Aqui eu guardo meus escritos.
Obrigado pela visita.
Morreu aos 71, na madrugada do dia 12/1/03, meu padrinho e tio Cornélio de Castro Vaillant, enterrado no mesmo dia no cemitério de Bom Jesus do Itabapoana/RJ. O tio era um homem que fazia da simplicidade e da humildade as mais fortes características, como podem comprovar os inúmeros amigos que conquistara em sua trajetória terrena, onde notabilizara-se por fazer o sorvete mais saboroso da região.
Talvez sua única vaidade era se gabar, há algum tempo, de que uma importante fábrica do Rio de Janeiro estaria disposta a contratá-lo a peso de ouro, ou na pior hipótese pagar muito bem por suas receitas: nem uma coisa nem outra, dizia ele, porque de Bom Jesus não saía nem por decreto, e a receita não podia vender, digo eu, porque era intraduzível em palavras o talento nato que dispensava tabelas burocráticas de pesos e medidas, o instinto e a boa mão.
Tio Cornélio levou consigo outra receita, a meu ver exagerada no ingrediente simplicidade sem nenhuma pitada de vaidade, desprezando os mais elementares padrões de conforto material a que um homem tem direito. Ninguém podia interferir nisso porque partia de princípios próprios de sua personalidade minimalista e desarmônica com as mais modestas ambições terreais. Seus manos Oswaldo, Ismael, Antônio e Manoel, sobrinhos e demais parentes agradecem a todos os que levaram o derradeiro abraço ao devotado torcedor do Olympico e do Vasco.
Descanse em paz, tio Cornélio.
Publicado em fevereiro/2003

A medicina é uma ciência que evolui de forma impressionante. Antes experimentando avanços modestos e lentos, caminha acelerada nestes últimos anos de tal forma que prenuncia encontrar a qualquer momento a solução do teorema da vida e a pedra filosofal da imortalidade. Muitas moléstias devastadoras são coisas do passado, assim como o que parece reservado em pouco tempo ao câncer, mal de Parkinson, hipertensão, diabetes e outras tantas. Cura da enxaqueca, vacina contra a gripe, pílula para a impotência sexual já são realidade, como inúmeras modalidades de transplantes, como de coração, fígado, rins, córneas, pulmões. Fala-se até no transplante de cabeça, que já se constatou ser tecnicamente viável e que só aguarda os naturais debates sobre moral e ética para seu experimento.
E as células-tronco, gente, que beleza! Chegará o tempo, Deus queira que breve, em que um coração enrijecido por sedimentos assassinos poderá ser trocado por um novinho em folha. Em que um fígado dilacerado pelo excesso de álcool seja substituído ao menor sinal de incapacidade ao dever de ofício. Em que pulmões galvanizados de nicotina possam ter o merecido descanso sem levar junto seu usuário. Quantas possibilidades, enfim, que os céticos de plantão não deveriam menosprezar, para não se virem ridicularizados, da mesma forma quando há pouco mais de 20 anos certamente consideravam uns lunáticos quem afirmasse que um ser humano conversaria hoje com outro, em polos opostos do Planeta, cara-a-cara, tête-e-tête, ao vivo e em cores.
São fatos alentadores, alvíssaros para a Humanidade, tanto pela perspectiva de um viver mais longo e prazeroso quanto pela constatação de que a inteligência humana tem razões que a própria razão desconhece (grato ao poeta). Há de se atentar, todavia, para uma regra elementar: tudo tem seu preço, e a erradicação de toda forma de mal físico não terá chance de possibilitar maior longevidade para milhões de pessoas, por mais paradoxal que pareça, se não se criar uma contrapartida estrutural que possibilite a provisão da substância primordial para manter vivo um organismo — mesmo imune a doenças — que é o seu alimento básico, em falta para muitos. E essa contrapartida só será possível quando for descoberta a cura para a mais insidiosa doença do homem: o egoísmo.
Publicado em maio/2005

Tâmisa. Rio do sul da Grã Bretanha. Banha várias cidades inglesas, sobretudo a capital, Londres; Sena. Banha a maior parte da bacia Parisiense (776 km), abrangendo 78.650 km2 de bacia fluvial. Estes dois rios, os mais notabilizados do mundo foram salvos por uma consciência de preservação também notável. Eram, num passado não muito distante, os mais poluídos da Europa. Hoje podem-se até se banhar em suas águas sem risco de contaminação. O grande esforço conjunto entre governos e populações foi o fator determinante para a salvação daqueles importantes mananciais, fruto da mais óbvia constatação: ninguém passa incólume nem fica impune pela agressão à natureza. Não se tratava meramente de uma questão de inteligência ou generosidade, era mesmo uma questão da própria sobrevivência daqueles povos.
No Brasil essa consciência é um sonho distante. Governos e sociedade, salvo raríssimas exceções, não se dão conta do futuro sombrio quando do estrangulamento desse sistema vital à vida, mas de finitude cientificamente comprovada. O caso do famoso Rio Tietê, que corta ao meio a maior megalópole sul-americana reflete bem o descaso do Brasil. Desde o governo paulista de Laudo Natel — e lá se vão décadas — que os políticos utilizam a imensa cloaca em que se transformou o Tietê para suas demagógicas promessas de campanha, colocando a despoluição do rio dentro de programas meramente eleitoreiros que já não convencem ao mais ingênuo eleitor.
O nosso Itabapoana mesmo parece ser vítima de rompantes inconsequentes de burocratas em suas escrivaninhas assépticas, degustando legítima água mineral Perrier e efetuando elucubrações mentais de como justificar seus gordos salários. O Projeto Managé parece ter saído de uma dessas pranchetas, em verdade tão bem teorizado que a princípio parecera algo sério e profundo. Qual nada! Só teve o mérito de ter sido concebido para um pseudo funcionamento em consórcio com os municípios adjacentes aos 264 km de seu leito, talvez para confundir posteriores questionamentos sobre o seu fracasso, pulverizando o ônus da culpa. Absolutamente nada de bom aconteceu ao velho e carcomido Itabapoana nestes três anos de programa, exceto aos que confeccionam os conhecidos cartazes que ficam estrategicamente colocados nas entradas e saídas dos municípios como marketing político de cada prefeito, de cujas disposições para as medidas práticas são tão falsas quanto uma nota de 3 reais.
Não é justo, no entanto que se debite unicamente ao poder público o estado de coma do Rio Itabapoana e de tantos outros em cruel agonia neste imenso Brasil. Nem tampouco culpar esta ou aquela comunidade, um ou outro município ribeirinho. Todos temos uma parcela de responsabilidade por ação ou omissão, pela maneira imediatista de encarar a vida como se não houvesse amanhã. Quantos dos que estão lendo agora estas linhas não hesitariam em despejar seus excrementos na mesma fonte que lhes fornece o elemento vital à manutenção da própria vida? Quantos terão se contentado com promessas espúrias de políticos em épocas de campanha, sem mover uma palha para lhes cobrar medidas práticas e emergenciais para pôr termo à cruel agonia dos outrora límpidos e saudáveis mananciais hídricos? Quantos não terão o egoísmo de pouco se lixar com as gerações vindouras que desventuradamente, sem nenhuma culpa deliberada estão fadadas a contemplar — com as gargantas sedentas e as peles esturricadas — os derradeiros milionários em suas mansões cinematográficas, com os rostos diplomáticos, sorverem em canudos de ouro, em frenesi, as últimas gotas de água potável do planeta?
Pulicado em outubro/2000

O salário mínimo completa 60 primaveras em maio, mas ninguém tem motivos para comemorar. Instituído em 1940 no governo do ditador Getúlio Vargas, o salário valia, na época da fartura, o equivalente hoje a R$ 569, mas atualmente mal consegue comprar uma cesta básica das mais modestas. No entanto, parece que o brasileiro domina o milagre da multiplicação dos pães, pois só mesmo por milagre 28 milhões de pessoas conseguem sobreviver e sustentar famílias com o iníquo valor que recebem mensalmente.
A cantilena é a de sempre, já está gasta. Ninguém aguenta mais ouvir falar de rombo da Previdência à época de reajuste do mínimo. Em 1999 foram “abundantes” R$ 10 o valor do reajuste. E em 2000, num gesto de extrema benevolência e generosidade, a exorbitante quantia de R$ 15, a despeito de ela aumentar o rombo de R$ 46 para R$ 48 bilhões ao ano. A perversidade deste rombo (o governo arrecada R$ 54 bilhões e gasta R$ 100 bilhões ao ano) está no que o origina. Equivoca-se o velhinho pelo sentimento de culpa achando que os seus R$ 151 são o estorvo. Não são, absolutamente.
O estorvo são os párias que abocanham o sangrado seio da viúva com voracidade selvagem, sugando com avidez desconcertante R$ 40 bilhões ao ano. São eles uma pequenina parcela de funcionários públicos, muitos dos quais jamais trabalharam pela pátria mais que oito anos e chegam a acumular R$ 50 mil mensais de aposentadoria. Estes somam três milhões de felizardos, pouco mais de 10% do total. Devoram 40% dos recursos. Os outros 25 milhões se obrigam a viver com os 60% restantes, uma desigualdade assombrosa; quem trabalhou muito ganha pouco e quem trabalhou pouco ganha muito.
Até uma criança entende a reforma da previdência, com a derrocada dos marajás, como a solução única para a questão previdenciária brasileira. Mas o diabo é que rareiam políticos comprometidos com o Brasil. Contrariar interesses subalternos, mas de grosso calibre requer muita vontade, muita determinação, muito desassombro. O famigerado “direito adquirido”, que qualquer juiz prontamente referenda é uma cretinice jurídica criada para a defesa da pequenina burguesia, porquanto não se ouve falar do direito adquirido à vida para a maioria da população que vive em condições subumanas neste rico Brasil, sujeitando-se à humilhação das migalhas, quando disponíveis.
A sordidez política é tão grande, o desvario da ambição, tão intenso, que estão esquecendo de garantir a mínima condição de sobrevida para o povo. Com isso constroem inconscientemente seu próprio sepulcro, os insanos!
Publicado em abril/2000

Crente já ter visto de tudo nesses meus impávidos 49 anos de existência, no mínimo uns 40 lendo jornais, fui surpreendido por uma notícia chocante: Um cidadão (só me recordo do sobrenome, Wunder) carioca mata a família — três filhas adolescentes e a mulher — e suicida-se em seguida unicamente porque já não conseguia manter o alto padrão de vida material que ostentava.
Que me lembre de ficar tão perturbado, só os cruéis assassinatos do menino Serginho, aqui mesmo em Bom Jesus, em 1977 — crime que ficou conhecido como o caso “Zé do Rádio” (ele, o Zé, sequestrara e assassinara o sobrinho de 11 anos a pauladas e depois jogara o corpo no Itabapoana) — e da menina vitoriense Aracelli Cabrera Crespo, 8 anos, assassinada por pedófilos influentes da capital, logo após ser abusada sexualmente por eles, em 1973. Também na década de 1960, embora muito criança, muito me impressionaram as expressões horrorizadas dos adultos com o famoso caso “Fera da Penha”, um crime tão inacreditavelmente brutal, tanto na mecânica do ato quanto pelos motivos, que até hoje guardo muito vívido na memória. A comerciária Neide Maria Lopes, a fera de 22 anos assassinara com um tiro na cabeça e depois incendiara a pequena Tânia, de 4 anos, para se vingar do amante, pai da menina.
Esses três casos, no entanto, tiveram em comum o elemento da maioria dos crimes, que é o atentado contra o semelhante. No caso do Wunder a coisa ganha aspectos ainda mais dramáticos porque matou a própria família! O mais estarrecedor foi o motivo: a insolvência daquele que era um importante empresário carioca, e que já não conseguia sustentar o alto padrão de vida familiar. Tudo aconteceu de forma brutal, dentro da própria casa, nos quartos, sobre as próprias camas.
Os valores materiais elencados pelo homem contemporâneo acima dos méritos morais e espirituais (em toda a casa havia imagens de santos e máximas de cunho religioso, uma perversa ironia!) ocasionaram a tragédia. O que esse consumismo desenfreado, esse apelo irresistível está fazendo com a humanidade! Como é triste assistir principalmente a juventude totalmente perdida num sistema opressor que exige um videogame de última geração a cada seis meses, um par de tênis de R$ 300 a cada três e um jeans por semana! Como continuar a viver sem resistência aos apelos do consumo, sem saber dizer não ao dinheiro, profundamente frustrados se os bens são inferiores aos do vizinho? Terá o ser humano um dia a capacidade de “regredir” à tolerância de conviver sem as grifes, sem as viagens, sem as compras supérfluas e sem os restaurantes de luxo? Recuperará a capacidade de ficar um pouco sozinho, com as famílias, com as consciências, com o silêncio e a solidão? Filhos desaprenderão a cobrar, cobrar e cobrar sempre, sempre mais? Vivendo em bandos, competindo de modo insano para aparentar ser o melhor, o mais elegante, o mais poderoso, o indivíduo elege a vaidade e o egoísmo como valores básicos, e isso positivamente não se coaduna com os valores que deveriam balizar a vida.
Publicado em julho/2003