Aqui eu guardo meus escritos.

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O gigante acordou e assusta a politicada. Que mande tentáculos para Bom Jesus e região

No início das manifestações em São Paulo fiz um texto condenando as depredações, a baderna, além de questionar os princípios de tão grande número de pessoas resolver brigar por causa do aumento de vinte centavos de Real no preço das passagens dos ônibus, enquanto políticos roubam bilhões e quase ninguém diz nada. Surpreendi-me muito positivamente depois com a continuidade da manifestação, que demonstrando fôlego para continuar mostrou que não se restringia a meia dúzia de bandoleiros (sempre há em qualquer movimento) e que os R$ 0,20 foram a gota d´água a romper o dique da gigantesca onda de indignação e revolta pelas circunstâncias de um país à deriva, cercado de vagas monstruosas de corrupção, incompetência, descaso, hipocrisia, megalomania, coisa e tal. Melhor: espraiou-se para os quatro cantos do país.

Censurei os valentes com coquetéis Molotov, pedras e bombas caseiras nas mãos, porque se violência e quebra-quebra resolvessem alguma coisa, a Terra seria o paraíso para os mais fortes fisicamente. Mas o que emergiu daquele casulo, inicialmente a meu ver purulento de bagunça pela bagunça, foi algo precioso, algo que parecia morto e sepultado, e que se mostra agora mais vivo do que supunha a vã filosofia da matreira política. Qual Fênix a ressurgir das cinzas, a indignação mostrou sua face jovial e bela, o descontentamento apresenta-se hígido, com brios de um Sansão de compridas madeixas, o conformismo se nutre de kriptonita e se transfigura em seu antônimo, sólido como aço. Demorou, mas veio, ardente como o vento do Saara a reação que, sem bandeiras políticas claramente definidas, aplica um duro golpe em todas elas. Aplica sobretudo às que se revezam há 10 anos, sejam tremulando no espectro de terra arrasada como protagonistas, ou coadjuvantes (na realidade todas, porque a rigor não há oposição com O maiúsculo).

Ficam com as caras abestalhadas até mesmo os papas da comunicação, os marqueteiros das agremiações partidárias nutridos a ouro em pó, incompetentes e incapazes, todavia, de preverem que o pessoal do mundo virtual estava prestes a tirar o traseiro da cadeira e os olhos nos facebooks e se materializar no mundo real. Está sendo um pandemônio! Políticos de variados matizes olham-se aparvalhados, perplexos, como passageiros de um Titanic de dimensões planetárias que acaba de colidir com um rochedo de gelo. Nestes momentos cai a empáfia — que os eleva ao altar da imortalidade — e se instala o pânico, a certeza nua e crua da fatal mortalidade.

Ainda que mais nada aconteça, uma transformação se fez no país. Nada mais será como antes, o espectro das redes sociais rondará como zumbi as cabeceiras do entourage político e despedaçará cada fibra da sensação de impunidade e pequenez de princípios éticos. Pensei que morreria sem desfrutar tal satisfação, que será ainda maior se puder presenciar algo semelhante em nossa microrregião, que vem merecendo, há décadas e décadas, um sonoro e retumbante BASTA!

Publicado em junho/2013

O imposto do sonho

Paga-se para nascer, viver e morrer. Impostos, taxas, contribuições. Paga-se tudo, exceto o ar que se respira, ao menos por enquanto. Mas não está longe a época que se pagará também por este elemento vital. Já estamos chegando lá, e a maior prova é que atualmente já estamos pagando para… sonhar! Mega-Sena; Super-Sena; Quina; Loteria Esportiva; Loteria Federal; Raspadinha, explorados pelos estados e pela União; Tele-Sorte, Tele-Sena; Papa-tudo; Bingos; sorteios diversos, explorados pela iniciativa privada, especialmente pela mídia televisiva, fazem parte dos chamados jogos legais. O jogo do bicho; cassinos; briga de galos e outros animais são os ilegais.

Além dos citados acima ainda existem inúmeras modalidades de jogos que a imaginação humana concebeu com a finalidade de explorar seus semelhantes. O Brasil é o quarto país do mundo em movimentação de bilhetes de jogos e o décimo em arrecadação. No ano passado, a arrecadação ultrapassou a casa dos 2,5 bilhões de reais, isto somente com os jogos considerados legais. A CEF, detentora de mais de 95% da exploração do jogo, tornou-se uma instituição especializada na arte de faturar em cima dos devaneios do povo, agravados pela falta de perspectiva e pelo arrocho sem precedentes patrocinado pelo Real. É uma instituição que realiza sua função social às avessas, muito morosa e burocrática, além de ineficiente com a política habitacional, porém extremamente serelepe quando se trata de tirar o suado dinheiro do povo através dos jogos.

Incontáveis as vezes que ela mudou as regras dos jogos, sempre de olho cada vez mais gordo no aumento da arrecadação. Em cada mudança ocorre um fenômeno cada vez mais sórdido, pois ao contrário do comércio, onde um produto que sofra aumentos de preços tem a tendência de vender menos, no caso dos jogos tem um efeito duplo no crescimento do valor arrecadado, porque como o prêmio fica maior, as pessoas tendem a apostar mais. De olho nesse filão inesgotável entraram a iniciativa privada, clubes e associações. Muitos, inconformados com a perda do lucro fácil proporcionados pela inflação alta, ou pela incompetência operacional, resolveram lançar mão da pilantragem para poder sobreviver, inundando o Brasil das mais variadas modalidades.

Na TV aposta-se de tudo pelo telefone, desde resultados de futebol até a cor da calcinha da Carla Perez. Tudo por módicos R$ 3 — que vêm incluídos na sua conta de telefone. “É uma moleza… Ligue, ligue, se você não ganhou agora vai ganhar na próxima” e, digo eu, só se for o “que a Luzia ganhou atrás da horta.”

Ironias à parte, o problema é sério. A verdadeira lavagem cerebral que a mídia patrocina é uma sandice. O jogo desvirtua os valores morais, deteriora os alicerces da cultura do trabalho que deve ser o único caminho para se ganhar dinheiro. O “imposto do sonho” para muitos é alto e de calamitosas consequências: costumam ser cobrados, às vezes, emprego, projeção social, bens materiais, desmoronamento familiar e até mesmo o suicídio. E convenhamos: jogar não vale a pena, pois a chance que se tem de ganhar, por exemplo, num milhar do jogo do bicho é uma em dez mil. E olha que essa é uma das modalidades consideradas mais fáceis entre as inúmeras opções que as velhas raposas, com suas bochechas coradas de tanto sugar o sangue alheio, colocam à disposição dos incautos.

Publicado em março/1997

Natal e hospital rimam. Ou, notas pessoais nevoentas na transição 2002/2003

Não sei o que há comigo, mas não gosto de natais. Em todos fico deprimido e encaro os rituais de forma mecânica e por honra da firma, ou melhor, da tradição, que não é de bom alvitre contrariar. Este, no entanto, se superou em me deixar melancólico. Uma manchinha vermelha na perna direita apareceu no dia 22/12, do tamanho da cabeça de um alfinete, e, pequerrucha infausta, tive de me internar no São Vicente dois dias depois com prognósticos sombrios e cenho franzido do médico. A cabecinha de alfinete se transformou em 48 horas numa ferida com o diâmetro de uma moeda de R$ 0,25, preta que chegava a reluzir, irradiando uma onda vermelha de irritação (princípio de erisipela, me disseram) que ia do joelho ao pé. A ferida podia ulcerar e permanecer aberta por todo o sempre, lembrando as de alguns pedintes que ao menos encontraram uma forma de lucrar com a própria desgraça.

Fiquei eu, então, ouvindo ao longe os sinos pequeninos de Belém num quarto do São Vicente, muito bem assistido e dignitário das melhores atenções e dos mais eficazes antibióticos, pensando com simpatia incomum no chester e nas rabanadas. Em dado momento recebi a visita do amigo Damoita, ex-jogador de futebol que, pelo uniforme de prisioneiro e um cabo de vassoura ao ombro sustentando um frasco de soro logo compreendi que também era vítima de uma maldição em forma de grave crise vesicular.

Saímos ambos a tempo de comemorarmos em família a passagem do ano, devidamente curados e sinceramente determinados a nos livrarmos enfim de nossos vícios (eu, do cigarro, ele, da bebida.) Estou há mais de mês sem nicotina; ele assegura estar pelo mesmo período sem o álcool. E certamente nossos natais, daqui em diante, terão um colorido mais especial, espero.

Publicado em janeiro/2003

O que é um banco?

BANCO, pra mim, significa “Benfeitores dos Aquinhoados e Nobres. Calvário dos Oprimidos.” Inventei isso aí depois de pensar: rico entra em fila de banco? Pobre consegue empréstimo? Rico tem fundos de pensão, e pobres, tem fundos na conta? Quem vai primeiro para a lista negra? Quem tem mais chances de sair de lá? Existe banqueiro pobre, mesmo os que perderam seus bancos? Quem paga a mordomia deles? Rico exige remuneração pelo seu dinheiro depositado; pobre também? Rico quer construir uma mansão, pobre quer um
barraco. Apelam ao banco. Quem tem mais chances? Rico emite cheque sem fundos, pobre também. Quem é o estelionatário e quem é o “distraído”?

Falando sério. Nas décadas de 1970, 1980, a Informática praticamente inexistia. Engatinhava-se em meio àquelas máquinas gigantescas de imensos rolos e pilhas de formulários contínuos, onde os valores depositados ou sacados eram anotados manualmente. Que trabalhão! As filas que se formavam eram, por assim dizer, naturais. O tempo necessário para a compensação de cheques e outros papéis (às vezes 10 a 15 dias) também se justificava pela tecnologia primitiva e rudimentar.

Atualmente clonam-se seres vivos. Pode-se papear em tempo real através do telefone celular com quem esteja no topo do Kilimanjaro. A internet aglutinou o mundo e banalizou a distância; pululam os satélites artificiais, pode-se obter a cópia de imediato de um documento de uma pessoa que esteja no interior do Casaquistão. Só não se pode transformar em dinheiro no ato um cheque de Itaperuna, depositado em Bom Jesus, senão 24 ou 48 horas após o depósito. Por que será?

Se temos de efetuar transações em três bancos diferentes, especialmente às segundas-feiras, vésperas ou pós-feriados, podemos dar adeus ao dia. Perdemo-lo em filas quilométricas, irritantemente lentas, desarmônicas com o espantoso progresso tecnológico que o homem logrou obter. Quer dizer, as filas de hoje são mais cruéis do que as de três, quatro décadas atrás, porquanto aquelas eram geradas pelos procedimentos manuais, lentos; as de hoje são frutos do descaso e da ganância. Economiza-se em pessoal ao extremo, pouco importando o sofrimento do usuário. Não se justifica a ausência de caixas em quantidade suficiente para atender a demanda.

É o cúmulo do absurdo, por exemplo, um funcionário sair para o almoço em hora de movimento intenso e não haver quem o substitua e evitar solução de continuidade. Em um dos bancos aqui de Bom Jesus chega-se ao paroxismo da desconsideração para com o povo, de se deixar, em determinados momentos, apenas dois caixas funcionando: um para os miseráveis, cuja fila chega a fazer cobrinha e outro para os clientes especiais. Um descalabro, uma afronta!

Se os digníssimos gerentes das agências me permitissem sugestão, pediria que atentassem melhor para a questão das filas, vexatórias num país civilizado. Sei que exercem sua função com dificuldade, têm a autonomia restrita e não são de forma alguma os responsáveis pela política de maximização dos lucros em detrimento da qualidade do serviço. Mas, pelas barbas do profeta, será que nem ao menos podem efetuar um remanejamento interno de modo a assegurar mais caixas nos dias e/ou horários de pico?

Humanizem suas agências, senhores. Se isso não estimular a migração de mais alguns Reais dos colchões aos cofres dos seus bancos, ao menos materializará a fidalguia que os senhores têm ou deveriam ter com quem, em última análise, são os provedores dos seus salários.

PS – Aos senhores banqueiros, um apelo: não devorem todo o PROER que saiu a fórceps de nossas entranhas, já nos estertores. Deixem um resíduo, uma migalha que possa servir ao menos para os oferecer um cafezinho enquanto encaramos as odientas filas, não merecidas.

Publicado em junho/1999

Os médicos parecem feitos de aço

“Entre abogados te veas”. Esta é uma praga antiga que se roga, em castelhano, a um desafeto. Criaram a imprecação porque alguém precisar de advogados é porque está em apuros: tanto apuros propriamente quanto o apuro de ter de arcar com normalmente altas despesas advocatícias. Os médicos são outra classe com a qual ninguém quer se envolver, mas desde o momento em que se é fecundado necessita-se deles. Quanto a estes, quem sabe as geleiras antárticas não foram inspiradas em seus temperamentos, e a expressão “estritamente profissional” advinda da impassividade com a qual executam o seu ofício, que muitas vezes é o elo entre a vida e a morte?

Até que essa frieza dos médicos em certo ponto é positiva. Já delirou ao imaginar se fosse diferente? — Buaáááá. O senhor, hic, hic, tem um câncer, chuif, chuif. E é sério, buááá — diria o médico entre lágrimas e soluços ao seu cliente. Só que não precisam exagerar na indiferença, que julgo ser para não impressionar e abater ainda mais o paciente com a trágica notícia. — Deixa ver, hum, hum. É tumor. Um melanoma carcinoma filhodaputona…, hum, hum, bem no intestino, veja só onde o puto se alojou — diria o médico com ar de indiferença similar ao de FHC em relação aos brasileiros, para arrematar com a orientação crucial para o trêmulo doente, mas, para ele, médico, como se fora uma receita gastronômica trocada entre comadres: — O senhor vai me trazer estes exames: fezes, urina, sangue, saliva, esperma, suor, lágrima, chapas de raios x, y, z, tomografia computadorizada, eletrocardiograma, radiograma, cabograma, etc. Vamos extirpar, a quimioterapia o senhor vai tirar de letra.

Não passei por esse dissabor, mas os meus 46 já começam a deixar patente a necessidade de visitas mais constante aos doutores (não fique com esse risinho enrustido, jovem leitor, você ainda chega lá). Agora mesmo fui fazer o tal do preventivo. Aliás, um aparte para esta palavra. Preventivo. Ela não soa um tanto pejorativa, não parece designar coisa de mulher? Deviam achar um termo másculo, forte, como por exemplo porradanografia, testorenismo, sei lá, algo menos degradante, mais condizente ao nosso peculiar instinto de macho alfa.

Mas dizia eu do preventivo:

— Olá, doutor — entro com um sorriso meio constrangedor no consultório e sou recebido com gentileza e simpatia profissionais que me deixam logo à vontade.

— Quarenta e…

— Seis — complemento.

— Ótimo, ótimo. Já passa um pouquinho, todo homem deve visitar um urologista após os 40, mas ainda está em tempo. Alguma queixa em especial?

— Sabe, doutor, vim pelo tal do preventivo e, por que não dizer…, como direi… — respiro fundo e digo de um só fôlego: — preciso reaver a velha flama que sinto pouco a pouco se arrefecer. Sabe, nada extraordinário, ainda funciono sem incidentes, mas o esforço para manter a regularidade tem sido maior.

— Oh, oh, oh — faz ares de muxoxo o esculápio. — Isso é natural. Primeiramente vamos dar uma olhada na sua próstata.

— Ahn?, reajo com um olhar estatelado. — Olhada com o olho ou com o quê?, relembrando com pavor de quando, aos 18, pegara uma venérea braba. O dedo robusto do médico fazia evoluções como se estivesse batendo massa de bolo. Naqueles momentos eu confessava tudo: “matei o Ghandi, o John Lennon e também joguei a bomba no jardim de infância”. Mas sua resposta afasta o pesadelo.

— Não, ah, ah, ah. Toque ainda não. Só se for necessário, se os exames mostrarem algo anormal. Mas veja, isso é tão rotineiro…, tão tranqüilo…

“Tranqüilo pra você doutor”, quase me escapa a observação e o arremate: “que é o fabricante das estrelas mas não o que vê a constelação. No dos outros é refresco, né?”

Em meio à batelada de exames prescritos, um deles elucida quão impessoais são as relações entre os profissionais da Saúde com os pacientes. É o tal do espermograma.

— Este também?

— Sim.

— E como colher o material, pode ser em casa?

— Não. O laboratorista estará te aguardando no laboratório pra ver os bichinhos ainda vivos.

— Mas…, então, tenho de…

— Isso mesmo. No banheiro do laboratório você tem que… — mostrava a mão fechada subindo e descendo repetidas vezes, com um olhar irônico.

No dia do exame, lá estou no laboratório, suando frio e com uma invulgar frieza com as imagens do sexo feminino que me vêm à mente. Uma mulher madura, loura, bonita, gestos refinados, mas igualmente muito profissional me atende.

— O espermograma? Pergunta com o tom normal de voz no salão de espera lotado de gente.

— Sim, respondo timidamente.

— O senhor vai ter de aguardar porque o doutor que vai analisar seu material está numa emergência.

Algum tempo depois ela reaparece com um vidro de maionese enrolado em toalhas de papel.

— Senhor, pode colher o material. O doutor está esperando.

Intuí que ela queria pressa, o serviço naquele dia fervilhava. Percebi também que alguns olhares se dirigiram momentaneamente a mim, inclusive os de umas mocinhas que começaram a cochichar entre si com uns risinhos contidos. No banheiro, às 10 da manhã, o sol tórrido do verão entrando pela báscula mudava meu suor de frio para quente, e bem molhado. “Diabos”, pensei. “Este não é exatamente um local apropriado para isso. Nem uma cortina para produzir uma penumbra, uma Playboy esquecida estrategicamente num canto, nada. Esses caras não têm sentimentos! Mas não podia perder tempo em elocubrações. O médico esperava, certamente já impaciente pela demora. Enfim, serviço realizado, Deus sabe como, mas miraculosamente realizado.

Felizmente o resultado dos exames me livraram da terrível dedada (apesar de sugerir a necessidade de uns remedinhos, que ninguém é perfeito), mas nunca imaginei que a transa com minha vizinha deliciosa tivesse de ser em ambiente tão hostil!

Publicado em outubro/2000