Aqui eu guardo meus escritos.

Obrigado pela visita.

Paternalismo

Cestas básicas, extração de dentes, remédios, sacos de cimento, dentaduras e até ataúdes (com seus respectivos 7 palmos e meio).
Estas e outras benesses que rendem votos são distribuídas pelos governantes às pessoas carentes, o que, pela falta de perspectivas e condições dessas pessoas constituem-se um mal necessário. Porque entendo ser o ideal que todos tivessem condições de prover o sustento por si sós, num país onde houvesse emprego abundante e seu povo boa saúde e boa educação. Este paternalismo tupiniquim, com enfoques quase sempre eleitoreiros é a azeitona no pastel dos indolentes. É o substitutivo da determinação e do esforço próprio; perverso porque neutraliza a capacidade de indignação; falso porque transveste-se de generoso para alcançar objetivos políticos que deveriam vir pela via da competência e honestidade; volúvel porque depende de interesses pessoais e sazonais de quem o oferta; injusto porque nem sempre contempla a quem dele realmente necessita.

Senhores do poder. Restaurem a dignidade do povo. Ensine-o a pescar concedendo-lhe um caudal de águas propícias. Verão como aprenderá rapidamente a manejar o caniço.

Publicado em fevereiro/1988

Arte?

É impressionante como a atual música comercial/descartável é ruim e apelativa (poucas exceções)! Mais impressionante a frenética adoração que as pessoas, especialmente as jovens, têm por estas caricaturas que beiram as raias do absurdo e do ridículo. Creio que se os controladores dos meio de comunicações audiovisuais tivessem vínculos culturais mais fortes, haveria como resgatar os legítimos representantes da arte musical, virtuoses da canção e da poesia como Djavan, Caetano, Milton, Chico, Gal e dezenas de outros mais. Enquanto estes fazem sucesso n’além fronteiras, nosotros vamos buchechando, rodando bambolês e encostando as bundas nas bocas das garrafas na presunção tolamente equivocada de que estamos fazendo arte!

Publicado em fevereiro/1998

Fome

Balzac dizia: “Atrás de cada fortuna há um crime”.
Jornal Nacional, 24/11/97: um “concerto” tenebroso e horripilante de vozes infantis a interpretar uma partitura de notas dissonantes pelo flagelo da fome, um canto de choro funesto igual nos filmes de Boris Karloff. Na despensa (?), um pouco de farinha de mandioca e alguns gramas de açúcar, únicos ingredientes para alimentar quatro crianças na mais tenra idade, uma das quais, de colo.
O que poderia acrescentar a este texto para, objetivamente, contribuir para corrigir a infâmia?
Aceito sugestões.
Publicado em dezembro/1997

As águas vão rolar…

O Carnaval, desde que foi introduzido no Brasil em 1641, sempre foi uma festa alegre e descontraída e que pouco a pouco fora consolidando identidade única até se transformar no maior evento cultural brasileiro. Principalmente nas grandes cidades, porém, a rígida organização dos festejos, em especial a dos desfiles das grandes escolas de samba empanaram a naturalidade com que se brinca o tríduo de momo. Valoriza-se exageradamente hoje o luxo desregrado, os equipamentos sofisticados. Tudo rigorosamente cronometrado, mecanizado, burocratizado demais para um evento cuja essência seria a natural expansividade humana.

Impregnada de artificialismos e de mastodônticos interesses comerciais, a festa momesca despersonalizou-se, tornou-se inacessível para o povão até porque a mentalidade higt-tech foi aos poucos descaracterizando os blocos e desmotivando os foliões de rua com sua antiga irreverência e criatividade. Salvo nos estados do Nordeste, com uma política inteligente de preservação da cultura nativa (frevos e maracatus a cada ano mais animados e vibrantes), o Carnaval no Brasil não é mais o mesmo.

De todo modo, trata-se ainda de uma oportunidade que as pessoas têm de esquecerem um pouco seus problemas e angústias nos três dias de folia, vivendo em fantasia, tanto no sentido literal como no figurado, seus anseios de liberdade e alegria. Brincando moderadamente, sem excessos, a festa é profundamente saudável a corpo e mente, porque é a catarse para as mazelas da vida e dos relacionamentos humanos conturbados.

…garrafa cheia eu não quero ver sobrar…

Autor: José Henrique Vaillant – Publicado em fevereiro/1998

Uma cidadã admirável!

Zilda Arns Neumann, médica pediatra e sanitarista brasileira, fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa

Como certas pessoas conseguem nos comover! Domingo, 15/8, TV sintonizada no Faustão, a Dra. Zilda Arns na tela. Fausto Silva, apresentador que vive considerando muita gente paradigma de alguma coisa boa, acertou desta vez. O rechonchudo apresentador, pra variar, enaltecia a dignidade, a integridade, a seriedade, a generosidade, numa cascata de adjetivos que direciona a muitos, só que naquele instante a uma pessoa que de fato os merecem: Dra. Zilda Arns.

O frio terrível que eu estava sentindo aqui não impediu que meu coração se aquecesse de imediato, e uma instantânea sensação de energia se apoderou de mim. Emanava do aparelho de TV uma aura de integridade moral e de solidariedade humana tão fortes que verti uma lágrima, destinando-a mentalmente junto com um beijo ardoroso àquela face que expressa de forma tão doce e linda o que há de melhor e de mais edificante na nossa espécie.

A admiração que tenho por essa mulher não é só pelo que ela representa ou faz, mas é sobretudo pelo modo meigo de me mostrar que eu também poderia ter representado e feito o que não fiz; ela me diz com o olhar enternecido que não havia obrigatoriamente a necessidade de eu possuir grandeza de recursos materiais para doar algo ao próximo além de uma esmola aqui e acolá. Ela me lembrou, encantadoramente sorrateira, que aquela criança do Lar André Luiz, o velho abandonado no asilo ou o enfermo no São Vicente poderiam ter tido de mim um motivo a mais que justificasse suas existências, ainda que fosse um simples afago.

Não é demasiado tardio, como a danadinha da dona Zilda me mostrou tão docemente, porém, perceber que além do meu próprio umbigo há um concerto de aflições a me rodear, e que posso e devo colaborar para a afinação de notas tão dissonantes num país deitado eternamente no berço esplêndido das injustiças e iniquidades.

Publicado em agosto/2004