Uma das atrações da Festa de Bom Jesus do Norte realizada em fins de abril foi a exposição de veículos antigos, que despertou admiração em contemplantes de todas as idades. Os aficionados se deleitaram com raridades como o Ford 1928, Chevrolet Bel Air 1955 e Impala 1963; Pick-ups Ford 1960 e Chevrolet 1948; Ford Maverick, Rural Willys, Karman Ghia, Jeeps e, claro, Fuscas. Um dos Fuscas roubou a cena: todo cor-de-rosa, exuberantemente pink, inclusive as rodas, o veiculo ano 1972, dos supermercados MR (que seria sorteado dias depois entre os clientes) atraía gente de todas as idades, em especial as crianças. Câmeras digitais em profusão eram direcionadas a ele a todo instante.
Ford 1928
O bom-jesuense-do-norte, Jorge Jabor, proprietário da Pick-up Chevrolet verde, com para-lamas pretos, ano 1948, disse que seu falecido pai a adquiriu em 31/3/1964: “Eu cresci dentro dela e me apaixonei por ela”, declara Jabor, que é associado ao clube de veículos antigos Rio/Minas: “gasto muito com esta paixão. De janeiro para cá foram R$ 5 mil”, acrescenta Jabor, que afirma ter recusado uma oferta de R$ 40 mil pelo seu xodó.
Dinheiro é o que menos conta, pois segundo os proprietários dos carros, paixão não tem preço. É o que pensa o campista Luiz Claudio Barbosa Rangel, dono de um Ford Maverick laranja, com detalhes em preto, ano 1974: “peguei-o totalmente desmanchado e o reformei todinho, com a pintura planejada por mim mesmo. A forração é em couro bordado com a marca Maverick. Gastei R$ 12 mil”, explica.
Oito Jeeps vieram de Castelo/ES, e entre os jeepeiros, Jovino Rodrigues Filho, presidente do Jeep Clube de Castelo. Ele explica que além da satisfação com o esporte (passeio e trilhas regularmente realizados) o clube tem também uma função social, filantrópica, como arrecadação de alimentos em eventos que promove. “Quando chove os participantes unem o útil ao agradável. A gente reúne o pessoal, escolhe um lugar e a adrenalina corre solta. Quando há problemas de cheias, de enchentes, a gente vai nos lugares mais remotos onde veículos comuns não chegam para resgatar as pessoas”, conta Jovino.
O resultado do affair “cassação do prefeito de Bom Jesus/RJ Miguel Motta”, que se mantém incólume no cargo não surpreendeu. Aliás, deve-se ressaltar a coerência dos vereadores que votaram em seu favor, porque sempre estiveram ao lado do governo (exceto Bill Carlos Manhães, um ex-oposicionista que só recentemente se converteu) e não fizeram como os ratos, os primeiros a abandonarem o navio assim que começa a fazer água.
À parte as discussões técnico/jurídicas sobre o relatório produzido pela Comissão Especial de Inquérito, relatada pelo vereador Samuel Júnior, pareceu que a oposição, ainda que em minoria, deu mole. A começar, entre outras atitudes típicas do mais ingênuo amadorismo, por uma certa ansiedade, um açodamento em produzir fatos que justamente pelo pouco tempo de investigação não se mostraram com a consistência necessária para produzirem um desfecho radical como a cassação.
Nunca se viu no Brasil uma investigação em nível parlamentar que tenha começado praticamente em dezembro (um mês não muito propício a trabalho), e já no começo de março, ainda com a ressaca do recesso, desponte rijo como o cano de um rifle presumindo credibilidade de mira capaz de tamanha carnificina!
Luma Grazieli, aos 8. No detalhe, as consequências do acidente
Ela era alegre, perfeitamente igual a toda criança saudável de sua idade; brincava, estudava, vivia a curta existência na gostosa fantasia das crianças e dos pré-adolescentes, para quem o mundo não passa de um gigantesco parque de diversões. Até que desígnios superiores interromperam de maneira cruel essa trajetória de encantamento e deliciosas descobertas que a menina ia conhecendo pouco a pouco, ora nos tenros nove anos de idade (nascida em 11/7/96). A fatalidade de um acidente de carro, quando Luma Grazieli voltava da visita que fizera à avó, em Itaperuna, juntamente com os pais Luciano Machado, 40 e Helena, 49, mais o amigo Antônio Félix, 46 — que conduzia o automóvel e morreu instantaneamente — em junho do ano passado, lhe impôs a triste sina da paraplegia, com a agravante, é duro dizer, de lhe ter preservado parte da consciência.
Observa-se que a criança compreende a nova e brutal realidade, e o terrível conflito certamente travado seu íntimo, a desesperadora luta entre a mente que ordena e o corpo que não obedece ao desfrute de um mundo até bem pouco tempo repleto de atrativos e doces perspectivas, é de dilacerar os corações! Não por acaso este jornalista, que a tarimba natural de avançados anos de profissão lhe desautoriza intensos envolvimentos emocionais com os fatos que retrata, não saiu incólume do caudal de aflições que passou a jorrar em cascatas naquela casa 455 da Rua Carlos Firmo, antes tão alegre e descontraída graças principalmente à expansividade de Luma. Lágrimas teimosas e embargos na garganta dificultavam a tarefa de escrever.
Apego
Lágrimas, aliás, são os elementos que não mais abandonaram Luciano e Helena desde o infausto dia. Em permanente estarrecimento, num pesadelo que provavelmente os acompanhará por toda a existência, estes pais choram convulsivamente dia e noite. Luciano conta que a menina era muito apegada a ele. “Onde eu ia ela queria ir junto. Às vezes tinha de dribrá-la mas, muito esperta, Luma descobria o engodo rapidamente.” Este agora doloroso apego continua. “A Luma só aceita a mim para dar água e comida. Recusa ser alimentada mesmo pela mãe. Precisando trabalhar, até consegui uma pessoa, na esperança de que pudesse me substituir, enquanto procurava ocupação. Mas quando eu chegava, me falavam: ´a Luma não quis comer nada.´ Aí eu tomava um banho e dizia: ´deixa comigo´. Pegava a sopinha e só então a menina aceitava”, explicou Luciano. E desabou: “sinto tanta falta dela”, mas em seguida se corrige, balbuciando entre soluços incontroláveis: “mas ela está aqui comigo. Isso é o que importa, seja como for.” A mãe acrescentou: “só ele põe comida na boquinha dela. Se ele falar para ela que vai ali e já volta, ela começa a chorar”, contou Helena, igualmente consternada.
Dor
Com perda de massa encefálica resultando uma cavidade tão profunda que obrigou os médicos a preenchê-la com uma bolsa d’água para remediar a estética do crânio, exatos três meses e 20 dias Luma passou internada no Hospital São José do Avahy, em Itaperuna. “Pai, sinto dizer, mas a Medicina não pode fazer nada mais por sua filha”, sentenciou o médico. Os pais, profundamente agradecidos pelo bom atendimento, pelo carinho e atenção dos profissionais, afirmaram não terem a menor dúvida de que os médicos fizeram todo o possível: “mas foi doloroso demais receber aquela notícia, está sendo muito difícil aceitar essa provação”, disse Luciano, apegando-se unicamente ao velho axioma do “enquanto há vida, há esperança”.
Essa esperança, derradeiro alento do casal além das emocionantes recordações da filha saudável, é agora o combustível de suas vidas. Já em casa procuraram o apoio da APAE, prontamente disponibilizado. Porém, percebendo o comportamento arredio da filha na instituição, entenderam que a repentina incapacitação da menina, diferente da maioria das demais crianças acabava por agravar seu estado emocional quando se juntava a estas, mais acostumadas e conformadas com suas respectivas diferenças. Daí resolveram prescindir ao menos temporariamente dos serviços reconhecidamente eficazes da APAE. “Minha filha ainda vive duas vidas. Em contato com as outras crianças, ela se enervava, chorava muito”, afirmou Luciano
Helena e Luciano junto à filha
Auxílio
O transtorno natural que fatos assim acarretariam a qualquer lar é particularmente devastador para Luciano e Helena. Desempregados (ela vendia roupas de porta em porta; ele exercia ofícios de pintor, pedreiro e assemelhados) e sem condições para conciliarem os cuidados exigidos pela condição da filha simultaneamente a qualquer atividade laboral, as carências se acumulam, em especial alimentação adequada e recursos para contas de água e luz. Até ordens de despejo da casa alugada eles receberam, só não concretizado porque uma pessoa caridosa quitara os débitos acumulados desde a tragédia. Cestas básicas foram doados por outras instituições, pessoas individuais ou em grupos, entre elas duas igrejas evangélicas, serventuários da Justiça, médicos, entre outras.
A prefeitura de Bom Jesus do Norte também foi acionada para fornecer os variados medicamentos, serviços de fisioterapia e outras necessidades, entre elas uma cadeira de rodas especial (custo em torno dos R$ 3 mil), bem como um aparelho ortopédico (aproximadamente R$ 600) cuja serventia é atuar como uma espécie de barreira contra a progressão da atrofia nos membros inferiores. Luciano diz que a cadeira será a nova vida de Luma. Adaptável às necessidades de postura da menina, prescritas pelos médicos e fisioterapeutas, Luma ganhará mobilidade e a chance de variar a cama tediosa, que só com muito cuidado não produz as dolorosas escaras.
Os pais, todavia, demonstraram à reportagem certa preocupação pelos trâmites burocráticos, certamente pela ânsia de quererem disponibilizar o melhor que puderem à filha no mais curto espaço de tempo possível, o que é perfeitamente compreensível. Qualquer pai e mãe desejariam o mesmo. A cadeira, segundo eles, tem de aguardar, pois a prefeitura alega muito gasto em dezembro com a folha de pessoal e outros compromissos. Mas segundo fontes da Secretaria de Ação Social, agora em fevereiro a menina receberá o equipamento, encomendado de uma empresa de Goiás.
Outro ponto controverso foi a questão dos medicamentos: os pais disseram estar comprando fiado na farmácia, mas a Secretaria de Saúde informa que vários medicamentos estão sendo fornecidos a eles pela farmácia básica. O Secretário de Saúde, Ademir Pimentel, disse que todos os medicamentos que a criança necessitar serão integralmente fornecidos. “Se eventualmente não tivermos algum em estoque, será imediatamente encomendado.” O secretário acrescentou que o aparelho ortopédico também será providenciado, bastando aos pais apresentarem a prescrição médica.
Fisioterapia é outra questão polêmica. Luciano manifestou preocupação quanto ao período de tempo que a filha recebe o tratamento pelo profissional do Programa Saúde da Família, serviço prestado em domicílio pela prefeitura. Ele explica que Luma fica aos cuidados do profissional cerca de 10, 15 minutos, o que para ele, pai, parece pouco tempo. Nesse aspecto, inclusive, uma outra profissional foi contratada por alguns servidores do Fórum, que vêm auxiliando a família. Esta profissional, por sua vez, no intuito de ajudar, aceitou a incumbência em troca de valor quase simbólico, mesmo assim revertido para os próprios pais da criança. O secretário de Saúde, no entanto, disse não ter conhecimento de qualquer problema envolvendo a Fisioterapia do Programa Saúde da Família. “Se estiver ocorrendo algum fato anormal, os pais devem acionar a Secretaria. Tudo o que estiver ao alcance do PSF será disponibilizado, inclusive mais tempo de tratamento se for prescrito pelos médicos”, declarou Ademir. O secretário só lamenta que outros tipos de fisioterapia mais especializados que Luma necessita — como por exemplo a da face e a reabilitação neurológica — não são disponibilizadas pelo PSF.
Dar água a Luma requer o uso de seringa e massagem maxilar
Um dia terrível!
Domingo, 19/6/05. Luciano e Helena resolvem visitar a mãe dele, residente em Itaperuna, e levaram a filha para ver a avó. Foram no VW Gol do amigo Antônio Félix. Na volta, pouco antes do cruzamento que dá acesso a Bom Jesus, trafegavam num trecho sinuoso e recheado de buracos na pista quando um caminhão colheu lateralmente o Gol, que trafegando a 100 km/h. Luciano conta que o motorista do caminhão teria dito à perícia ter tentado desviar de um buraco e não conseguira, relatando que até o volante do caminhão teria soltado de suas mãos. O condutor do Gol tentara desviar, mas teve morte instantânea. Luciano sofreu forte trauma no braço direito, tendo de colocar platina que impede movimentá-lo plenamente, e Helena, uma leve escoriação no joelho. Luma viajava atrás do motorista e teria sido arremessada para fora.
A família apela a todos os que de alguma forma possam ajudar, aos profissionais de saúde (principalmente das fisioterapias especiais) que se disponham a doar um pouco de sua técnica. “Estamos realmente precisando. Nossa vida pelo menos por enquanto é toda dedicada à Luma. Não temos vergonha em lançar este apelo. Precisamos de quase tudo: fraldas descartáveis tamanho M, remédios, recursos para mantermos os compromissos com alimentação, aluguel, contas de água e luz, fisioterapias e tratamentos especiais”, afirmou o pai, que disse abrir suas portas a todos os que desejarem conhecer de perto a situação dramática em que passaram a viver.
No sábado, véspera do acidente, Luma desenhou e dedicou as garatujas aos pais, que mantêm o desenho na porta do quarto da filha
A menina precisa tanto dos pais ao redor que o simples ato de dar água requer o uso de seringa e massagem no maxilar simultaneamente à injeção do líquido, para ela poder engolir. Para o banho, que o verão exige pelo menos dois por dia, às vezes até mais, é necessária a presença de ambos, já que, mesmo magrinha trata-se de uma criança de 9 anos, cuja movimentação tem de ser suave, feita com máximo cuidado.
Imitação da arte
Dizem que a vida imita a arte. Luciano, que não é íntimo das letras, me disse, entre lágrimas: “Se eu pudesse estar no lugar de minha filha e ela no meu, ah…, como eu seria feliz!” Essa manifestação lembrou o poeta Afonso Celso, que num dos quartetos do seu soneto “Anjo Enfermo”, escreveu assim: “o melindroso ser, ó filha minha/ Se os céus ouvissem a paterna prece/ E a mim o teu sofrer passar, pudesse/, Gozo me fora a dor que te espezinha.”
O brasileiro está anestesiado com os desmandos políticos que se sucedem numa recorrência vertiginosa! O povo parece já não ter forças para reagir, submete-se languidamente como um pobre coelho diante de uma serpente. É como se estivesse drogado, sem capacidade de articular mobilização, de gritar um sonoro CHEGA. Apenas aqui e ali algumas vozes clamam atitudes contra tanto vilipêndio, censurando com a voz do civismo machucado tamanha apatia e acomodação.
Roubam zilhões de dinheiro público, mentem, extorquem, humilham a nação sob as suas barbas e parece que tanto faz como tanto fez. Nada o desperta deste pesadelo. Como pode, com trovoadas ribombando de formas tão ameaçadoras? Absolvições criminosas de culpados no Congresso, parlamentares envolvidos até o pescoço com a corrupção, escarnecendo de nós com suas danças e suas mentiras deslavadas e fica tudo por isso mesmo. Foi para isso que nos colocamos (nós, o povo) no poder? Continuaremos a nos calar ante a sonegação, os descalabros, à violência, às pessoas morrendo nas filas dos hospitais, à falta de verbas para a educação de nossos filhos? Quem somos, afinal? Um bando de zumbis?
Nunca a imprensa foi tão atuante, tão incisiva, tão competente. Mas a gente lê as notícias e reage como se estivesse lendo o horóscopo. O máximo que nos permitimos é um muxoxo, como se as previsões do zodíaco não foram boas. Essa reação é como um referendo de aprovação aos dirigentes ladrões e ineptos, que se aproveitam deste nosso estado de lassidão para roubarem nossas riquezas, fazendo-o de tal forma que levam de contrapeso nossa dignidade e amor-próprio.
Seguem os outros marginais uma lógica desconcertante para justificarem suas ações: se políticos roubam e nada lhes acontece; se 39 ladrões ajudavam a (des)governar o país, como enumerou o Procurador-Geral da República; se um brasileiro abonado mata friamente a namorada, de forma premeditada, confessa o crime e pega 19 anos mas está em liberdade, por que, ora bolas, não podem ter privilégios iguais quando eventualmente cometem crimes até mais “suaves”, em vez de se obrigarem a mofar com mais 200 meliantes num xadrez de capacidade para 50? Os maniqueístas de plantão, à direita, exigem leis severas, radicalização, quase uma Lei de Talião, aquela do olho por olho, dente por dente. Os à esquerda dizem ser culpa da esbatida desigualdade social, debitando a criminalidade às pessoas carentes.
Falsos. Ambos. O que resolve é punição, a começar pelo vértice da pirâmide. Leis duras e punição severa. Judiciário autônomo não da boca pra fora. Estado capaz de impor o devido castigo desde o presidente da República até ao mais humilde cidadão, ficando definitivamente entendido que todo aquele que tem a prerrogativa de punir e não o faz é cúmplice da criminalidade no mínimo por omissão. Não podemos sucumbir ao mundo da fantasia, dissociados da realidade. Em condições críticas, como a barbárie de São Paulo, não existe outra opção senão a reação dura. Não se pode oferecer flores para bandidos. Não é razoável achar que há chance de diálogo com quem mata policiais e outras pessoas inocentes de forma deliberada, no desatino da maldade. É ridículo afirmar que a Educação faria de um animal praticante de tamanha sandice se tornar um ser que ajuda velhinhas nos semáforos.
A punição passa anos-luz de dar TV e outras regalias para esses bandidos. Ao contrário: cárcere escuro, frio, dividido com as ratazanas, digno das bestas. Em lugares em que a violência foi controlada não foi afagando criminosos; os métodos passaram ao largo dessas receitinhas de quem vive nas portas dos xadrezes babando os presos. Em Nova Iorque, por exemplo, os cidadãos de bem é que permanecem com suas armas. Os bandidos, não. Cá, é o inverso. Lá não há acordo com bandidos, como também a lei encarcera quem rouba dinheiro público. Punição é a palavra-chave. E a população brasileira precisa tirar os traseiros do sofá e bradar por ela, a punição, com P maiúsculo, a plenos pulmões. Não há alternativas com os governos ineptos que se sucedem para horror do Brasil e do seu povo hipnotizado!
Em meio ao sofrimento e ao nó górdio sofrido pelo sistema de Saúde das duas Bom Jesus por causa da epidemia de Dengue, podem-se apontar dois fatos positivos: O bom trabalho de acompanhamento e notificação, quando o nível de contaminação atingiu um patamar de tal magnitude que refreou possíveis intenções de maquiar os números; e o susto propriamente, pela intensidade, é capaz de chacoalhar a inércia e encorpar políticas de saneamento doravante.
A guerra promovida pelo Aedes Aegypti em Bom Jesus parece não deixar dúvidas de que as políticas sanitárias devem sofrer um revés na sua letargia, prolongando aos 365 dias do ano as ações de vigília minuciosa, rigor na inspeção de potenciais criadouros, esquadrinhamento com lupa de cada quadrante suspeito, campanhas ininterruptas de conscientização, treinamento especial dos agentes de Saúde, sobretudo vontade política e honestidade de propósitos em impedir que o mosquitinho tome novamente de assalto as cidades e faça reféns o seu povo, de modo pontual na “baixa estação turística do Aedes”, quem sabe promovendo pandemônio maior que o de agora na “alta estação” vindoura.
Quem se incomodar com a palavra letargia citada acima, leiam então de outra forma: parece claro, lógico, evidente, que se a política de prevenção à Dengue não foi letárgica, foi ao menos ineficaz. Os números falam por si. E o que pode ter concorrido para isso é os municípios quase nunca serem capazes de tomar iniciativas, de planificar ações de acordo com suas particularidades, ficando sempre a reboque dos governos superiores e suas esporádicas campanhas nacionais, das liberações de recursos somente quando o inimigo toma de assalto as fortificações adversárias. Por exemplo: deveria haver uma espécie de fusão dos esforços das duas cidades no combate, nas ações preventivas também de iniciativa própria e amiúde.
A causa exige sacrifícios, criatividade, não perdoa alter-egos inflados. Doenças infectocontagiosas, como a Dengue, não respeitam fronteiras. Segundo pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a fêmea do Aedes (a que pica) voa até 1 km de distância de seus ovos. Tem, portanto, capacidade maior de proliferação da que acreditavam os cientistas. Ou seja, se existisse alguma teoria quanto a impossibilidade de o mosquito ir de um lado para o outro (de Bom Jesus/RJ para Bom Jesus/ES e vice-versa), cai por terra.
Não havendo mudança radical de atitudes, acima de tudo dos políticos, em relação ao Aedes, só restará aos bom-jesuenses rezarem a pequena prece: “São Bento, livrai-nos desse bicho peçonhento.”