Aqui eu guardo meus escritos.

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O pouco escrito do muito sentido. Dedicado às crianças assassinadas na escola de Realengo/RJ

— Estou ansioso para ler sua Coluna, Zé Henrique. Com certeza você vai escrever a respeito do massacre das crianças na escola em Realengo, não vai?

— Não, respondi a Paulo Xavier, o Pepê, um amigo que nas horas vagas faz poemas inspiradores.

— Por quê?

— Porque sou incapaz de traduzir em palavras o que me vai na alma — expliquei, aproveitando para pedir que ele próprio compusesse um poema em homenagem aos inocentes chacinados.

De minha parte, apenas isso: envergonha-me a semelhança de gênero com o assassino tresloucado, com criatura tão infame. Ser constituído da mesma matéria universal com que foi moldado aquele sanguinário me torna pequeno demais, insignificante demais, a despeito de a maioria de nós dignificar a espécie humana. Também me penitencio por ter derramado catadupas de lágrimas, por ter chorado convulsiva e incontrolavelmente em frente à TV e à tela do computador.

Fui oportunista porque, como dizem, chorar faz bem. E eu não tinha o direito de me fazer bem com os eflúvios de tamanha atrocidade!

Eis o poema do meu amigo:

Publicado em maio/2011

Há algo em comum entre o julgamento do Mensalão e o do assassinato da menina Isabella Nardoni

Este ano a garotinha Isabella Nardoni celebraria seu 11º aniversário, não tivesse cruzado em seu caminho, em 2008, dois estupores adultos: o próprio pai e a madrasta. Por coincidência, neste 2013 será apresentado o último capítulo da “novela” Mensalão. Aguarda-se ansiosamente que os roteiristas escrevam uma moral da história edificante, punindo os vilões da trama que se desenrola desde 2005.

Refiro-me a ambos os casos porque encontro neles algo em comum: dois dos mais conceituados advogados, Marcio Thomaz Bastos e Roberto Podval, emitem discursos favoráveis aos acusados, como é ofício de defensores, mas o fazem com tamanha ênfase que por pouco não atribuem a culpa às próprias vítimas. (Bastos advoga para um dos mensaleiros e Podval, para os assassinos de Isabella). Ambos os advogados sustentam em suas teses que os julgamentos respectivos foram influenciados pelo clamor popular. Bastos até afirmou, a respeito do Mensalão: “é um exemplo típico de um julgamento que não houve. Foi um justiçamento.”

Ora, o casal que matou Isabela teve direito a tudo: exames técnicos, laudos, perícias, a mais ampla gama de recursos. Adiaram o julgamento ao máximo, sempre atendido nos recursos jurídicos talentosamente pescados no Código Penal pelo caríssimo advogado Podval, para rimar e ficar legal. E os sete do Tribunal do Júri que condenaram o casal em 2010 foram injustos, apenando não pelo dito da consciência, mas pelo clamor popular?

No Mensalão, também o STF cometerá a injustiça de condenar anjos e arcanjos apenas pelo clamor popular? Ora, ora, ora, diria o velho Teotônio Vilela. Sem medo de ser feliz, fico com os verdugos dos mensaleiros e do casal Nardoni, ministro Joaquim Barbosa (com seus pares de igual convicção) e o promotor Francisco Cembranelli, respectivamente. A este último dediquei o texto abaixo, em 2010, logo após ter conseguido, brilhantemente, a sentença que lavou a alma dos brasileiros, mais de 100 milhões de pais e mães de Isabella.

O anjo da guarda de Isabella
Já vi de tudo nesta vida”, costumamos dizer quando nos deparamos com casos escabrosos. Afirma isso com mais regularidade quem está, segundo João Ubaldo Ribeiro, “velhinho em folha.” Mas a ilusória sensação de ter visto de tudo nesta vida não foi capaz de neutralizar meu (nosso) assombro pelo assassinato com requintes de crueldade da garotinha Isabella Nardoni, tenra e vulnerável como um brotinho de rosa nos seus cinco anos de idade.

Mesmo os animais irracionais protegem suas crias, velam por elas, as defendem dos perigos. Daí não constituir exagero afirmar que o pai da menina, um crápula brutal, capaz de cometer a infâmia contra todos os quesitos da civilidade, não é um animal, nem dos da classe irracional. É a personificação da besta num gênero desconhecido de seres vivos! Ele renunciou à bênção suprema de desfrutar do crescimento da filha, de se divertir com suas peraltices e descobertas, de amá-la, respeitá-la, orientá-la, ampará-la, defendê-la, e se preciso fosse, de morrer por ela. Em vez disso, a matou!

Depois desse crime hediondo cometido contra todos os pais e mães que adotaram Isabella em seus corações, deixando perplexas nossa credulidade, nossa natural aptidão de nos enternecer perante a inocência, a noção de solidariedade e clemência ao menos com o sangue do nosso sangue, não mais asseguro que já vi de tudo. Por outro lado, vi a enorme grandeza de espírito e estatura profissional, muito amor pela causa e renúncia em favor da Justiça (o bálsamo que ansiamos de maneira fremente neste país), características marcantes na pessoa do promotor Francisco Cembranelli, um homem invulgar que ajuda a fortalecer a crença na humanidade, não obstante o mal insidioso que nos cerca diuturnamente.

Mais que o promotor comprometido até à medula com as leis, se valendo delas para extrair a seiva da ética e da elevação moral, o Dr. Cembranelli é o símbolo da esperança, o oásis de luz nas trevas da injustiça. Com determinação, competência e desassombro, delimitou o espaço em que ficarão severamente guardadas a fera e sua cúmplice.

Triste do país que precisa de heróis, já dizia o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht. E o Brasil precisa, o que é profundamente lamentável. Menos mal que os gera aqui e acolá, como o mais recente a figurar nesse rol. O Dr. Francisco Cembranelli, anjo da guarda de Isabella, é um deles, pelo qual passei a nutrir um sentimento de profundo respeito e grande admiração. Por conta dele e dos seus coadjuvantes, finalmente a criança foi justiçada.

Obrigado, doutor. Agora, sim, descanse em paz, Isabella!

Publicado em maio/2013

“Quem poupa o lobo, mata as ovelhas” – Victor Hugo

A maior tragédia não foi o menino João Hélio Fernandes, 6, ter sido arrastado por 7 km por bandidos no Rio de Janeiro, preso pelo cinto de segurança do carro que estava sendo roubado de seu pai. O horror maior é que já caiu no esquecimento! Como de praxe, três ou quatro dias em todos os noticiários e depois nem uma notinha de pé de página. E como de praxe também, as autoridades se esforçando nos ares de contrição sem, contudo, terem a capacidade de tomar uma miserável atitude! Ah: o presidente da República tomou, sim. Reafirmou ser radicalmente contra a redução da maioridade penal que puniria, entre outros, aquele que disse ou ouviu do comparsa que o inocente martirizado, destroçado, esfolado vivo era o judas deles.

Mas votar este marginal pode, pois tem o discernimento para saber escolher o seu prefeito, o seu senador, o seu presidente. Só não sabe, coitadinho, que não se pode matar, nem estuprar, nem barbarizar, nem torturar uma criança de 6 anos da forma a mais cruel e covarde. A sociedade tem de condescender com esse pobre injustiçado e deixar que ele faça o que bem entender com os seres humanos, sem relevar o fato de que ele não seja humano.

É um erro gravíssimo e uma injustiça inominável colocar a culpa da criminalidade na miséria. Isso afronta todas as pessoas pobres de bem, a esmagadora maioria. A honestidade não depende dos bens materiais que se possui nem do preparo intelectual que se tem. Muitos políticos que roubam, roubam e não param de roubar são riquíssimos, preparados nas melhores universidades. Mas como diria Carlito Maia, fariam corar de vergonha o mais larápio dos faraós, enquanto pobres trabalhadores suam para criar suas famílias de forma honesta, incapazes de dar um tapa num cachorro.

É claro que a injustiça social no Brasil é parceira constante da violência, mas se a miséria fosse a principal causa da violência, a ameaça à paz do mundo viria de países pobres, e não como se vê e sempre se viu. Bin Laden, por exemplo, é ultramilionário, que arregimenta pessoas de bom nível social e econômico para matar por ideologia religiosa milhares de pessoas da maneira a mais diversa e perversa. O tráfico também exerce seu sombrio e perene papel de estímulo à violência, mas a impunidade ganha disparada.

Nos Estados Unidos, alguns estados punem, como se adultos fossem, crianças de até 7 anos de idade, com cana dura mesmo, conforme a natureza de seus crimes (a idade mínima é 7 na maioria dos estados, de acordo com a tradição anglo-saxã da “common law” – lei comum); no México, a partir de 11 (para crimes federais) e 12 (demais crimes); na Inglaterra, 10; França, 13; Alemanha, Itália, Japão e Rússia (e algumas ex-repúblicas soviéticas), 14; Argentina, 16. E estas não são republiquetas quaisquer, diga-se.

A solução, portanto, não é matar o lobo para salvar as ovelhas, pois que a pena de morte é uma ideia natimorta (com trocadilho e tudo), no Brasil, pois seria uma radicalização perigosa num Estado de instituições débeis como a Justiça, que deixa livres, leves e soltos criminosos de bom poderio econômico e transforma quadrado o sol para uma mãe que furtou uma lata de leite em pó para alimentar seu filho. Mas que pelo menos prendam o lobo e aparem suas garras, seja ele de que idade for. É o mínimo que se deve fazer em desagravo a tantos mártires da brutalidade como o garotinho João Hélio.

Publicado em abril/2007

Anjos trucidados. Assassinar crianças é o mais selvagem instinto do mais selvagem homo sapiens

A selvageria nunca acabará, é da gênese humana. As convenções sociais e as religiões é que a desativaram gradativamente na maior parte dos seres pensantes, mas desgraçadamente não lograram fazê-lo numa minoria à margem. Mefistófeles explica o porquê. Sou desfavorável, em linhas gerais, à pena de morte. Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, muito menos num país em que as leis se dizem iguais para todos, mas não é bem assim na prática. Os foros privilegiados e as feras do Direito com suas filigranas jurídicas afiadas sempre farão pender a balança para o lado de quem desfruta poder e dinheiro. Todavia, determinados crimes despertam em mim muita simpatia com esta ideia.

É o caso, por exemplo, da morte da menina Isabela Nardoni, de 5 anos, esganada e jogada do 6º andar de um prédio da capital paulista na noite de 29/3 por seu próprio pai, estimulado pela madrasta da menina. Aí, me surpreendo a mentalizar castrações sem anestesia, seres pendurados em ganchos fincados nos peitos como no filme “Um homem chamado cavalo”, serpentes vivas sendo enfiadas goela adentro, aparadores de charutos aparando dedos de mãos e de pés, rostos lavados com soda cáustica, ânus no lugar da boca e boca no lugar do ânus, essas coisas.

É doloroso demais lembrar a imagem enternecedora, angelical, ingênua e pura de Isabela e de tantos outros mártires infanto-juvenis que tiveram brutalmente negado o direito à vida, justamente nos momentos em que ela, a vida, propiciava tanto fulgor e encantamento. Seres humanos que teriam de ser protegidos, orientados, amados, respeitados, muito mais por serem crianças, símbolos e instrumentos do futuro, do aperfeiçoamento da raça. E de dor em dor vai me esgotando o conforto vernacular.

As palavras não conseguem mais mostrar com exatidão a plenitude do sentimento de horror e repulsa. São tantas recordações tenebrosas… Com 9 para 10 anos de idade já me horrorizava com a “fera da Penha”, megera carioca que em 1964 ateou fogo numa garotinha de 4 anos por ciúmes do pai da menina, despejando naquele pequeno ser frágil e desprotegido toda a malignidade de uma mente doentia, absurdamente violenta e vingativa; com o caso “Zé do Rádio” (detalhes no fim deste texto), acontecido aqui mesmo em Bom Jesus. E tantos e tantos. Mais recentemente a dantesca morte do garotinho João Hélio, 6 anos, arrastado em 7/2/07 por um carro conduzido por marginais. Um dos vagabundos dissera, sorridente, que a criança presa pelo lado de fora pelo cinto de segurança após o roubo do veículo era “o meu Judas”; o incêndio de um ônibus em 29/11/05 por traficantes, quando morreram vários passageiros carbonizados, entre eles a menina Vitória, 2 anos, e sua mãe; a tortura inacreditavelmente variada numa garota de 12 anos, mantida em cárcere privado; adolescente presa em cela masculina tornando-se escrava sexual de um grupo de detentos; mães que deixam bebês jogados em portarias de prédios, depositados em lixeiras, lançados em lagoas; a menina que pulou do 4º andar para fugir do pai violento e um vastíssimo etecétera.

Há poucos anos uma reportagem mostrava a história de um menino de 10 anos, morto por overdose de crack. Impossível conter as lágrimas pelo olhar de sua pobre mãe fito no nada, que me inspirou a compor o soneto “Crack.”

(*) Em 1977 a população bom-jesuense ficou chocada pelo premeditado e cruel assassinato do menino Serginho, 11 anos, pelo próprio tio da criança. José Pereira Borges, vulgo Zé do Rádio, sequestrou o menino para exigir resgate, o matou a pancadas, amarrou o corpo com fios de arame e o ensacou, despejando o corpo no Rio Itabapoana preso a um pedregulho de aproximadamente 35 quilos. 

Chegara a simular solidariedade, participando do enterro do garoto, quando foi preso por investigadores que localizaram pertences da vítima em sua oficina de consertos. A brutalidade consternou os bom-jesuenses durante muitos anos, e até hoje se fala do sujeito tresloucado e covarde.

Publicado em abril/2008

Dilma diz que seu governo é “padrão Felipão”. Com todo o respeito, Excelentíssima: a senhora quis dizer padrão Felipão do Palmeiras, 2ª divisão, não foi?

Nossa presidente saiu ontem da reunião com seus 39 ministros, que representam grande parte dos quase 1 milhão de funcionários e 22 mil cargos de confiança e custa à nação combalida mais de R$ 600 bilhões por ano (bi, gente, 600 bi, com b, de bola). Mostrando-se feliz, comparou seu governo ao técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Luis Felipe Scolari — o Felipão, que com os seus comandados conquistou a Copa das Confederações depois de dar uma sova retumbante na toda-poderosa Espanha, até então campeã de tudo.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas realmente… A comparação só faria sentido se ela estivesse se referindo ao mesmo técnico que viu o time que comandava no ano passado, o Palmeiras, cair para a segunda divisão. Justiça se faça ao competente Felipão: o Palmeiras caiu porque tinha um time ruim. Foi só ele reunir uma constelação de craques…, arrisco dizer que com o aprimoramento gradual do escrete Canarinho, a Copa do ano que vem está no papo.

Por outro lado, de nada adiantaria 30 neymares no governo porque a técnica já provou que não sabe comandar time. Se continuar, o Brasil vai da segundona para a terceirona, para a quartona, para a quintona. Josias de Souza explica: “O campo do governo não é demarcado, a bola é quadrada e vale gol de mão. O time é hipertrofiado e o Neymar se chama Mercadante. É nas faltas graves que o governo mostra toda sua eficiência. Ele mesmo desvia, ele mesmo investiga, e ele mesmo absolve. Os expulsos sempre voltam pro jogo.”

Publicado em 2/julho/2013