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Como João Ubaldo no Leblon, bate-papo num boteco de Bom Jesus

— Zêinrique, não vai comentar a limpa que a Polícia Federal fez em Bom Jesus?, indagou o Palhares, um amigo de data recente, já que muitos dos antigos foram estudar a geologia dos campos-santos (e estão por aí com você, Machado).

— Não, respondi um tanto ríspido.

Meio boquiaberto, Palhares retrucou:

— Vai perder a oportunidade de dar uma espinafrada nessa cambada?

— Vou.

— Tê te estranhando. Vai ver está também com o rabo-preso, disse com um risinho sarcástico.

— Rabo-preso coisa nenhuma. É que estou com uma preguiça…

— Preguiça?

— Sim. Nada mais espanta. Jogar criança pela janela; comprar deputado em parcelas mensais; um, dois, três, quatro, cinco, e quem sabe mais prefeitos diferentes em Bom Jesus do Itabapoana numa mesma gestão; cinegrafistas da Globo no helicóptero mostrando para todo o Brasil nossa cidade como uma Chicago dos anos 1930 em miniatura… Tudo tão letárgico que escrever está se tornando inócuo.
— Inócuo?

— Nem vencedores do Pulitzer conseguiriam fazer um texto que redespertasse a capacidade de indignação das pessoas, amortecida pelo modus vivendi contemporâneo onde a única coisa que vale para muita gente é o TER, não importa como, mesmo que tenha de matar figurada ou literalmente o SER.

— Como assim?

— Já está cansativa, embora a cada dia mais legítima a máxima de que a conquista das coisas por meio do trabalho, da honestidade, da ética e da honra está fora de moda há tempos. Como dizíamos no passado, isso hoje é cafonice, está démodé, é boco-moco.

— Verdade das boas.

— Existem três tipos de gente, Palhares: a que tem ou não tem, em que ambas as circunstâncias advêm da dignidade e da honradez; a que não tem, mas ostenta o carrão da financeira ou a casa da Caixa; e a gente pior: a que tem muitíssimo mais do que precisa, mas em decorrência de roubo, furto, estelionato, desvio, corrupção, etc, etc, etc, que a malignidade é infinita.

— Realmente, Zêinrique.

— Esta última categoria mata indiretamente doentes nos hospitais sem leito, Palhares, porque o dinheiro que poderia financiar o sistema de saúde pública está em grande parte nos bolsos dela; essa gente que recebe benefícios indevidos do INSS é a parasita que vive, muitas vezes nababescamente, à custa alheia, inviabilizando a que esta alheia desfrute merecidamente sua recompensa por 40 anos de trabalho de sol a sol porque a Previdência, quebrada, é incapaz de suster condignamente o fiapo de vida que lhe resta. Essa gente…

— Você não disse que não ia comentar?, interrompe bruscamente o Palhares, com um sorriso maroto quando eu já estava quase apoplético. E completou: — rá, rá, rá. Ta na veia, Zêinrique, não pode controlar…

— Não falo mais nada, redargui, amuado.

— Só mais uma coisinha, insistiu ele. — Em qual categoria você se encaixa?

— Pertenço à categoria dos brasileiros que nada ostenta do pouco que tem e dorme tranquilo, em paz com a consciência.

Publicado em julho/2008