Aqui eu guardo meus escritos.

Obrigado pela visita.

Acordes, criatura, para a vida!

Contemplando esta terra entristecida,/
veem-se mágoa, tristeza e abandono./
E sua gente tanto jaz entorpecida,/
a dormir na prostração o tredo sono!/

Acordes, criatura, para a vida!/
Sejas tu apenas teu lídimo dono./
Não mais permitas que a façam desprovida/
da honra e glória em seres tu teu só patrono./

Não durmas, não te tornes vulnerável/
à vil peçonha de políticos abjetos;/
sê leal a ti, aos teus filhos e aos teus netos./

Assim serás partícipe formidável/
da ética resgatada nos vinhedos ressurretos/
e encontrarás o melhor dos teus trajetos!/

Produzido em data incerta

Registrando um sonho em seis sonetos

 

Aos 19 de fevereiro do corrente ano./
Agnosticismo meu, latente, confrontado,/
conto-lhes (fiquei deveras intrigado)/
este sonho estilo kafkaniano./

Um domingo. À sesta. Calor “saariano”/
em Calçado. Ventilador na máxima ligado,/
Morfeu estende os braços e me faz subjugado./
Desligam-se os reatores e o sono vem, draconiano./

Subitamente o cenário monocrômico, indefinido:/
em Bom Jesus, na moto, a não sei quê impelido./
Era noite. E tomei a rodovia. Ato arriscado!/

A moto toda apagada, constatei, esbaforido./
Até os faroletes, farol, tudo comprometido,/
mas trafegava em breu retinto no asfalto esburacado./
————–
Um parêntesis. – Sobre Tio Antônio, explano:/
bondoso, leal, de “Niquinho” apelidado,/
resplandecente simpatia, o nome propagado,/
espírita atuante, tradicional “miliciano”./

Três ou quatro vezes “juntado”, bom samaritano./
Uma delas, Marlene, amor seu, desbragado/
que morreu há uns 30, deixando-o amargurado./
Ela também, bondosa, ótimo ser humano./

E há uns quatro foi a vez do tio esclarecido/
esclarecer-se com o dogma tantas vezes recorrido./
E eu cá xingando a foice: demo desqualificado!/

Após sintetizar o afeto entre nós havido,
e o bom convívio nosso, certamente percebido,/
prossigo o enredo deste sonho atravancado./
————–
Pilotando ao léu em negrume soberano/
Na lassidão do conformismo ao óbito promulgado./
De repente assoma clarão aconchegado/
parecendo faróis de caminhão, salvo engano./

Por mais que tentasse não via veículo nem fulano,/
e a moto parecia parada, e “ele” também parado./
Tentava acelerar, aproveitar o bem, chegado,/
e nada; imobilidade aumentando o desengano./

Mas era um sonho, lembrem-se. Eu, combalido,/
pensava estar parado, e sem fazer o menor sentido,/
percebia locomover-me no cenário amalucado./

Formávamos um minueto por deuses regido,/
a luz, intrépida a me guiar, clarão espargido./
Pausa: instantaneamente, muda o cenário lobrigado./
————–
Parecia serviço de saúde, simples, espartano,/
e no burburinho vejo Marlene com o filho abrigado,/
deitado numa cama com colchão corrugado;/
Ela, na cabeceira, a zelar pelo beltrano./

Mas havia outras pessoas, e… qual suserano!,/
velava também ao leito, rude olhar em mim fixado:/
tio Niquinho!? Fiquei lívido, pasmo, assustado;
dei-lhe a mão e me pus a falar, tolamente acaciano:/

– “Lá em cima” é bom, Tio?, perguntei, entorpecido./
– Sim, responde em tom seco, solene, frígido,/
deixando-me ainda mais desconcertado./

Bruscamente desloca de mim o olhar ressentido,/
volve ao alto a face, corpo assustadoramente rígido/
e ora, altíssono: “Pai nosso que estais no céu, santificado…”./
————–
As pessoas em redor repercutiam o clamor puritano./
Menos eu, de costume e convicção desobrigado,/
cabeça baixa em reverência ao grupo empolgado,/
mais perdido que um marinheiro boliviano./

O despertar, então, faz cessar o enigma freudiano./
Calor e surrealismo me deixando empapado,/
e em dúvida se me faço um pessimista exaltado/
ou me torno entusiasta panglossiano./

Pois este mistério na superfície, emergido/
das brumas do cérebro incompreendido/
requer argúcia e perspicácia ao postulado:/

o tio etéreo agradecia a sorte do ser querido/
ou, sopesando meus pecados, entristecido,/
piedade a mim rogava ao Pai do Crucificado?/
————–
Embora toscamente alinhavado, meio liliputiano,/
meu relato é verdadeiro, sinto-me obrigado/
a ressalvar que é autêntico o fato, atemorizado/
de alguém julgá-lo pândega de um magano./

Também preciso explicar o jeito megalômano,/
o feitio empolado, pretensioso, rebuscado./
Por capricho quis fazê-lo assim, rimado,/
impondo-me ao desafio, sem viés camoniano./

Pois entendo que o verso deve ser haurido/
do íntimo dos poetas, a qualquer custo nutrido/
com a rima, alma do concerto afortunado./

Se um cântico sem refrão é inconcebido,/
sob pena de não ser o que podia ter sido,/
composições sem rima não absorvo de bom grado!/

Publicado em fevereiro/2017

Crack

Titubeante o rapazinho chega ao lar,/
Numa agonia de causar horror profundo,/
Desaba ao chão agonizante, cruel mundo,/
Se regozija da inocência emboscar./

Embarga a voz da mãe aflita a contemplar,/
O filho amado, imensa dor calando fundo,/
Num urro louco que ecoa num segundo,/
Ao desatino o leva ao colo pra ninar./

Aquelas pedras no caminho condenado,/
Em breve a joia seria do degredado,/
E a mortalha dessa mãe, final dos planos./

O tenro infante ao exalar o extremo alento,/
A mãe pungida roga aos Céus, em vão, lamento:/
“Piedade, Senhor! Meu bebê tem só dez anos”!/

Produzido em abril/2008

Men e Gão

A imagem da publicação original é de câmera analógica, e ficou ruim. Nesta republicação, uso esta, produzida por IA

Pode parecer pouco criativo, de preguiçosa imaginação, mas não resisti em batizar de Men e Gão a dupla que vejo quase sempre de cima da ponte sobre o Rio Itabapoana (que une Bom Jesus/RJ com Bom Jesus/ES). No dia 20/6, mais ou menos 12h, Men e Gão receberam vários membros da comunidade de Urucubaca para dividirem o repasto farto e variado.

Tomando aquela prainha pestilenta — mais de excrementos que de areia — como sala de jantar, certamente pela assiduidade dos lautos banquetes ali existentes, Men e Gão parecem muito à vontade, como se deduzissem em sua lógica urubuzina que são muito bem-vindos ao local. Se assim não fosse — hão de pensar — por que o zelo no preparo de ambiente tão familiar a eles, não é mesmo? Assim, orgulhosos e reconhecidos pela benevolência, empenham-se em transmitir a melhor imagem de Bom Jesus a todos os passantes, enriquecendo o aspecto visual de ambos os municípios, conferindo ainda mais legitimidade aos slogans “Cidade sorriso”, no lado capixaba e “Bom demais pra se viver”, no fluminense.

Bela sina, para eles. Men e Gão representam briosamente os militantes da Morte, os estetas da Tristeza, os prosélitos da Desgraça, que parecem movidos por uma força poderosa e implacável. E o crocitar da dupla não deixa margens de dúvidas de sua gratidão. Escutem atentamente este corvejar em prosa e verso, que minha experiência em vernácubus (vernáculo dos urubus) captou:

Carniçal

Os peixes e os pássaros assassinados,/
que o Entorno do Caparaó reclama,/
por parte de muitos seres renegados,/
que de per si julgam-se bacanas,/
em perigos e matanças esforçados,/
mais do que prometia a força humana,/
inconsequentes e insensíveis edificaram,/
este reino que, por graças, nos legaram;/

E esqueçamos as memórias gloriosas/
deste rio, que ferozmente foram maltratando/
com lixo´sgoto em fainas prazerosas,/
para gáudio de quem vai urubuzando;/
E aqueles que por obras valorosas/
Se vão da lei da morte desfrutando,/
cantando os homenagearemos por toda parte,/
se a tanto nos ajudar o engenho e arte./

Cessem do Itabapoana ontem fé, hoje profano,/
ais e lamentos aos que o decompuseram./
Elimine-se do bom-jesuense e do ´caparoano´,/
a memória das pescarias que fizeram,/
que nós cantamos a este povo insano,/
a quem a Satã e à Meretriz obedeceram:/
cesse tudo o que a antiga musa canta/
que o carniçal valor mais alto se alevanta./

E vós, amigos nossos, obrigado./
tendes em nós um novo engenho ardente,/
e sempre em verso humilde celebrado,/
festejamos a agonia do rio alegremente;/
dai-nos agora um som alto e sublimado,/
um estilo grandíloquo e corrente,/
porque as vossas águas é mortandade,/
e mui queremos salientar-vos lealdade./

Dai-nos uma fúria grande e sonorosa,/
e não de agreste avena ou flauta ruda,/
mas de tuba canora e belicosa,/
que o peito acende e a cor ao gesto muda;/
dai-nos igual canto aos feitos da famosa/
gente vossa, que ao tormentório próprio tanto ajuda;/
que se espalhe e se cante em todo o mundo,/
as delícias deste cagatório nauseabundo./

Responde o Rio Itabapoana:

Men e Gão não devem ser recriminados,/
aqui agouram por enorme regalia,/
pois dest´alma e leito antes glorificados/
Restam desprezo, insanidade e felonia./

E ao chegar negro e cruel tempo vindouro,/
de sedentos em veneta quais em guerra,/
verão nababos com canudos de ouro/
degustar as últimas gotas desta Terra./

Obrigado, Camões, pela inspiração.

Publicado em junho/2007 

Alcácer do desengano

 

A sociedade da terra chamada Brasil/
se acomoda nos desvãos profanos/
da política que mui ladrão sutil/
dela se serve nos butins insanos.

Gente enfermiça! Por que assim fugiste?/
Da tua glória em confrontar a peste,/
Não vês, não vês… O semblante triste…/
De Norte a Sul, de Leste a Oeste?/

Que será de nós, brasileiros tétricos?/
Quando impuserem a conta do gravame,/
Por descomunais deslizes antiéticos…/
Santo Deus! Que colossal vexame!/

A postos a luz da crepitante vela,/
Ilumina a vereda mais candente,/
Porém só os fortes é que caminham nela,/
Pro´s medrosos tal não é nada prudente!/

Pego o teclado… inspiração sublime!/
Pra entristecer… inquietações tamanhas…/
Violo virtuais espaços… não é crime!/
É resistência às práxis mais tacanhas!/

Morrer de frio quando o peito é brasa…/
De indignação que em meu ser se aninha,/
Vós todos, de barriga cheia em casa,/
Não sabeis quão vazia é a alma minha./

Cheia, sim, mas de fatal perfídia,/
Da demagogia de políticos abjetos,/
Coonestados pela engajada mídia,/
Que se nutre da escoalha e seus dejetos./

Mesmo artistas que eclipsam Aldebaran,/
Desfiam loas a essa cáfila sarnenta,/
Revelação cabal de consciência anã,/
Pois o cão não morde quem o alimenta./

Brasil, Brasil, este sofrer pungente,/
Em que séculos e quais séculos acabará?/
Quando é que esta nação a Deus temente,/
De honra e de grandeza triunfará?/

Não estarei mais aqui para o desfrute,/
De uma pátria justa e fraternal,/
Pois derrotado pelo vil embuste,/
Já morri um ensimesmado abissal!/

Quiçá os netos, dos netos dos meus netos,/
Desfrutarão o mel de porvindouras messes,/
Se agregarem coragem e preceitos retos,/
E abominarem as migalhas das benesses./

Não sois, Pai, como dizem, brasileiro…/
Pois se fôsseis não permitiríeis a desventura,/
De serdes tal e qual alcoviteiro,/
Dos demônios que nos trazem amargura./

Nosso povo embarca fácil na marola,/
E se contenta com o óbolo desencorpado,/
Em coro de carpideiras louva a esmola,/
Que leva o roto a falar do esfarrapado./

Se vós tivésseis, Deus, santa clemência,/
Impediríeis assaz degradação,/
Cercaríeis urnas de fel concupiscência,/
E ressuscitaríeis a moral desta nação./

Do Inferno dantesco cujo pórtico diz:/
-abandonais todas as esperanças ó vós que entrais,/
Sou sócio solerte pelo que não fiz,/
Só palavras, palavras, e nada mais!/

Que ao menos porém indignadas,/
Contra a suprema e a torpe humilhação,/
De ouvir vozes pateticamente conformadas,/
Com rapinagem, mentira e empulhação!/

Meu verbo, amigos, já rateia, não resiste,/
E a outra jornada será inda mais árdua e dura,/
Como disse o genial poeta triste,/
“Das estrelas a poeira é tudo o que perdura.”/

Produzido em setembro/2006