Aqui eu guardo meus escritos.

Obrigado pela visita.

Templos religiosos

Quantos templos religiosos a gente vê por aí. Um cidadão aluga uma salinha, coloca lá um tablado e algumas cadeiras e pronto: mais um representante de Jesus na Terra devidamente creditado a defender o Seu santo nome e difundir Sua palavra. Tomando por base as Bom Jesus, imaginem a proliferação dessas casas de orações por todo o Brasil e esse mundão de pecados!

Conclusão: Nem só de pão vive o homem. E a falta do pão da Justiça, da igualdade, da esperança e da oportunidade para todos amplifica o bom verbo de autênticos pastores, mas também desperta a sanha oportunista dos falsos profetas.

Publicado em outubro/2009

Tragédia!

Meu sobrinho Leonardo se foi prematuramente, aos 23 anos, num acidente de automóvel ocorrido dois dias antes do último Natal. “Meu tio predileto”, era como Leo sempre se dirigia a mim, e eu retribuía: “Meu sobrinho predileto.” Sempre que nos encontrávamos ele adorava brincar sobre erros gramaticais comuns, principalmente as redundâncias. “Tio Zé, estava dando o ´acabamento final´ na minha moto”, disse-me pela última vez com um largo sorriso (marca registrada que nunca se apagava do lindo rosto), a propósito de uma atividade que lhe dava intensa satisfação: lavar e cuidar da motocicleta de forma tão metódica e minuciosa que beirava as raias do exagero.

Aguarde-me, sobrinho predileto. Quando eu também “subir para cima”, vamos “conviver juntos” novamente esse “elo de união” entrelaçado por carinho e admiração recíprocos. E por falar desse peralta que abusou da velocidade e deixou nossos corações dilacerados, penso que deveria ser proibida a fabricação de veículos cuja velocidade exceda as condições das estradas brasileiras. É incompreensível que se vendam bólidos que ultrapassam, brincando, 200 km/h para trafegarem, por exemplo, na rodovia Bom Jesus/Itaperuna, principalmente no trecho daqui ao Cruzamento.

É tentativa de suicídio com probabilidade de sucesso!

Publicado em janeiro/2013

Fe$ta de Ago$to: cobrar ingressos não é justo

Quando garoto, fato que mais me deprimia era a falta de dinheiro para ir ao Cine Monte Líbano vibrar com os djangos e os ringos. Ao campo do Ordem e Progresso nas tardes inesquecíveis de futebol, então, ficava deprimido. Membro de família pobre (muito), temperamento introvertido (sempre), nunca tinha a coragem de pular muros ou dar um jeito de burlar os bilheteiros, ações que meus amigos tiravam de letra, na maior naturalidade. Que raiva sentia de mim mesmo quando após horas de preparação psicológica, de ponderações mil, via aquelas duas mãos em concha (escadinha) rentes ao muro do estádio e a algazarra de vozes juvenis incentivadoras mas, ao colocar o pé no “cadafalso”, coração acelerado, suando em bicas, desistia melancolicamente na hora de atingir o nirvana, despertando xingamentos dos outros moleques.

Bom era quando meu pai Oswaldo Vaillant me dava uns trocados ganhos no ofício suplementar, porém lamentavelmente eventual de garçom do Aero Clube; curtia numa boa a arte de Chiquinho Maravilha, Baduca, Haroldinho e outros craques, assim como a saga de Clint Eastwood com sua pistola de seis balas que disparava 60 de uma só vez, pagando meus próprios ingressos com a dignidade de um lorde. Lembro disso e imagino mais sensibilizado a decepção de muitas pessoas, muitos jovens, que não puderam assistir aos melhores shows da última Festa de Agosto por falta de grana para a entrada.

Diabos, uma gente que já não tem quase nenhuma opção de divertimento ter de descolar R$ 20 na bilheteria, fora R$ 2,50 por uma lata de refrigerante, R$ 3 para deixar o filho se empoleirar por dois minutos num brinquedo, e outros tantos para a cervejinha e o tira-gosto. Por baixo, R$ 100 para um casal e dois filhos, numa única noite, apertando o cinto, economizando. E esses R$ 100 significam, para muitos cidadãos, cerca de 10 dias de trabalho, vejam só.

Recordo um caso — acho até que é piada — de dois amigos (mui amigos) e suas respectivas amantes que se encontraram no estacionamento de um motel. Cúmulo da coincidência: cada qual estava com a mulher do outro. Passado o constrangimento inicial, um deles diz:

— O certo é irmos embora, todos. Mas o outro retruca:

— É ruim, hein. Vocês já estão saindo, e nós, chegando.

Moral da história: nem tudo o que parece correto é justo.

A promotora do evento e proprietária do Parque de Exposição não age errado ao cobrar ingressos. Ela não é uma instituição de caridade e precisa apresentar resultados financeiros positivos aos seus cooperados. Se a empresa investe, tem de ter o retorno desse investimento, é elementar. Todavia, é injusto que se tire proveito de uma instituição pública centenária, como é a tradicional Festa de Agosto, para auferir lucros num negócio inteiramente diverso das suas atividades tradicionais, desculpem os que têm erisipela ou eriçam pelos ao encarar o contraditório. Usar este ícone, este emblema com seu forte apelo tonificado pela comunidade bom-jesuense em 143 longos anos me parece usurpação. É quase semelhante a um pintor de paredes que porventura usar a escada da prefeitura (de todos os cidadãos) para executar trabalho para si.

Ora, dirão alguns, exibindo laivos de justiça social, “teve atrações também para quem não pôde pagar.” Sim, teve, mas não minora o sentimento de discriminação. Embora meus 52 anos se incompatibilizem com letras e ritmos dessas duplas de bons-mocinhos e grupelhos que se destacam apenas pelos trajes sumários, é, como diz o bordão, “disso que o povo gosta.” Neste caso específico em que, repito, o apelo era a festa popular com todo o seu simbolismo e sentido cívico, as atrações deviam contemplar a todos por igual. Tragam lá o Roberto Carlos, a Britney Spears em março, novembro ou qualquer outro fora agosto e cobrem R$ 1 mil, R$ 2 mil, R$ 5 mil pela entrada. Vai quem quiser e puder, nada contra. Aliás, até aplaudo, precisamos de atividades e eventos culturais mesmo. Mas não privem o povo daquilo que é seu, no mês mais sensível à sua religiosidade e convicções cívicas: é autoritarismo disfarçado e segregação revelada.

Vejo tantos políticos (principalmente nesta época de “piracema”), tantos empresários, tanta gente influente tirando vantagem, de alguma forma, da festa. Será que as calcinhas da cor do luto (desconfio ser reflexo condicionado de respeito à morte da verdadeira arte) do showbiz são assim tão dispendiosas que não possa essa gente abonada enfiar as mãos nos bolsos recheados para uma vaquinha e propiciar os shows para todos? Que fim levaram as parcerias e os patrocínios? Um cínico eh, eh, eh pelo equívoco monumental de quem achar que esta minha cara vermelha tem a cor de convicção político/ideológica. Chico Buarque, de sua mansão parisiense a cantar loas a Fidel torceria o nariz se me conhecesse. Mas na “festa do povo”, se não puder calcinhas pretas para todos, sem distinção, que venham outras vestes mais modestas trazer alegria geral. O Divino Espírito Santo agradecerá esse lustro de igualdade e sensibilidade em seu cetro.

PS – A palavra inovação deveria ser a meta, a essência, o norte. Que tal acabar com esta simbiose de festa com exposição agropecuária, pondo fim à fusão da iniciativa pública com a privada? Está claro que esse modelo está desgastado, exaurido. A CAVIL promoveria sua Exposição fora de agosto, cobrando ingressos ou não; a prefeitura faria a Festa de Agosto sem ônus para o povo. Simples. Mas please, por obséquio, levando os shows para longe do centro da cidade. Como? Onde? Ah, já estão querendo demais!

Publicado em agosto/2006

Abaixo à pornografia; reabilitemos a poesia, acalanto do coração e da alma

Existiu em Bom Jesus um sujeito folclórico, apelidado “Sola Reta”. Pense num bambu. Pois é. Sola Reta não gostava das provocações inevitáveis ao seu porte e tinha o talento incomum de dar o troco com frases rimadas. O bullyng que sofria era tanto que mesmo as colocações não ofensivas eram, por assim dizer, captadas de mau sentido. Embora não agressivo, bem no espírito folgazão, que mesmo as “vítimas” de primeira viagem aceitavam numa boa, as réplicas eram invariavelmente obscenas.

— Sola Reta, Sola Reta.

Retrucava de imediato, em milésimos de segundos.

— Tua bunda me aperta.

— Perna de pau.

— Comi tua mãe depois do mingau.

— Escada para o céu.

— Te fodi pra dedeu.

— Tronco de palmeira.

— Tua mulher, puta rameira

— Como vai você?

— Meu pau tu vai querê.

— Cara feio!

— Te como todo dia, mas ontem você não veio.

— Seu time levou uma surra no Maracanã.

— Já curei a mágoa com a gostosa da tua irmã.

E por aí afora, mas muito mais bem elaboradas e complexas do que os exemplos acima, inventados agora, embora semelhantes ao seu estilo. Era mesmo um poeta criativo na seara pornógrafa.

Mais edificante seria se ele respondesse com pedacinhos, que fossem, de poesias:

— O que pensa da política, Sola Reta? A corrupção no Brasil é tanta…

— Cesse tudo o que a antiga musa canta/ que outro valor mais alto se alevanta.

— Amo tanto a Inez…

— Por minha quero ter-vos e não posso/ por vosso podeis ter-me e não quereis.

— Quanta violência! O que acha do retorno dos militares?

— Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!

— Sinto tanta dor, Sola Reta, tanta amargura.

— Só a dor enobrece/ e é grande, e é pura/ aprende a amá-la, que a amarás um dia/ então ela será tua alegria/ e será, ela só, tua ventura.

— Se uma loira te desse mole, o que você faria?

— Essa que eu hei de amar perdidamente um dia/ será tão loura, e clara, e vagarosa e bela/ que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela/ trazer luz e calor a est´alma escura e fria.

— E os políticos que prometem nas campanhas tudo fazer pela nossa gente?

— Mentem de corpo e alma, completamente/ e mentem de maneira tão pungente/ que acho que mentem sinceramente.

— Vou me mudar pra São João Del Rey.

— E eu vou-me embora pra Pasárgada/ lá sou amigo do rei/ lá tenho a mulher que quero/ na cama que escolherei.

— Casou como, Sola Reta. Você ganha tão pouquinho…

— Quadro paredes, uma cama e nada mais/ eram só o que consistia nosso ninho/ onde em ritmos e loucuras saturnais/ almas fundiam-se no ápice do carinho.

E assim por diante. Pena que tão poucos apreciam poesias, acalantos do coração e da alma.

Publicado em maio/2013

 

Bonjesino chorou incontrolavelmente pela cassação da prefeita de Bom Jesus/RJ

Buááááá, Buááááááá, chuif, chuiiiffff, if, if…

Que susto! Passava ontem em frente ao muquifo de Bonjesino, de fininho, evitando me encontrar com o brutamontes quando ouço a trovoada…, digo, a choradeira de volume tão elevado, tão entrecortada de soluços de tenor que me fez lembrar da expressão de Nelson Rodrigues: “de trincar catedrais.” Já dei a ficha deste amigo, coadjuvante imaginário em alguns dos meus textos, mas vale repetir que é um mulato de tamanho descomunal, simpático e bondoso. Além disso é ingênuo como uma criança, extremamente crédulo e apaixonado por Bom Jesus e os políticos da região.

Como dizia, eu passava em frente à sua casa, mas tinha compromissos e não podia jogar conversa fora, razão pela qual me esgueirava para que ele não me notasse. Porque, como sempre, teria de conversar interminavelmente com o velho amigo, depois escapar de ser morto por constrição, já que tentativa de assassinato, para ele, tem o nome de abraço. Mas, claro, não podia deixar de ver o que estava ocorrendo. Aproximei-me com passos apressados, transpus a única porta do barraco de dois cômodos e o vi sentado num banco feito de tronco de árvore, os dois braços cruzados sobre o peito, a cabeça encurvada neles.

— O que aconte…

Não deu tempo de completar a pergunta. O gigante deu um salto em minha direção, felizmente esquecendo do abraço; a ansiedade de falar era tão grande que o fez negligenciar involuntariamente as boas maneiras.

— Chefiaaaaa, buááááá…, humpft…, snifff…

— Calma, Bonjesino, que bicho te mordeu?

— Ah, chefia…, que desgraça! — falava e fungava de tal forma que pensei que ele fosse ter um colapso. — Cassaram a prefeita, chefiaaaaa… Cassaram ela, tadinha…, snifff, chuifff.

— Pare de chorar, Bonjesino, senão vou embora — ameacei, agora mais calmo após conhecer a natureza do problema.

— Ah, chefia. Ela não merecia…

— Que vergonha, chorar por causa de política… E afinal, Bonjesino, este choro está denotando uma contradição.

— Êpa, que contradição? — retrucou, as sobrancelhas já iniciando os primeiros traços de acento circunflexo invertido.

— Você não ama de paixão todos os políticos? Então? Assume outro no lugar dela e fica tudo bem.

— Perfeitamente, chefia. Entendi a malícia. Mas afirmo que todos os colocados, do primeiro ao último, estão perfeitamente aptos a nos governar. Todos, está entendendo, todos só aceitaram disputar a eleição depois que fizeram uma autoanálise, uma varredura minuciosa em seus íntimos e concluírem que cada qual tinha a capacidade de fazer o melhor pela cidade.

— Nenhum interesse pessoal? Sabe como é…, o salário é bom…, tem as mordomias…, tem a…

— Alto lá, seu jornalistazinho de meia-tijela. Alto lá. Que Deus não dê ouvidos às suas palavras maledicentes.

— Não seria a lesma lerda?

— Lesma lerda?

— Ahnn…, digamos…, todos eles não nos mandam ir tomate cru depois de eleitos?

— Tomate cru?

— Bonjesino, a ponte que caiu, você entende?

— Caiu onde?

— Baralho…

— Não gosto.

— O quê?

— Não gosto de jogar baralho. E para de mistério, chefia.

— Repito, Bonjesino. Se todos são bons, nada vai mudar, ô rapaz. O município vai continuar com esse intrépido desenvolvimento, mais um pouco e estaremos batendo a Noruega em nível de qualidade de vida.

O colosso levantou os olhos para cima à procura do Senhor, tornou a fitá-los nos meus e, com uma brandura desconcertante, tom professoral, disse:

— Chefia. Sua sorte é que até os condenados à morte contam com indultos dos governos. Nosso Senhor vai te perdoar tanta ironia.

— Responda, Bonjesino. Por que o choro, se outro monge carmelita irá nos conduzir pelos prados verdejantes do paraíso?

— É que…

Seu rosto se contorceu tal como os de crianças naquela careta que antecede o choro. Mas interrompi o novo vendaval que prenunciava.

— Vamos combinar…

— Tá bom. Não vou chorar mais — prometeu o gigante, passando o polegar e o indicador nos olhos e as costas da mão nas narinas para eliminar o fio translúcido de meleca que descia, sorrateira, até os lábios. Pigarreou e continuou: — Na realidade, chefia, não sei de quem tenho mais pena: se da prefeita, injustamente cassada, ou de quem vai entrar.

— Explique melhor.

— Quem entrar vai ter tanto problema até pegar o ritmo das coisas… Vai trabalhar tanto, coitado… Já ela…

— Tinha pegado o ritmo das coisas…, interrompi.

— Claro! Foram quatro anos, chefia. Quatro anos de sacrifícios. A mulher era um azougue. Pegava daqui, pegava dali…

Percebendo meu sorriso enviesado Bonjesino perdeu as estribeiras. Virou-me as costas e disse, seco, só faltando me expulsar literalmente:

— Boa-noite, chefia. Passar bem.

— Boa-noite, Bonjesino. Nada de chorar mais, hein? Já pensou se acontece como no período 2005 a 2008, em que tivemos nada menos que cinco prefeitos? De onde vai tirar tantas lágrimas?

Publicado em maio/2013

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