Aqui eu guardo meus escritos.

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Era falso. E trágico!

Num conhecido país a falsificação das coisas e a falsidade de muitos eram comuns. E trágicas. Fernandes Ventura fora um dos… desventurados. Sua sina começara no momento em que viera à luz em terra brasilis, pois já nos primeiros minutos de vida fora apresentado à falsidade em forma do “que gracinha”, elogio que muitos endereçavam a sua mãe mal disfarçando o repúdio por criança tão feia. 

Em meio às falsidades o garoto crescera sem sequer saber a quem chamar de pai, muitos eram os prováveis candidatos que acreditavam cada qual na falsa fidelidade jurada por sua mãe. Adulto, passara por maus pedaços na época das falsificações de remédios: sofrera terrivelmente com a perda do filho, vitimado por uma infecção que o antibiótico falsificado não curou, filho este que não estava nos planos, fora produto de um anticoncepcional falso fabricado com farinha de trigo.

Para apagar a tristeza tomou uma, duas, três doses de uísque falsificado no Paraguai, que lhe causou terríveis dores de cabeça. Procurou um médico e este rabiscou no receituário um indevido laxante, que por ser falso não surtiu os desagradáveis efeitos. “Ainda bem”, pensou, “acho que sou o único ser humano feliz por ter tomado um remédio falsificado”. Descobrira depois que o médico era falso, sua verdadeira profissão era barbeiro.

Fernandes Ventura sentiu necessidade de relaxar. Foi ao Maracanã assistir a um jogo do seu Flamengo que sabia ser, naquela época, falso — aqueles pernas-de-pau podiam ser tudo, menos jogadores de futebol. — Não conseguiu. Foi barrado na roleta porque o ingresso era falso. 

Solicitou um pequeno empréstimo a um amigo que encontrou nas imediações a fim de adquirir outro ingresso. “Não tenho”, foi a resposta que ele sabia ser falsa de um amigo idem. Aborrecido, foi para casa. Pegou mais dinheiro. No caminho de volta ao estádio resolveu alterar o programa; não resistiu aos encantos de uma loura que dava mole e foram para o motel. Lá chegando, descobriu que a loura era falsa, seu “documento” não deixava dúvidas. Mesmo assim, arriscou, precisava descarregar as tensões.

Saiu preocupado do motel porque na hora H a camisinha furou porque
a quadrilha que falsificava os preservativos utilizava bolas de soprar. Já em casa, recebeu a visita da polícia. Procuravam-no para deslindar a lance da falsificação da nota de R$ 100 com a qual pagara a diária no motel. Ficou com mais um prejuízo e foi dormir. 

Martelava em sua cabeça o problema da camisinha. Acordou milagrosamente vivo em meio a toneladas de escombros: o prédio havia desmoronado! Tinha sido falsificado pelo Sérgio Naya, um deputado que falsificava tudo o que podia, de assinaturas até prédios residenciais — usava cimento em quantidades aquém das especificações em suas obras.


A somatização dos perrengues fez desenvolver uma doença de pele em Fernandes Ventura, e ele ficou sabendo que aqui em Bom Jesus havia um ótimo dermatologista. Não resolveu seu problema porque o diploma e o médico eram falsos: A Pomada Minâncora e a água boricada receitadas não ajudaram. Mas isso não foi o pior. A preocupação com a camisinha furada fazia sentido. Contraiu AIDS. E na mesa de cabeceira no quarto do hospital via vários frascos de remédio que ele tomava, mas não faziam efeito pois seu estado só piorava, já estava nos estertores. Pensou: serão falsos?

Eram, mas ele nem chegou a saber. As últimas imagens que suas retinas captaram foram a de um político de nove dedos, ex-metalúrgico, com seu tedioso blá blá blá desfiar pela TV na mesinha de cabeceira sua costumeira retórica e odiosa hipocrisia: “vamos moralizar a política no Brasil.”

Também era falso!

Publicado em agosto/1998