Aqui eu guardo meus escritos.

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Quando ganhar não é bom

O goleiro Taffarel certamente não percebeu o tamanho da dimensão na vida dos seus compatriotas ao protagonizar o feito memorável de defender dois pênaltis dos ferozes holandeses, embora seu heroísmo não fora coroado com o título na partida final vencida pelos franceses.

A conquista de uma Copa do Mundo inebria o espírito despertando o sentido ufanista anestesiado pelas vicissitudes de um povo. As mãos do goleiro ao impedir que os tiros mortíferos estufassem suas malhas foram mecanismos catalisadores de angústias e decepções de uma geração apática pela falta de perspectivas, constituindo-se naqueles breves momentos, tão mágicos quanto efêmeros, um feito extremamente positivo aos seus conterrâneos na medida em que proporcionou uma catarse coletiva necessária e justa.

Por outro lado, o galardão dessas conquistas pode se tornar malévolo se não se souber administrar os sentimentos de euforia, permitindo que ultrapassem o terreno estritamente esportivo, influenciando indevidamente outros aspectos da vida nacional. É incongruente, por exemplo, que se deixe entorpecer os sentidos pela vitória no campo esportivo em detrimento da luta pela conquista de uma vida mais digna; que seja ofuscada ou enfraquecida a capacidade de mobilização na busca de justiça social pelo enleio de rápida transição que o ópio do futebol propicia; que se permitam aos oportunistas de plantão capitalizar o árduo triunfo dos atletas em dividendos políticos, como certos expoentes do poder que se arvoram em se intitularem “pés-quentes”.

Por essas e outras é que os cartolas do esporte declararam que a copa deu prejuízo do grosso à CBF, mas que esse é um detalhe insignificante frente à “importância” da obtenção da taça (que não veio desta vez). O preço que cada brasileiro paga, goste ou não de futebol, é proporcionalmente alto, muito alto até mesmo por um laurel da magnificência de uma copa mundial. À parte os mastodônticos custos com atletas, comissão técnica, convidados, estadias, traslados, jabás e as mordomias de praxe (até mesmo possíveis sonegações alfandegárias como ocorreram em 1994), os custos indiretos são incalculáveis. A começar pela excessiva e desnecessária massificação dos noticiários de toda a mídia, que ao longo dos 32 dias de disputa são dominados por assunto único, comprometendo a capacidade de discernimento das pessoas pela ausência das demais notícias do seu cotidiano, até a incrível abstinência ao trabalho, notadamente em dias de jogos em que a equipe brasileira participa, mais uma brutal paralisia festeira das tantas que já estertoram uma nação pobre e combalida.

É necessário algum comedimento ao se atribuir o valor das conquistas esportivas para que não venhamos todos a nos tornar os bonifrates de uma esfera manuseada magistralmente pelos jogadores brasileiros, às vezes, porém, a serviço dos nossos fantasmas.

Publicado em julho/1998

Abaixo o “Dia da Mulher”

No Paquistão e no Afeganistão, as mulheres vivem em condições subumanas em virtude da teocracia machista e primitiva que as impede de mostrar até mesmo o rosto. São martirizadas de todas as formas, queimadas e apedrejadas nas praças públicas quando da suspeita de infidelidade. Ainda é comum, aos 13 anos de idade, as meninas-crianças serem casadas com maridos arregimentados pelos pais sem nunca os terem visto. A partir daí seus únicos direitos são os de permanecerem vivas e procriarem.

Na Tailândia, meninas de até oito anos de idade são procuradas por pedófilos, constituindo a prostituição infantil um dos estímulos ao turismo. Nos EUA, berço da liberdade, as prisões femininas contam na maioria com guardas masculinos. Muitos deles cometem toda a sorte de abusos (a maioria sexuais) contra as detentas. Em todo o mundo a discriminação e o preconceito contra as mulheres ainda persistem mais deletérios do que se supõe.

No Brasil não é diferente. Por trás dos pseudos direitos iguais e das liberdades irrestritas em todos os aspectos sociais e profissionais, as brasileiras sofrem os dissabores de uma sociedade impregnada da cultura que ainda não se libertou do seu ranço machista. A violência física por parte dos companheiros ainda é um cancro longe de ser extirpado porque a conotação de objeto pessoal e intransferível dos machos encontra-se instintivamente ativa dentro de valores arcaicos que não se renovam por carências educacionais e instrutivas.

Mais explícitas no Brasil periférico e nas regiões economicamente mais pobres, as injustiças contra a mulher revelam sua face cruel. É a prostituição como meio de sobrevivência, mais dolorosa a infantil. São os espancamentos por companheiros alcoolizados, as desigualdades no mercado de trabalho, a discrepância salarial relativamente aos homens, maior dificuldade de ascensão social. O discurso enaltecedor da condição feminina e dos direitos da mulher no Brasil conserva perenes figuras de retórica e argumentação falaciosa. Basta atentar aos indicadores que quantificam sua influência na política, na economia e nas demais atividades profissionais, exceto talvez nas artes, onde sua própria condição feminina com os dotes naturais característicos possibilita-lhe uma interação mais ativa e efetiva.

Comparativamente há duas décadas, é evidente que a mulher brasileira galgou posições mais igualitárias, conseguiu maior autonomia e independência sobre si própria, mas estas conquistas são ainda tênues. Há que se lutar muito, principalmente na batalha que mais a fragiliza, da qual continua vulnerável em todos os flancos: a de se constituir objeto sexual muitas vezes com sua própria conivência e estimulação, cedendo aos impulsos da vaidade desmedida que juntamente com a ambição material desnudam seu corpo e sua alma para as orgias pagãs, distorcendo os fatos e forçando a leitura equivocada de que seu corpo não passa de uma bela alegoria destituída de personalidade e vontade próprias.

Não há o dia dos homens. Não deveria haver um para as mulheres. Todo dia é o delas e o deles, nos quais convivemos em igualdade e respeito mútuos.

Ou deveríamos.

Publicado em março/1999

Nostradamus errou mesmo?

Michel de Nostredame, secularmente conhecido por Nostradamus teria previsto a ocorrência do fim do mundo para este ano, mas numa análise materialista, considerando-se tal fim como a destruição física literal do planeta, o misto de profeta, médico e petisco desejado pela Santa Inquisição a transformar-se em churrasco, errou. Não é aconselhável, no entanto, precipitar-se no julgamento e considerá-lo um charlatão dos tempos medievais, pois ninguém pode afirmar com certeza que conceitos ele tinha de finitude.

Por exemplo, se considerasse como fim o ápice da contradição humana, que busca febrilmente preservar e dotar longeva a vida, ao mesmo tempo em que cria dispositivos igualmente eficientes para dizimá-la em segundos, o visionário acertou! A humanidade parece ter atingido neste final de milênio seu mais alto grau de incoerência, traduzida pela convivência com a ambivalente tecnologia, que tanto salva quanto mata, tanto preserva quanto destrói. Terá sido este o fim preconizado, não o do mundo físico, mas o da derrocada moral que eliminou o instinto da compaixão e solidariedade que norteava a configuração do relacionamento humano na terra?

A indústria bélica jamais experimentou tamanha evolução em tão pouco tempo. A tecnologia do mal tornou obsoletos os mísseis teleguiados de longo alcance, as bombas nucleares já estão virando peças de museu e já se fala em armas mais mortíferas e de investimentos proporcionalmente menores dada a relação “custo/benefício” — com a utilização do laser em mais larga escala.

São as chamadas armas inteligentes ou limpas, quer dizer, as que só fazem vítimas do lado mais fraco, não somente nas guerras em si, como pela devastação legada a posteriori. Enquanto bilhões de dólares são destinados a essa terrível finalidade, ampliam-se desesperadamente as desigualdades sociais na Terra, com populações inteiras padecendo o flagelo da fome, da doença, da ignorância e da ausência total de perspectivas que pudessem lhes dar um único sentido para o viver. Segundo recente documento da ONU, “a primazia dos mercados concentrou poder e riqueza em um grupo seleto, com o mundo correndo desenfreadamente para uma maior integração, conduzido principalmente por forças econômicas e orientado sobretudo por uma filosofia de lucratividade do mercado e eficiência econômica”.

Este talvez tenha sido o fim que o profeta previu. A revolução e o desenvolvimento tecnológico em benefício de uma parcela menor e mais poderosa de seres humanos, alicerçados sobre a dor e desespero dos demais. Se previu conceitualmente assim, ele acertou. Talvez nós é que não tenhamos percebido que este é um fim ainda pior do que se tivéssemos sido simplesmente varridos do Planeta!

Publicado em agosto/1999

A banalidade do horror

O 11 de setembro de 2001 ficará registrado na história da humanidade como o dia mais negro e obscuro de todos os séculos e séculos. Os ataques terroristas aos centros nervosos do poderio militar e econômico da maior nação do Planeta foram atos inumanos contra todos os povos, e o mundo não pode ter o infortúnio de ver isto novamente. Naquele dia fatal os ataques terroristas mais audaciosos e monstruosos ocasionaram um número horrendo de vidas inocentes perdidas, uma sucessão de pavor e devastação sem precedentes, dignos do mais delirante e inverossímil efeito especial de Hollywood.

Como a mente humana pode produzir catástrofe deliberada com tamanha precisão e sincronismo! Os ataques ultrapassaram as fronteiras nacionais americanas para se constituírem desafios insolentes contra a totalidade da civilização, um duro questionamento aos sistemas de valor desta geração. Não foi uma tragédia apenas para a América rica, foi uma tragédia internacional cujos desvairados desdobramentos trarão mais infortúnio e desespero para populações pobres e miseráveis que se multiplicam neste Planeta tão bonito e… amargurado.

Ditos e axiomas até antigos interpretavam o nível de descobertas, de tecnologia, de desenvolvimento como armas que se voltariam contra o próprio homem. Nada tão verdadeiro. A morte já não é encarada com o mesmo grau de temor e respeito. Passa a fazer parte do cotidiano como mais uma mazela. E tem até certa lógica sua institucionalização quando comparada com as vítimas da fome e da injustiça. Ela (a morte) com certeza é melhor para aquelas mães etíopes cujas tetas sangram nas bocas de seus filhos esqueléticos, literalmente a pele e osso com os olhos recobertos pela mancha cinzenta do desespero pela fome.

Com certeza é melhor para muitas populações de territórios cujos ventres inclusive geraram seus próprios genocidas, para comunidades inteiras que sofrem a tirania de líderes tresloucados que os fazem mártires em nome da religião ou da ambição desmedida de poder e de posse material. Ninguém tem razão, e todos a têm. O mundo tornou-se maniqueísta, onde cada ideologia se julga “do bem” e as divergências, “do mal”. Não existe mais a tolerância que edificava o convívio em harmonia, e a exacerbação passou a fazer parte da rotina. Esses episódios de horror, na realidade, são o acúmulo das pequeninas perversidades mútuas e diferenças do dia-a-dia, que numa espécie de surda conspiração vão se juntando para produzir a desforra bombástica. É como se o vizinho dissesse ao outro: “Viu a potência do meu deus?”, e saísse com o riso sarcástico pela fraqueza do deus daquele.

Os artistas procuram como fonte de inspiração algo em que possam se encantar para criar. Essas linhas ressentidas de otimismo param por aqui não sem antes reproduzir um texto do profeta Zé Ramalho, escusando-se com os leitores pela impossibilidade de levar-lhes algo mais ameno: “Prevejo dias/com o ventre da Terra à mostra/céu sem sol/chuva de bosta/mentira igual verdade/tombam estrelas/todas as calamidades/cairão sobre as cidades/tempestades/mortos-vivos nas estradas/árvores virando cruz/com a ira da potestade/os reis caminhando nus.

Publicado em setembro/2001

A ditadura da democracia

Carlito Maia (fevereiro/1924 – junho/2002: “Não tolero a ditadura de um sobre todos, nem a de todos sobre um”

Como é imperfeito um dos mais básicos e elementares preceitos democráticos: o de que todos devem ser governados por alguém escolhido pela maioria! Isso só deveria ocorrer quando essa dita maioria tivesse a noção exata da amplitude e da complexidade dos seus problemas; tivesse o conhecimento pleno dos seus direitos e deveres; fosse esclarecida o suficiente para poder discernir pelos atos, palavras e atitudes quem é quem ou quem teria condições éticas e morais para influenciar o seu destino.

Fato que mundo, hoje, passa por uma séria crise de homens bem-preparados, de inteligências persecutórias de ideais, com planos e projetos que visem ao benefício das pessoas. E mesmo que o Brasil não escape a esse deserto de bons nomes, confesso que gostaria de ter qualquer outro a influenciar a minha vida pelos próximos quatro anos, até porque prefiro pecar por ação que por omissão. Não quero ser inexoravelmente, sem arreglo, governado por alguém que não desejo, por alguém em quem há pouco menos de quatro anos depositei todas as minhas esperanças num futuro melhor para mim e meus compatriotas. Fomos traídos quando ele nos prometeu, e com uma desfaçatez impressionante, tergiversou e não cumpriu nada que estava simbolizado na sua mão calejada de quatro dedos que, para mim, era mais idealista do que a antecessora completa e eivada de autênticos brilhantes.

Não direi que o povo votará no próprio carrasco, como disse o próprio Lula quando perdeu a última para o FHC. Mas diria que sua reeleição será produto da mais pura farsa, de um engodo mirabolante empurrado de forma brutal e impiedoso nas goelas da maioria dos seus eleitores, os menos esclarecidos. Estes, em sua inocência, acreditam que o bolsa família é decorrente da mais criativa engenharia político/econômica. Não lhes é dado, claro, a chance de entenderem que pagarão (pagaremos) caro pela esmola.

A sinopse do horrível filme de terror que nos aguarda na segunda sessão assistimos por aí diariamente, e o mais terrível é que essa síntese está sendo interpretada como a mais sublime e emocionante história de amor, numa inversão de valores espantosa. A mansidão e a brandura da maioria que dá a Lula números generosos nas pesquisas decorrem do desconhecimento de que o Brasil navega em mares calmos, antes pela conjuntura financeira internacional do que pela competência do governo, que não sabe o que significa competência ou pensa que é apenas viajar em avião de US$ 60 milhões, comprar deputados e condecorar com a mais nobre honraria o tal do Severino Cavalcanti.

Nunca um presidente brasileiro foi tão beneficiado por tamanha estabilidade mundial. Ainda assim os criminosos juros reais “neste país” estão na estratosfera de 12% ao ano, contra 11% do governo anterior, que atravessou oceanos revoltos de crises e mais crises, como por exemplo a quebradeira da Rússia. Banqueiros brasileiros, podem crer, serão os mais ardorosos defensores desse continuísmo revoltante! Por onde anda a oposição, mesmo a do Enéias ou a da Heloísa, que não lê para o povo o que ele é incapaz de compreender? Cadê o PSDB, o PFL, que apostaram num Lula definhando até morrer em outubro? E boa parcela de pensadores, de intelectuais? Estariam purgando com o silêncio a furada do engajamento? Liguem não, errar é humano.

Este silêncio todo nos atordoa, como diz a música. E o pior e que atordoados não permanecemos atentos. Compreendam, e difundam que neste céu de brigadeiro econômico o Brasil deveria desfrutar de um crescimento de 7%, 10%, e não apenas se contentar em ser o penúltimo do mundo. Qualquer barnabé que honestamente desejasse governar para o povo e não para “a zelite” faria melhor. Bom Jesus do Norte mesmo, Calçado, Apiacá e o Espírito Santo como um todo estão bem graças a seriedade de Paulo Hartung com o auxílio do Governo Federal? Isso não é nada se considerado o cenário altamente favorável em que Lula surfa. Precisamos parar de nos contentar com pouco!

Publicado em fevereiro/2006