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Haja coração! Se amassem o país 10% do que apregoam os políticos em épocas de campanha, o Brasil suplantaria a Noruega em IDH

O Brasil inteiro nunca esteve tão colorido e pulsante como agora. O velho e bom coração, órgão vital à vida e símbolo do combalido amor encontra-se estampado em bandeirolas, cartazes, outdoors, santinhos, simbolizando o sentimento mais edificante da espécie humana. Como este país é amado! Shakespeare deve estar dando pulinhos de raiva no túmulo, lamentando não poder vivenciar aqui, por decurso de prazo, o que certamente lhe daria mais inspiração para condenar Romeu e Julieta ao fracasso literário se pudesse exprimir com sua genialidade quão intenso é o amor de alguns brasileiros para com a sua pátria e com os seus irmãos. Talvez, quem sabe, o coração pintado com todas as cores e estilizado de todas as formas pudesse ganhar a companhia de outros símbolos, como um operário saindo da indústria com o aspecto feliz de quem tem a dignidade do emprego; com o ancião exibindo a vitalidade que a saúde pública propicia a seus anos avançados; com a criança uniformizada com cara de europeia pela assistência socioeducacional que recebe; com mães e filhos em atividades recreativas nos espaços públicos sob o olhar tedioso do policial que não tem mais o que fazer, saudoso dos tempos de ação que a bandidagem lhe impingia.

Mas apenas o coração é mais prático, generaliza e resume tudo. Nada, nenhuma ação administrativa, nenhum gesto edificante deixa de compor sua infinita bondade e vastidão de abrangência. Aqui na região do Vale do Itabapoana mesmo aí está o bom e velho coração pulsando mais forte nos peitos e, repetindo o poeta, tremulando nos “estandartes que a brisa do Brasil beija e balança”.

Outra coisa que chama a atenção é a criatividade — também com ironia, por favor — dos candidatos e suas músicas publicitárias caroneiras de hits de sucesso para difundir suas candidaturas. Falando sério: salvo honrosas e raras exceções — como um candidato a vereador de São José do Calçado que inteligentemente colocou não apenas a letra, mas a própria voz inconfundível numa melodia de gosto acurado), o vazio de ideias, a mesmice, a falta de imaginação deveriam ser punidos pelos verdadeiros autores das canções com pleitos judiciais evocativos de pesadas recompensas pecuniárias a título de direitos autorais.

Além da inautenticidade das canções, o que a maioria dos corações representa verdadeiramente é a falsidade. São corações alados, de afiadas garras; em 4 de outubro baterão asas e voarão com as suas vitrines abarrotadas de embalagens ocas e estoques vazios para retomarem sua faina com as aparências angelicais e os intentos predatórios daqui a quatro anos.

Publicado em Agosto/2004