O velho do Restelo bom-jesuense

Aproveitando a deixa da presidente Dilma, que se referiu ao Velho do Restelo — personagem do poema épico “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões — escrevo este texto. A excelentíssima, em seu profundo saber e preparo asseverou que o Velho do Restelo era um…, velho e um pessimista, de carteirinha e crachá. Segundo ela, o ancião ficava na Praia do Restelo tentando desesperadamente fazer ouvirem sua cantilena monocórdia sufocada pela algaravia de patrícios eufóricos pela partida das caravelas que desbravariam terras desconhecidas: “não vai dar certo, não vai dar certo”, desfiava o arquétipo de velho, estereótipo de pessimista (Canto IV, de “Os Lusíadas”).
Dizia a presidente que seus críticos são como o Velho do Restelo. Estes, tal como aquele, são pessimistas, não enxergam o futuro radiante que os aguarda, certamente referindo-se subliminarmente ao maravilhoso, ao divinal, ao soberbo governo petista que prepara o alicerce para o paraíso. Serei velho, aos 59? Tenho de perguntar aos burocratas das nomenclaturas, que poderão me responder “pré terceira-idade” (se disserem que estarei chegando à ´melhor idade´ vou distribuir bengaladas em suas cabeças a três por dois, juro.) Sem dúvida já estou velho e no Restelo bom-jesuense a clamar firme aos quatro cantos: não vai dar certo, não chegaremos lá. “Por que digo isso?
Bem. A obviedade do crescimento vegetativo não cabe celebrar. Uma escola, um calçamento, um posto de saúde, um equipamento, são como arroz com feijão. Se uma casa é capacitada a abrigar no máximo 10 pessoas, 20 pessoas necessitam duas casas. Isso é crescimento vegetativo. Por outro lado, se há três casas para as mesmas 20 pessoas, seguramente elas viverão mais confortáveis. Logo, a terceira casa é um crescimento aditivo, não vegetativo. Nosso trânsito, por exemplo: em Bom Jesus do Norte o troço é surreal. A avenida principal, mais movimentada, não experimenta sequer crescimento vegetativo. Ao contrário: há décadas vem declinando paulatinamente porque os veículos de todos os tipos e naturezas, cuja quantidade cresceu exponencialmente trafegam nos mesmíssimos espaços onde antigamente um ou outro tílburi ou caleça, de ricos fazendeiros, trafegavam vez ou outra. Pior: a via acanhada, estreita, de mão dupla, ainda serve como pátio de revenda de veículos usados, depósito de material de construção, estacionamento em ambos os lados. Numa analogia, aquele logradouro que, repito, é o principal e mais movimentado da cidade, é uma casa onde cabem no máximo 10 pessoas e abriga 200!
Bom Jesus do Itabapoana, a lesma lerda, como dizia Carlito Maia. Uma praça aqui, um posto acolá, um asfalto alhures; crescimento vegetativo. Ou alguém pode indicar um projeto que supere as especificações do vegetativo a este velhote cegueta e pessimista que me transformei? Sobre a terceira ponte, o que temos? Do péssimo e limitado sistema de luz e força? De projetos sustentados, de ampliações viárias, que falam? As Bom Jesus vêm há tempos, mas há tempos mesmo carecendo de planejamento. Há uma teoria segundo a qual a música popular é hoje ruim e descartável devido à ausência da outrora ideologia da contestação, seja ao regime, seja aos costumes. Da mesma forma parece caminhar a política, que se nutre cada vez menos de nacionalismo e cada vez mais de personalismo porque acabou o amor ao torrão natal. Já não se bate mais no peito com orgulho, afirmando: sou de Bom Jesus. Lugar que, parafraseando o poeta, não sabendo que era impossível fomos lá e fizemos!
Se 10% das promessas quando em campanhas políticas fossem concretizadas eu abominaria as convicções do Velho do Restelo e passaria a beber da fonte de Pangloss.
Publicado em junho/2013