Aqui eu guardo meus escritos.

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Noite feliz…, para alguns

Alguns leitores discordam do que escrevo e de como escrevo. Reclamam do meu espírito sorumbático por escolher temas às vezes pessimistas e áridos, bem como dos termos rudes e com enfoques críticos. Estes leitores gostariam de poder ler algo mais ameno e otimista, justificando-se que a vida já é tão rude, difícil, e minhas palavras contribuem para deixá-la pior. Pensando agradar estes leitores, esforcei-me em escrever algo mais light, mais “pra cima”.

Contudo, o resultado foi catastrófico, razão pela qual creio tê-los perdido definitivamente. Explico: é que resolvi escrever sobre as festas de Natal e Ano Novo. Há algo mais pungente e agradável? E comecei assim: Aproximam-se as festas de Natal e Ano Novo. São épocas de mesas fartas, bebidas em profusão, emoção à flor da pele no contato com parentes e amigos, no exercício mágico de dar e receber presentes, na alegria contagiante e desmedida pelo redespertar da fé. São momentos propícios a nos despirmos de egoísmos, invejas e ambições, com mentes e corações receptivos a todo e qualquer gesto de carinho e amor. (Neste momento tive uma recaída e vejam como fracassei no meu intento de escrever coisas alegres.)

Pensando bem, prossegui, nem todos têm a mesa farta, e sem medo de soar ridículo o trocadilho infame, milhares, milhões de brasileiros não têm sequer a mesa, e em seu arremedo, ‘farta’ tudo. Generalizei ao falar de corações carinhosos, mas não devo me esquecer das miríades de exceções, como é o caso de crianças que suplicam a Papai Noel uma bicicleta, mas só o que recebem de seus papais covardes são hematomas causados por bofetões instigados pela demência etílica e à ignorância no decorrer de todo o ano.

Como articular argumentação destituída de críticas quando nossos garotos de Harvard nos presenteiam antecipadamente com um pacote de gosto duvidoso, cujo conteúdo é recheado de estagnação, recessão, desemprego, falência e mais fome? E as desigualdades? Cada vez mais iguais. Ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres, remediados para o espaço, antes, porém, pagando seus impostos astronômicos retidos na fonte.

Bem, leitores que acabo de perder, enquanto vocês fazem ouvidos moucos para os soluços de desespero dos oprimidos, dos espoliados sem teto, sem terra e sem esperanças, regozijando-se nas onerosas festas, nos lautos banquetes e rega-bofes, nos belos carnavais e nas vitórias do Flamengo, terão pavimentado o caminho em que continuarão transitando livremente e cada vez mais célere as injustiças e as desigualdades. Depois é só se cercarem de grades e cães de guarda, belo negócio!

Mas se por acaso, ex-leitores, vocês resolverem encarar a realidade e se solidarizarem um tantinho, aqui vai uma dica: uma boneca doada a uma criança carente já é um bom começo. Pode ser uma ordinária, já que as Barbie’s foram feitas para nossas filhas. De minha parte lamento tê-los decepcionado mais uma vez e temo não poder me corrigir. Não tenho vocação para colarinho branco nem dou sorte em jogos da loteria, daí não reunir condições de me mudar para a Suíça, lugar paradisíaco a inspirar artigos mais otimistas. Afinal, o que os olhos não veem…

Publicado em dezembro/1997

O último dos Moicanos

O provérbio chinês “sempre fica um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas cai como uma luva em Pedro Teixeira. Escritor e historiador calçadense, é talvez o último dos Moicanos de sua geração a lidar com tema tão exigente de pesquisa documental, determinismo, seriedade, credibilidade. Suas mãos são impregnadas pelo perfume das flores, que nos ofertam sob a forma da valorização do passado, e do registro o mais fidedigno dos atos, fatos e das coisas pretéritas.

Em livros onde o tato não faz sentir o papel inanimado, mas algo muito vivo e palpitante, suas mãos tecem sempre palavras de fácil entendimento, frases simples, com objetividade cirúrgica. Ler Pedro Teixeira tem se tornado para mim, e certamente para todos os que são seduzidos pelas origens, motivo de enleio. Como disse o presidente da Sociedade Pro-Apiacá, Carlos Alberto Silveira Rangel, que prefaciou seu último trabalho “Apiaca – a história de um povo e sua terra capixaba”: “Pedro não se deixa levar pela tentação de parecer erudito
para impressionar o leitor, preferindo usar uma linguagem clara, de fácil entendimento, o que empresta ainda mais credibilidade às suas obras.”

Notável seu trabalho de pesquisa, a perseverança nos projetos, a paciência na garimpagem dos papéis amarelecidos que o ajudam a recompor o passado, como se vê nas páginas desse “Apiacá…”; no “A saga de uma raça capixaba”; em “Nossa terra, nossa gente, nossa historia”; “O último carro de boi da Vila do Calçado”, entre outros já publicados, assim como se verá no “Memorial histórico e político das duas Bom Jesus”, em “Nossa terra II” e mais alguns na cabeça, ratificando o seu delírio criador.

A seleta de fragmentos, ao se transformam em compêndios, nos oferece referências cronológicas completas e qualitativas, com começo, meio e fim, um puzzle complexo que exige do autor prolífico muita tenacidade e amor pelo que faz. Pedro Teixeira, a exemplo de Hawkeye, que lutou bravamente pelos princípios da tribo Moicana, também luta para que os seus possam conhecer melhor a própria identidade e assim atribuir-lhe o justo valor, que é maior do que se pensa.

Publicado em julho/2001

Taça de fel?

A conquista de uma Copa do Mundo inebria o espírito despertando o sentido ufanista anestesiado pelas vicissitudes de um povo. O périplo da Seleção Brasileira em terras asiáticas, com o show que nossos craques prometem proporcionar, especialmente o estilista Ronaldinho podem trazer a quinta Copa para honra e gáudio dos brasileiros. Tomara que tragam. Se os gols vierem na proporção desejada serão mecanismos catalisadores de angústias e decepções de uma geração apática pela falta de perspectivas, constituindo-se os breves momentos vitoriosos, tão mágicos quanto efêmeros, em feitos positivos aos cidadãos na medida em que proporcionaria uma catarse coletiva de há muito necessária e justa.

Por outro lado, o galardão dessa possível conquista pode se tornar malévolo se não se souber administrar os sentimentos de euforia, permitindo que ultrapassem o terreno estritamente esportivo, influenciando indevidamente outros aspectos da vida nacional. Incongruente é, por exemplo, que se deixe entorpecer os sentidos pela vitória no campo esportivo em detrimento da luta pela conquista de uma vida  digna; que seja ofuscada ou enfraquecida a capacidade de mobilização na busca de mais justiça social pelo enleio de rápida transição que o ópio do futebol propicia; que se permitam aos oportunistas de plantão capitalizar o presumível árduo triunfo dos atletas em dividendos políticos, como certos expoentes do poder que se arvoram na auto-intitulação de “pés-quentes”. Por essas e outras é que os cartolas do esporte declararam que a copa de 1998 deu prejuízo do grosso à CBF, mas que esse era um detalhe insignificante frente à “importância” da obtenção da taça que, por sinal, não veio naquela oportunidade.

O preço que cada brasileiro paga, goste ou não de futebol, é proporcionalmente alto, muito alto até mesmo por um laurel da magnificência de uma copa mundial. À parte os mastodônticos custos com atletas, comissão técnica, convidados, estadias, traslados, “jabás” e as demais mordomias de praxe (até mesmo possíveis sonegações alfandegárias como ocorreram em 1994), os custos indiretos são incalculáveis. A começar pela excessiva e desnecessária massificação dos noticiários de toda a mídia, que ao longo dos cerca de 30 dias de disputa são dominados por assunto único, comprometendo a capacidade de discernimento das pessoas pela ausência das demais notícias do seu cotidiano, até a incrível abstinência ao trabalho, notadamente em dias de jogos em que a equipe brasileira participa, mais uma brutal paralisia festeira das tantas que já estertoram uma nação pobre e combalida.

É necessário, portanto, algum comedimento e certos limites ao se atribuir o valor das conquistas esportivas, a fim de que não venhamos todos, sem exceção, tornarmo-nos bonifrates de uma esfera manuseada magistralmente (hoje nem tanto) pelos jogadores brasileiros, às vezes, porém, a serviço dos nossos fantasmas.

Publicado em abril/2002

Consulente

João Ubaldo Ribeiro anda sempre reclamando, de forma bem-humorada, que só por ser escritor as pessoas julgam que ele sabe tudo e congestionam sua caixa-postal eletrônica com as mais variadas e inusitadas solicitações de aconselhamento da vida cotidiana. Reles escrevedor, não recebo cartas assim. Aliás, não recebo de nenhuma espécie, quanta sacanagem, quanto preconceito, quanta segregação. Enciumado, inventei algumas.

Ei-las:

Escrevo esta para reclamar do esgoto empossado na minha cidade. Em todo lugar que passo é esgoto por todo o canto. Gostaria que o senhor publicasse esta reclamação para ver se tomam providências.

Referir-se a esgoto empossado, assim, com “ss”, me parece que você é paulista, da capital, se é que me entende. Além do mais, todos sabemos que não há solução para esse tipo de problema. Esgotos empossados não são novidade no Brasil, especialmente porque nós, eleitores, nos empoçamos com “ç” em nosso comodismo e não mandamos o fedor para o diabo que o carregue.

Em todo o caso, vou lhe dar um fiapo de minha generosidade intelectual: aconselho-a não se mudar para Brasília.

José Henrique. Você é o remédio que vai curar minha indecisão. Sou aqui de Bom Jesus do Norte e estou com uma dúvida atroz. Em quem devo votar para prefeito de minha cidade nas próximas eleições?

Observação importante para que se entenda minha resposta ao consulente. Três eram os concorrentes: Toninho Gualhano, Ubaldo Martins e Dayse Batista.

Meu querido indeciso. Se você for se igualhano às pessoas conscientes e votar, estará exercendo seu dever de cidadania, da mesma forma se estiver preocubaldo com o crescimento de seu município e tiver fé em Deusy de que as coisas mudarão para melhor.

Não sei se devo aumentar meus seios com silicone. Está na moda e fica tão bonito…, meu marido ia adorar. O que você aconselha?

Não aconselho fazer isso, a menos que os seus sejam os chamados muxibas, está entendendo, os que não resistem à força da gravidade. Mulheres que botam silicone aqui, botam acolá, ficam mais parecendo bonecas infláveis que se compram em sex-shops, uma coisa sem graça, artificial, forçada, um horror!

Os mais bonitos, na minha opinião, são ainda os trabalhados pela sábia natureza, que os fez de tamanhos e formatos diferentes exatamente para não quebrar o encanto das comparações. O máximo que a padronização disponibiliza são modelos e características: 8 kg.0; resistência a vazamentos; tantos anos de garantia de manutenção da verticalidade; totalmente à prova de rejeição por parte dos bebês, essas coisas.

Meu vizinho gordo e patusco bolou uma ideia, para ele genial, que promete revolucionar o mercado da peitaria siliconizada. Trata-se de uma válvula engenhosa, que permite esvaziar e encher. As válvulas permitirão às mulheres, especialmente às que gostam do estilo “melancia” dormirem de bruços, sossegadas, livres do pesadelo de um estouro acidental. Não é o máximo? Mas eu não aconselho botar silicone em quantidade alguma, cara consulente, até porque mascar chicletes não é exatamente o passatempo predileto de adultos, pegou o espírito?

Ah, José Henrique, ontem conheci uma mulher incrível, um avião! O problema é que ela me ignora total e solenemente. Dá uma ajudinha, meu guru.

Primeiramente, nada de “você é a nora que minha mãe sonha”; “agora sei onde aquela estrela caiu”; “a cal da minha massa”, e besteiras assemelhadas. Mas a dica principal, meu caro consulente, é descobrir se a fruta que você gosta ela não come até o caroço.

Meu marido não tem me procurado mais. Estou desesperada e não sei o que fazer, ando nervosa e aflita porque o que antes já era raro agora acabou de vez. O que fazer? Eu preciso tanto…

Tente gemada. Dê ao seu marido duas vezes ao dia. Se não funcionar, tente garrafadas, aquelas que contêm afrodisíacos inimagináveis. Tente amendoim, ovos de codorna, guaraná em pó, essas coisas. Se ainda assim não resolver, tente mudar a rotina. Vista uma lingerie bem bonita, tente-o a se lembrar dos bons tempos, daquelas fantasias, aquelas loucuras. Negativo ainda? Tente medida radical, então: o Viagra. Nada? Hum, hum…, deixe-me ver…, ah, me poupe. Tente o vizinho.

Publicado em junho/1999

Paternalismo

Cestas básicas, extração de dentes, remédios, sacos de cimento, dentaduras e até ataúdes (com seus respectivos 7 palmos e meio).
Estas e outras benesses que rendem votos são distribuídas pelos governantes às pessoas carentes, o que, pela falta de perspectivas e condições dessas pessoas constituem-se um mal necessário. Porque entendo ser o ideal que todos tivessem condições de prover o sustento por si sós, num país onde houvesse emprego abundante e seu povo boa saúde e boa educação. Este paternalismo tupiniquim, com enfoques quase sempre eleitoreiros é a azeitona no pastel dos indolentes. É o substitutivo da determinação e do esforço próprio; perverso porque neutraliza a capacidade de indignação; falso porque transveste-se de generoso para alcançar objetivos políticos que deveriam vir pela via da competência e honestidade; volúvel porque depende de interesses pessoais e sazonais de quem o oferta; injusto porque nem sempre contempla a quem dele realmente necessita.

Senhores do poder. Restaurem a dignidade do povo. Ensine-o a pescar concedendo-lhe um caudal de águas propícias. Verão como aprenderá rapidamente a manejar o caniço.

Publicado em fevereiro/1988