Vendem-se ovos. Serão os humanos do futuro todos belos e inteligentes?

Os incríveis avanços da ciência médica não causam mais espanto. Inseminações artificiais, clonagem de seres vivos, transplantes e implantes de pernas, braços, mãos, pênis, corações, pulmões, fígados, rins já são rotina. Li outro dia que a mais recente façanha dos cientistas foi ter dominado com eficiência a técnica de transplante de cabeça, e só não realizaram ainda o experimento por envolver questões éticas que terão de ser arduamente debatidas. Eu, no vigor da idade que dizem ser a do lobo confesso que não cheguei a me entusiasmar pela notícia com a mesma intensidade pela qual recebi a da descoberta do Viagra (não deduza apressadamente, com esse ar pervertido e irônico. É que um homem prevenido e confiante de comemorar o centenário tem de pensar no futuro), pois não posso imaginar a cara de um Tom Cruise a enfeitar um corpo de vasta quilometragem com esporádicas revisões.
No âmbito da reprodução humana chega agora uma novidade: lindas modelos abriram uma página na Internet oferecendo seus óvulos a qualquer espermatozoide, digo, a qualquer produtor de espermatozoides humanos que desejar um encontro de seus gametas com os óvulos das belíssimas mulheres, objetivando produzir seres humanos igualmente belos. Vejam a que ponto chegamos!
— Olá, sou o espermatozoide fulano, produzido por cicrano. Muito prazer.
— O prazer é meu. Sou o óvulo tal, propriedade da modelo beltrana.
— OK. Posso penetrar sua membrana e darmos forma a um…, digamos…, Leonardo DiCaprio, fase II?
— Claro. Mas já passou no caixa? Cadê o recibo? Aceitamos cartões…
Cedo, mais cedo do que se imagina, a mistura da tecnologia com a ambição material e vaidade desmedidas levará as pessoas a conviverem com situações cotidianas dignas da mais criativa ficção científica, quando a vida estará tão banalizada que será possível a comercialização de tudo quanto possa compor o corpo humano. Camelôs apregoarão:
— Aqui, madame, leve este par de seios. Olha só, durinhos, durinhos. Tem garantia de cinco anos contra “caída”, aceito pré-datado e a sra. ainda concorre a um nariz afiladinho zero Km.
— Quanto custa?
— Pra senhora…
— Tudo isso? Ali na esquina vi uns pela metade do preço. E eram novinhos mesmo, não iguais a esses aí, que parecem já levaram um amasso — ela pechinchava e continuava negociando. — Além disso, meu marido comprou ontem mesmo, olhe aqui a nota fiscal, um ovo já fecundado, veja bem, já fecundado pelo espermatozoide do galã tal no óvulo daquela estonteante atriz, por menos da metade. E ainda levou de brinde um pênis da melhor qualidade.
Foi o que bastou para o camelô perder as estribeiras e, claro, a venda:
— Pois a senhora enfia essas mercadorias sabe onde, sabe onde?
— Calma, calma. Deixa primeiro eu trocar o furico por um zerado, inteiramente pregueado, elasticidade a toda prova, que vou comprar naquela barraquinha ali, viu seu desbocado?
Finalizo: Bernard Shaw teria sido procurado por uma mulher que propusera ter um filho com ele, esperando que a criança gerada unisse a inteligência de Shaw com a beleza dela. O dramaturgo teria respondido: “imagine se nascer uma criança com a minha beleza e a sua inteligência?”
Publicado em novembro/1999


