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A banalidade do horror

O 11 de setembro de 2001 ficará registrado na história da humanidade como o dia mais negro e obscuro de todos os séculos e séculos. Os ataques terroristas aos centros nervosos do poderio militar e econômico da maior nação do Planeta foram atos inumanos contra todos os povos, e o mundo não pode ter o infortúnio de ver isto novamente. Naquele dia fatal os ataques terroristas mais audaciosos e monstruosos ocasionaram um número horrendo de vidas inocentes perdidas, uma sucessão de pavor e devastação sem precedentes, dignos do mais delirante e inverossímil efeito especial de Hollywood.

Como a mente humana pode produzir catástrofe deliberada com tamanha precisão e sincronismo! Os ataques ultrapassaram as fronteiras nacionais americanas para se constituírem desafios insolentes contra a totalidade da civilização, um duro questionamento aos sistemas de valor desta geração. Não foi uma tragédia apenas para a América rica, foi uma tragédia internacional cujos desvairados desdobramentos trarão mais infortúnio e desespero para populações pobres e miseráveis que se multiplicam neste Planeta tão bonito e… amargurado.

Ditos e axiomas até antigos interpretavam o nível de descobertas, de tecnologia, de desenvolvimento como armas que se voltariam contra o próprio homem. Nada tão verdadeiro. A morte já não é encarada com o mesmo grau de temor e respeito. Passa a fazer parte do cotidiano como mais uma mazela. E tem até certa lógica sua institucionalização quando comparada com as vítimas da fome e da injustiça. Ela (a morte) com certeza é melhor para aquelas mães etíopes cujas tetas sangram nas bocas de seus filhos esqueléticos, literalmente a pele e osso com os olhos recobertos pela mancha cinzenta do desespero pela fome.

Com certeza é melhor para muitas populações de territórios cujos ventres inclusive geraram seus próprios genocidas, para comunidades inteiras que sofrem a tirania de líderes tresloucados que os fazem mártires em nome da religião ou da ambição desmedida de poder e de posse material. Ninguém tem razão, e todos a têm. O mundo tornou-se maniqueísta, onde cada ideologia se julga “do bem” e as divergências, “do mal”. Não existe mais a tolerância que edificava o convívio em harmonia, e a exacerbação passou a fazer parte da rotina. Esses episódios de horror, na realidade, são o acúmulo das pequeninas perversidades mútuas e diferenças do dia-a-dia, que numa espécie de surda conspiração vão se juntando para produzir a desforra bombástica. É como se o vizinho dissesse ao outro: “Viu a potência do meu deus?”, e saísse com o riso sarcástico pela fraqueza do deus daquele.

Os artistas procuram como fonte de inspiração algo em que possam se encantar para criar. Essas linhas ressentidas de otimismo param por aqui não sem antes reproduzir um texto do profeta Zé Ramalho, escusando-se com os leitores pela impossibilidade de levar-lhes algo mais ameno: “Prevejo dias/com o ventre da Terra à mostra/céu sem sol/chuva de bosta/mentira igual verdade/tombam estrelas/todas as calamidades/cairão sobre as cidades/tempestades/mortos-vivos nas estradas/árvores virando cruz/com a ira da potestade/os reis caminhando nus.

Publicado em setembro/2001

A ditadura da democracia

Carlito Maia (fevereiro/1924 – junho/2002: “Não tolero a ditadura de um sobre todos, nem a de todos sobre um”

Como é imperfeito um dos mais básicos e elementares preceitos democráticos: o de que todos devem ser governados por alguém escolhido pela maioria! Isso só deveria ocorrer quando essa dita maioria tivesse a noção exata da amplitude e da complexidade dos seus problemas; tivesse o conhecimento pleno dos seus direitos e deveres; fosse esclarecida o suficiente para poder discernir pelos atos, palavras e atitudes quem é quem ou quem teria condições éticas e morais para influenciar o seu destino.

Fato que mundo, hoje, passa por uma séria crise de homens bem-preparados, de inteligências persecutórias de ideais, com planos e projetos que visem ao benefício das pessoas. E mesmo que o Brasil não escape a esse deserto de bons nomes, confesso que gostaria de ter qualquer outro a influenciar a minha vida pelos próximos quatro anos, até porque prefiro pecar por ação que por omissão. Não quero ser inexoravelmente, sem arreglo, governado por alguém que não desejo, por alguém em quem há pouco menos de quatro anos depositei todas as minhas esperanças num futuro melhor para mim e meus compatriotas. Fomos traídos quando ele nos prometeu, e com uma desfaçatez impressionante, tergiversou e não cumpriu nada que estava simbolizado na sua mão calejada de quatro dedos que, para mim, era mais idealista do que a antecessora completa e eivada de autênticos brilhantes.

Não direi que o povo votará no próprio carrasco, como disse o próprio Lula quando perdeu a última para o FHC. Mas diria que sua reeleição será produto da mais pura farsa, de um engodo mirabolante empurrado de forma brutal e impiedoso nas goelas da maioria dos seus eleitores, os menos esclarecidos. Estes, em sua inocência, acreditam que o bolsa família é decorrente da mais criativa engenharia político/econômica. Não lhes é dado, claro, a chance de entenderem que pagarão (pagaremos) caro pela esmola.

A sinopse do horrível filme de terror que nos aguarda na segunda sessão assistimos por aí diariamente, e o mais terrível é que essa síntese está sendo interpretada como a mais sublime e emocionante história de amor, numa inversão de valores espantosa. A mansidão e a brandura da maioria que dá a Lula números generosos nas pesquisas decorrem do desconhecimento de que o Brasil navega em mares calmos, antes pela conjuntura financeira internacional do que pela competência do governo, que não sabe o que significa competência ou pensa que é apenas viajar em avião de US$ 60 milhões, comprar deputados e condecorar com a mais nobre honraria o tal do Severino Cavalcanti.

Nunca um presidente brasileiro foi tão beneficiado por tamanha estabilidade mundial. Ainda assim os criminosos juros reais “neste país” estão na estratosfera de 12% ao ano, contra 11% do governo anterior, que atravessou oceanos revoltos de crises e mais crises, como por exemplo a quebradeira da Rússia. Banqueiros brasileiros, podem crer, serão os mais ardorosos defensores desse continuísmo revoltante! Por onde anda a oposição, mesmo a do Enéias ou a da Heloísa, que não lê para o povo o que ele é incapaz de compreender? Cadê o PSDB, o PFL, que apostaram num Lula definhando até morrer em outubro? E boa parcela de pensadores, de intelectuais? Estariam purgando com o silêncio a furada do engajamento? Liguem não, errar é humano.

Este silêncio todo nos atordoa, como diz a música. E o pior e que atordoados não permanecemos atentos. Compreendam, e difundam que neste céu de brigadeiro econômico o Brasil deveria desfrutar de um crescimento de 7%, 10%, e não apenas se contentar em ser o penúltimo do mundo. Qualquer barnabé que honestamente desejasse governar para o povo e não para “a zelite” faria melhor. Bom Jesus do Norte mesmo, Calçado, Apiacá e o Espírito Santo como um todo estão bem graças a seriedade de Paulo Hartung com o auxílio do Governo Federal? Isso não é nada se considerado o cenário altamente favorável em que Lula surfa. Precisamos parar de nos contentar com pouco!

Publicado em fevereiro/2006

Vai o homem, fica o mito

Não há o que acrescentar ao que já foi dito a respeito do homem, do político, do ser humano Mário Covas. Quaisquer adjetivos que exprimem qualidade extraordinária que caracteriza alguns exemplares da raça humana seriam repetitivos, reprisados que foram à exaustão por amigos, conhecidos, parentes, correligionários. Ele foi um raro caso de unanimidade porque agregou na admiração à sua profícua obra até o mais ferrenho adversário, gente que se considerava sua inimiga política número um.

Nunca é demais, porém, insistir pela conveniência dos homens públicos se inspirar em seu legado para que um sistema político torpe, aético e amoral possa ganhar um pouco de retidão. Aos demagogos, que se espelhem em sua conduta de pessoa autêntica; aos corruptos, que uma centelha de sua honestidade acenda o estopim do caráter, da lisura; aos filhos ingratos, traidores da nação, submissos à hidra colérica, à tirania dos opressores internacionais, evocar e assimilar um naco de seu patriotismo, do amor que nutria pela pátria desencadearia surpreendentes reações de civismo.

“Saio da vida para entrar na história”. Esta frase, cunhada no momento mais dramático da vida do presidente Getúlio Vargas nos últimos minutos de sua existência, traduz a estranha característica do ser humano, de cultuar os grandes homens (convicções ideológicas à parte) somente após sua eterna partida. Não foi diferente com Covas. Essa cultura conspira para uma evolução social mais rápida, na plenitude de abrangência porque as qualidades ficam turvadas em vida devido à consciência da imortalidade que guarnece o homem. Isso acirra as diferenças, robustece a vaidade, tolda a capacidade de reconhecimento e valorização aos empreendedores, aos visionários. A morte, no entanto, fornece a antítese a esse comportamento porque relembra duramente a inexorável finitude da vida, e essa negação da eternidade nos breves momentos que dura a estupefação pela dama da foice torna o ser humano sensível e solidário.

Há inovações, todavia, a partir da morte de Covas. Sua existência terrena foi tão diferenciada que produziu um fenômeno capaz de tornar realidade a utopia da edificação moral. Seus conceitos são de tamanha grandeza que não haverá quem não se retraia ante o impulso aos malfeitos. No mínimo, os pequenos de caráter não poderão aludir suas nocivas ações à falta de bons exemplos, pois a jurisprudência firmada por Covas é completa.

Foi-se o homem, ficou o mito. E desse mito seguramente a inspiração para o exercício da boa política.

Publicado em abril/2001

Nem além das sandálias, nem aquém. Ou, político é personagem pública que adora ser paparicado, mas detesta a crítica

Em Bom Jesus, dia destes, um político do lugar dirigiu-se a um cidadão militante na imprensa local que participava de um evento público e, possesso, olhos esbugalhados, chamejantes, disparou com o indicador em riste:

— Não quero mais ver meu nome nesse jornal de merda, entendeu?

Ainda mais recentemente, também em Bom Jesus, outra personalidade política abordou esse mesmo militante dizendo em alto e bom som a respeito de assunto outro publicado:

— Não gostei do que escreveram aí, viu?

Para que o leitorado se situe e franza as sobrancelhas até o topo de seus crânios calvos ou hirsutos, as reações intempestivas foram inteiramente despropositais. Apenas porque o jornal em questão não é do tipo engajado, não lhes bate continência. Num dos casos uma pequena nota de pé de página sem teor acusatório, calunioso, injurioso ou difamatório. Noutro, uma informação de amplo domínio público, ainda assim desprovida da mais tênue conotação tendenciosa. O caso é que os que se julgam donos do pedaço, das almas, dos corações e das mentes do distinto público estão mal-acostumados, só se satisfazem com as veiculações noticiosas explicitamente favoráveis. Neutralidade para essa gente é conspiração, e informes de interesse do povo tem de sobretudo ser bom para ela, equação às vezes impossível até para Einstein.

Existem órgãos de imprensa bons e ruins, jornalistas, médicos, políticos, tratadores de calos e unhas encravadas honestos e desonestos, sérios ou pilantras. Mas também existem leis e quem se disponha a aplicá-las para impor limites a esse maniqueísmo intrínseco dos humanos. Quando um cidadão (político principalmente) tenta tomar na marra o desagravo a um pretenso ultraje, desprezando as leis e a Justiça, das duas, uma: ou reconhece não ter razão ou acredita ser ele a própria Justiça, reflexo condicionado do poder sem limites tal qual o dos monarcas medievais.

Fazer jornalismo de boa qualidade em cidades pequenas não é bom para a saúde, é atividade insalubre. Andando de botina entre os cristais é necessário ir algodoando suscetibilidades sempre à flor da pele, comunicando-se preferencialmente por metáforas e sofismas e em certos casos usando até um pouco de dissimulação para evitar desgastes que não existiriam se o “noticiado” nem digo valorizasse (seria querer muito), mas respeitasse o papel do noticiante. É corrente, mas falsa, a percepção de que profissionais da imprensa em muitos desses lugares são desinformados; o que lhes falta na realidade é chão para pisar.

Observa-se que hegemonicamente em cidades de pequeno porte não há opositores praticantes aos regimes, parece tacitamente acordado que de quatro em quatro anos grupos se engalfinhem na mais renhida arenga, no vale-tudo até mesmo abaixo da linha da cintura em circunstanciais escaramuças. Depois, cada qual a seu canto, satisfeitos ou conformados no quadriênio. E na modorra de debates, cobrança, fiscalização e sugestões a imprensa exerce, ou deveria exercer, papel tão importante.

Na maioria das vezes o desagrado de um está interligado ao interesse de todos. Quando um cidadão vir um político se exacerbar por conta de uma matéria noticiosa, e se não houve erro, má-fé ou falta de isenção do veículo informativo, pode colocar as barbas de molho porque sua cidadania está em jogo. Político, como artista, é personagem pública e, por isso, notícia (de forma mais que especial nos pequenos lugares onde fatos noticiosos rareiam), que é a matéria-prima do jornalismo. Faz parte do jogo estar em evidência porque é para isso que luta com tanto ardor e se fascina pelas urnas. Perde, sim, um pouco da privacidade, o que é absolutamente normal, mas não pode e não deve se sentir uma diva ultrajada quando o noticiário lhe é desfavorável. Se não quiser se submeter a essa regra elementar, procure outra coisa para fazer.

Algumas pessoas públicas, quando no poder, esquecem o ideal democrático e passam a se considerar imperadores absolutistas. Precisamos combater isso e cabe a nós da imprensa majoritariamente essa obrigação. É necessário desancar de uma vez por todas o primitivismo da relação políticos x imprensa. É imperativo para o interesse público que os primeiros se desvencilhem do anacronismo de confundir crítica construtiva com militância ideológica ou partidária, como também é absolutamente imprescindível que o segundo seja honesto nos princípios de laborar para a causa pública e não para o homem público.

Infelizmente essa relação de amor e ódio, essa radicalização do 8 ou 80 sem dar lugar à virtude do meio tem muito de nossa culpa, é necessário admitir. Se alguns de nós não evoluímos os nossos conceitos no modo de exercermos a nobre atividade midiática, como podemos exigir que evoluam na política? Quantos de nós jornalistas ou parajornalistas confundimos prestação de serviços com favores pecuniários, mendigando o dê cá aquela palha em troca do silêncio obsequioso para as coisas obtusas ou da pirotecnia redacional nos assuntos positivos?

Precisamos rediscutir essa relação, inculcarmos em nosso próprio íntimo valores nobiliárquicos merecidos à nossa atividade, para que se espraiem com legitimidade tal que sejam capazes de alterar os conceitos de outrem ao que fazemos. Homem público verdadeiramente comprometido com a sua cidade, sua região e seu país, que se preocupa honestamente com o desenvolvimento intelectual e material de sua gente, sabe do papel coadjuvante dos mais indispensáveis que a imprensa exerce para isso. E esse raro espécime deveria prestigiar os órgãos de informação, ainda que lhe causem eventualmente dissabores porque isso é cláusula pétrea da democracia.

É assim filosoficamente no New York Times, no France Press, no Pravda, na Folha de São Paulo, na Rádio BBC de Londres, nos sites e nas TVs; e é assim que deveria ser no Diário dos Cafundós ou na Rádio Boas Falas. Não deveria constar que Mrs. Bush, Le Pen, Putin, Blair, Lula e outros comprem espaços com verbas públicas para enaltecerem seus méritos pessoais e/ou neutralizarem a repercussão de suas mazelas. Governar é também informar, prestar constas, suscitar o debate, mostrar atos e ações de forma profissional consoante a modernidade da era. Qualquer criança de jardim de infância observaria que nossa habilidade nesse interregno só é comparável à da Vênus de Millo jogando basquete.

Nossa auto subdesvalorização é a cúmplice de tudo, desde o histórico desdém ao nosso trabalho, considerado mero item na estatística do assistencialismo sujeito a corte se a linha editorial não se mantiver submissa ao coronel da hora, até ao destampatório na iminência das vias de fato. Ainda não se tem conhecimento de que neste Sul Capixaba e Noroeste Fluminense algum jornalista haja engrossado as estatísticas que fazem a ONG “Repórteres Sem Fronteiras” sempre incluir o Brasil onde há grande risco no exercício da profissão, pouco abaixo da Colômbia e da Rússia, países onde ser jornalista é quase o mesmo que possuir um atestado de óbito em vida. Contudo, não podemos nos acomodar nessa trincheira defensivista, mandando às favas a consciência do que devemos ser para a coletividade, um dos condutores ao aprimoramento da espécie humana.

Eles não podem ir além das suas sandálias, e nós não devemos ficar aquém das nossas.

Publicado em junho/2006

A Justiça é mesmo cega…, deixa soltos tubarões e trancafia bagrinhos

No Acre, homem lidera o tráfico de drogas no estado, comanda grupos de extermínio, manda matar desafetos e membros de grupos rivais, em alguns casos fazendo questão de executar o serviço pessoalmente, com requintes de crueldade não imaginados nem pelo mais delirante diretor desses filmes de violência que inundam as telas dos cinemas e das TVs. No fim, vira deputado federal com toda a im(pu)unidade que lhe assegura a mais cínica e maquiavélica inversão de valores e corporativismo que habitam o Congresso Nacional.

Cassaram-lhe o mandato, não havia jeito, tão variada e intensa sua vida de crimes, ainda que 45 dos seus colegas parlamentares (e de crime, talvez?) tenham votado contra e mais 25 tenham se abstido de votar (não me comprometam com a fera nem com os eleitores que nos asseguram a boa-vida, diriam eles), mas sua “punição” ficará apenas por aí. Hildebrando Pascoal, a fera, hospedou-se por uma ou duas semanas no apartamento que foi originalmente preparado para acolher o próprio delegado quando em serviço na delegacia em Brasília com todas as mordomias de praxe, pois o poder do dinheiro sabe evocar as filigranas jurídicas existentes num Código preparado para punir os pobres e inocentar os ricos. Brevemente um parecer da Justiça baseado numa dessas filigranas lhe concederá a liberdade, da mesma forma como concedeu-a a Talvane Albuquerque, acusado de mandante do assassinato da Deputada Ceci Cunha para ficar com sua vaga, sob o respaldo da filigrana de que o preso tem curso superior (é médico) e como tal faz jus a uma cela especial não existente na instituição a qual estava recolhido.

A propósito, uma coisa que não entendo é esse negócio do sujeito ter curso superior e por isso merecer regalias como cela especial ou outras mais. No meu modo obtuso de entender as coisas, não vejo razão para essa discriminação. Entendo que o meliante que tenha curso superior pode ser até mais periculoso do que o analfabeto, pois alia um melhor preparo intelectual para planejar e executar seus crimes, razão pela qual deveria ser punido até com maior rigor.

Acabei me desviando, mas volto: vejam os contrastes. Aqui mesmo em Bom Jesus, um comerciante está preso há quase dois anos por tentativa de homicídio. Trata-se de um cidadão pobre, que tirava seu sustento unicamente do trabalho árduo, honesto. Não consta que tenha roubado, corrompido, traficado, mandado matar. No ardor de uma discussão, perdera a consciência e atirara no desafeto. Não o matara, sequer deixara-lhe quaisquer sequelas físicas. Mas era reincidente nesses graves arroubos e está pagando por isso, afinal, não vivemos no velho Oeste onde as desavenças eram resolvidas à bala.

Estaria ele preso, no entanto, se fosse rico e tivesse construído um prédio de apartamentos utilizando material de má qualidade, e com isso matado oito pessoas e deixado centenas ao desabrigo, como fez Sergio Naya? Ou se tivesse incendiado um índio como fizeram os animais irracionais brasilienses filhinhos de papai? Ou se tivesse matado indiretamente de fome por rapinar centenas de milhões de dólares dos cofres de um país já falido e impotente para garantir a mais elementar necessidade de grande parcela de seu povo, como fizeram Chico Lopes, Salvatore Cacciola e outros gângsters de colarinho Branco?

Bem-aventurado o dia em que a Justiça enfim será igual para todos. Em que polícia, juizes, promotores e demais profissionais possam se valer de instrumentos simples, claros, concisos, desburocratizados e imparciais. Enfim, quando os bons “oftalmologistas” do meio lograrem reconverter a cegueira literal da Justiça para a belíssima metáfora de ser cega para apenar quem mereça, indistintamente, utilizando os pratos de uma balança que pendam soberanos ao largo da situação econômica, grupo racial ou ideologias políticas e religiosas de quem se desvia das normas de conduta.

Afinal, todos são (deviam ser) iguais perante a lei.

Publicado em outubro/1999

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