Beneficiando-me de cérebros alheios
Produzi um conto unindo pedaços de textos de outros autores com os meus próprios. O que vai abaixo é um esboço do “achado”, e até por isso, insípido, valendo, talvez, pela ideia. Quem sabe não produzo um best-seller, com a necessária originalidade paradoxalmente brotada de uma mente preguiçosa?

1) … CABELOS LONGOS iguais aos que José de Alencar, ao descrever Iracema, dizia serem mais negros que a asa da graúna, levemente ondulados. Batom vermelho-sangue, olhos claros, claríssimos, pele sedosa e alva como a face da manhã, um conjunto de perfeição física… /…Aproximadamente 30/35 anos, nessa fase da vida em que a aura de mistério das mulheres se torna mais irresistível e envolvente. Olhei-a; olhou-me. Senti-a; sentiu-me. Olhares profundos, dos que perpassam a alma. Muito tempo, mais de meia hora, olhos nos olhos, quase sem piscarmos. Viajei; viajou. Adrenalina pura. Limalha e ímã…
2) … SÚBITO UMA MÃO avançou sobre mim … / … Percorreu-me a fronte, os olhos, todo o rosto com doçura. Depois uma boca ávida se colou à minha … / … Minha mão percorreu sua cabeleira com tranças, uma fronte lisa, os olhos de pálpebras fechadas, suaves como amapolas. Minha mão continuou buscando e toquei dois seios grandes e firmes, nádegas amplas e redondas, pernas que me entrelaçavam, e mergulhei os dedos em um púbis como musgo das montanhas…
3) … ESTÁVAMOS FANTÁSTICA e divinamente sós; eu a olhava, rósea, polvilhada de ouro, encoberta pelo véu de meu refreado ardor … / … Tudo agora estava pronto, os nervos do prazer inteiramente expostos. Os corpúsculos de Krause entravam na fase de agitação frenética. A menor pressão seria bastante para abrir todas as portas do paraíso…
4) …MAS NÃO HÁ BEM que sempre dure, nem mal que nunca acabe. Louco de paixão, não percebi com o correr do tempo que a recíproca já não era verdadeira. Meu mundo desmoronou ao descobrir a perfídia: ela tinha outros homens. Uma noite prestei mais atenção naqueles grandes olhos verdes e os vi frios e inexpressivos. Nos lábios carnudos, minha sentença de morte: “está tudo acabado entre nós”, ela decretou. Então, conheci a dor e o desespero…
5) … UM DIA — era uma sexta-feira — não pude mais. Certa idéia, que negrejava em mim, abriu as asas e entrou a batê-las de um lado para outro, como fazem as idéias que querem sair…. / … A vida é tão bela que a mesma idéia da morte precisa de vir primeiro a ela, antes de se ver cumprida… / … A idéia saiu finalmente do cérebro. Era noite, e não pude dormir, por mais que a sacudisse de mim. Também nenhuma noite me passou tão curta…
Na manhã seguinte, um amigo escreveu:
6) …DO 86º ANDAR do Empire State Building… / … Robert Irskine olha o cenário vertiginoso… / … Lá embaixo, muito embaixo, a vida passa… / … A vida é tão pequenina que o prodigioso prédio subiu até o céu com todas as suas janelinhas… / … E o jovem Robert Irskine… / … atira um último olhar ao oceano distante, um derradeiro adeus aos arranha-céus vizinhos… / … E por fim, pula no espaço, sem asas e sem paraquedas… / … O que eu mais lamento no seu gesto, ó Robert, é você não ter levado nem um lápis e nem papel para registrar suas impressões de viagem… / … A causa dessa resolução pode ter sido a conta do alfaiate. Mas a culpa pode caber, também, a uma “girl” de olhos tão verdes e tão vagos como o mar contemplado lá de cima. As contas do alfaiate e os olhos verdes sempre perseguiram os homens.
BIBLIOGRAFIA
1) “Encontro” (Um dos meus próprios contos, publicado na Status 168, dezembro/2006).
2) “Confesso que vivi” – Livro autobiográfico do poeta chileno Pablo Neruda.
3) “Lolita” – best-seller de Vladimir Nabokov.
4) Eu de novo.
5) “Dom Casmurro” – Clássico de Machado de Assis.
6) “Suicídio em Nova York” – do bom-jesuense Romeu Couto, uma das 70 crônicas do autor selecionadas por Delton de Mattos e publicadas em livro em 2003.
Publicado originalmente em setembro/2010

