência do poder público nesta e noutras gestões. Não só veículos grandes se incompatibilizam. A fim de complementar o quadro caótico, o retoque na estética do absurdo, veículos grandes e pequenos estacionam a qualquer hora ao longo da via. Os burocratas parecem apostar que um dia os veículos terrestres serão equipados com asas.

Demarcação de vagas ao bel-prezer

Certa parcela do comércio que produz riqueza, gera divisas e dá emprego traz também o efeito colateral da arbitrariedade, principalmente alguns mais importantes como supermercados e lojas de eletrodomésticos. Cones exasperantes demarcam vagas para uso particular em local público. É o que mais irrita porque sugerem transigência com o poder fiscalizador. Tal e qual o entulho repressor da república dos generais, que demarcava imediações de bancos como área de segurança (alguém pode dizer para quê?), alguns comerciantes avocaram unilateralmente e conquistaram na marra o mesmo “direito”. Alguns desses ignoram solenemente não apenas o Código de Posturas Municipais, mas inclusive a prerrogativa do ir e vir das pessoas, usando as calçadas como extensão de seus negócios.

Querem vagas para os clientes? Comprem imóveis e as construam, espertalhões! A petulância de alguns pela certeza da impunidade e ausência de autoridade gera situações surrealistas e tonifica o desagradável clima de provincianismo e de atraso. Ruas de tráfego intenso são transformadas em canteiros de obras em pleno horário comercial; caixotes, variantes horrorosas dos cones garantem vaga de estacionamento particular em frente a alguns pequenos estabelecimentos; engradados tomam conta de calçadas; veículos de duas ou quatro rodas, idem.

Sinhô dotô

Curioso observar como proliferam as placas de “carga e descarga”, onde não se pode parar de jeito nenhum, e as menos radicais que fornecem fiapo de generosidade ao permitir parada por 10 minutos. Estou encafifado como controlam o tempo. Qualquer dia vou parar 11 minutos e ver o que acontece. Depois, 15, 20, até um dia inteiro. Como procuro não desrespeitar as leis e os regulamentos, só estacionarei sob as plaquinhas marotas, ilegítimas aos escaninhos do órgão de trânsito.

Vaga especial para juiz, promotor, vereador, prefeito, etc, por quê? Todos não são iguais perante a lei? Que cada um enfrente os mesmos percalços para encontrar a santa vaguinha de cada dia, ora essa. Será que nunca nos livraremos do ranço patriarcal do “sinhô dotô é qui manda?”

Publicado em julho/2010

Santa Zilda Arns

Tudo o quer tinha de ser falado da médica pediatra e sanitarista Dra. Zilda Arns Neumann já foi falado. Eu mesmo fiz um texto certa vez  expressando minha profunda admiração por ela. Mas não poderia deixar de acrescentar algo mais, tentando com minhas limitações manifestar a dor que me vai no coração pelo passamento de tão nobre ser humano, vitimada pelo terremoto no Haiti num momento em que a Dra. Zilda praticava seu mister de proporcionar algum alento aos que sofrem.

Quem nunca brincou com o velho e bastante desgastado dito de que gente ruim não morre? Foi a primeira coisa que lembrei ao associar os escândalos políticos da hora, aquele do governo distrital de Brasília com o terremoto no Haiti. Enquanto essa gente entope meias e cuecas com dinheiro, boladas e mais boladas ilimitadas, Dona Zilda levava às crianças alimento para o corpo e a mente, transformando sua Pastoral na mais bem-sucedida instituição humanitária de que se tem notícia. Sem medo de soar chinfrim, sem receio dos clichês, enquanto ela alimentava as criancinhas, eles as matam de fome, entendendo essa fome das mais variadas maneiras: fome de saúde, de educação, de moradia decente, de melhores condições de vida, de dignidade, enfim.

E de fome mesmo, já que as esmolas oficiais nem sempre chegam para todos — as meias e as cuecas precisam estar sempre abastecidas para o caviar de cada dia, ora essa — A Dra. Zilda, vale lembrar, não cuidava apenas de gente nova em sua Pastoral da Criança que atende quase dois milhões de famílias em 4.500 municípios brasileiros — em 50.000 comunidades — com um exército de aproximadamente 300 mil voluntários (90% mulheres). Desde 2004 ela coordenava também a Pastoral da Pessoa Idosa, onde cerca de 50 mil anciãos recebem atendimentos variados. E tudo isso gastando pouco, aproveitando sobras de alimentos (a sua multimistura, uma farinha riquíssima em nutrientes, produzida com sobras de alimentos salvou milhares e milhares de vidas), orientando quanto a maneiras de prevenir doenças, de controlá-las, incentivando o uso do leite materno, do soro caseiro, realizando exames, pesagens, pedindo e organizando doações.

Tem coisas na religião que a gente não entende, fica na conta do mistério que é o elemento que faz manter a fé nos que creem. Porque é difícil compreender como um Deus justo, onipotente e amoroso leva para si de forma relativamente precoce uma alma dessa natureza, justo no momento em que ela ocupava um lugar numa das sucursais da Casa do Senhor, onde emprestava sua voz meiga e caridosa com o intento de minorar o sofrimento lancinante do povo haitiano, paupérrimo, oprimido, humilhado, carente de tudo, à mercê de lideranças políticas violentas e corruptas.

Sou agnóstico, mas falo em nome dos crentes: se Deus a chamou é porque quer torná-la santa imediatamente. O que, para mim, nem é preciso oficializar. Ela já é a minha nova devoção, independentemente se não professo a fé no modo convencional. E a evoco nos momentos em que a rudeza da vida insiste em querer me tornar insensível, egoísta, arrogante. Santa Zilda, velai pelos sobreviventes no Haiti, que a esta altura muitos devem se questionar se realmente foi por sorte terem se mantido vivos. Rogai por todos nós.

Publicado em fevereiro/2010