Aqui eu guardo meus escritos.
Obrigado pela visita.

No Acre, homem lidera o tráfico de drogas no estado, comanda grupos de extermínio, manda matar desafetos e membros de grupos rivais, em alguns casos fazendo questão de executar o serviço pessoalmente, com requintes de crueldade não imaginados nem pelo mais delirante diretor desses filmes de violência que inundam as telas dos cinemas e das TVs. No fim, vira deputado federal com toda a im(pu)unidade que lhe assegura a mais cínica e maquiavélica inversão de valores e corporativismo que habitam o Congresso Nacional.
Cassaram-lhe o mandato, não havia jeito, tão variada e intensa sua vida de crimes, ainda que 45 dos seus colegas parlamentares (e de crime, talvez?) tenham votado contra e mais 25 tenham se abstido de votar (não me comprometam com a fera nem com os eleitores que nos asseguram a boa-vida, diriam eles), mas sua “punição” ficará apenas por aí. Hildebrando Pascoal, a fera, hospedou-se por uma ou duas semanas no apartamento que foi originalmente preparado para acolher o próprio delegado quando em serviço na delegacia em Brasília com todas as mordomias de praxe, pois o poder do dinheiro sabe evocar as filigranas jurídicas existentes num Código preparado para punir os pobres e inocentar os ricos. Brevemente um parecer da Justiça baseado numa dessas filigranas lhe concederá a liberdade, da mesma forma como concedeu-a a Talvane Albuquerque, acusado de mandante do assassinato da Deputada Ceci Cunha para ficar com sua vaga, sob o respaldo da filigrana de que o preso tem curso superior (é médico) e como tal faz jus a uma cela especial não existente na instituição a qual estava recolhido.
A propósito, uma coisa que não entendo é esse negócio do sujeito ter curso superior e por isso merecer regalias como cela especial ou outras mais. No meu modo obtuso de entender as coisas, não vejo razão para essa discriminação. Entendo que o meliante que tenha curso superior pode ser até mais periculoso do que o analfabeto, pois alia um melhor preparo intelectual para planejar e executar seus crimes, razão pela qual deveria ser punido até com maior rigor.
Acabei me desviando, mas volto: vejam os contrastes. Aqui mesmo em Bom Jesus, um comerciante está preso há quase dois anos por tentativa de homicídio. Trata-se de um cidadão pobre, que tirava seu sustento unicamente do trabalho árduo, honesto. Não consta que tenha roubado, corrompido, traficado, mandado matar. No ardor de uma discussão, perdera a consciência e atirara no desafeto. Não o matara, sequer deixara-lhe quaisquer sequelas físicas. Mas era reincidente nesses graves arroubos e está pagando por isso, afinal, não vivemos no velho Oeste onde as desavenças eram resolvidas à bala.
Estaria ele preso, no entanto, se fosse rico e tivesse construído um prédio de apartamentos utilizando material de má qualidade, e com isso matado oito pessoas e deixado centenas ao desabrigo, como fez Sergio Naya? Ou se tivesse incendiado um índio como fizeram os animais irracionais brasilienses filhinhos de papai? Ou se tivesse matado indiretamente de fome por rapinar centenas de milhões de dólares dos cofres de um país já falido e impotente para garantir a mais elementar necessidade de grande parcela de seu povo, como fizeram Chico Lopes, Salvatore Cacciola e outros gângsters de colarinho Branco?
Bem-aventurado o dia em que a Justiça enfim será igual para todos. Em que polícia, juizes, promotores e demais profissionais possam se valer de instrumentos simples, claros, concisos, desburocratizados e imparciais. Enfim, quando os bons “oftalmologistas” do meio lograrem reconverter a cegueira literal da Justiça para a belíssima metáfora de ser cega para apenar quem mereça, indistintamente, utilizando os pratos de uma balança que pendam soberanos ao largo da situação econômica, grupo racial ou ideologias políticas e religiosas de quem se desvia das normas de conduta.
Afinal, todos são (deviam ser) iguais perante a lei.
Publicado em outubro/1999

No princípio os humanos adoravam ídolos de barro ou de metais. Depois passara a venerar ídolos invisíveis e abstratos. E no momento presente observa-se a supremacia do culto aos ídolos feitos à sua imagem e semelhança. E a mídia, notadamente a eletrônica necessita freneticamente fabricar esses ídolos, sem o que sua existência estaria relegada a um plano secundário. Isto explica a razão pela histeria que acomete multidões quando morrem pessoas idolatradas ou quando deles nascem os filhos.
Muitos dos que se consternaram ao exagero pelo falecimento do jovem cantor Leandro, da dupla Leandro & Leonardo, e de tantos outros artistas e figuras populares não o fariam com tamanho fervor até mesmo no caso do passamento de parentes diretos. É porque estes são pessoas comuns e aqueles, mitos indeléveis nas mentes alienadas pela maciça e muitas vezes imerecida glorificação pela indústria da comunicação de massa.
Veja-se o caso da recém-nascida primogênita da apresentadora Xuxa: a começar pelo nome, de forte apelo publicitário (não sei se deliberadamente ou não), foi imposta à menina uma mitificação mesmo antes de vir ao mundo, não importando se ela haverá de querer conviver no futuro com esta honorificação que poderá tornar-se um estigma para ela, a depender do desenrolar de sua personalidade.
O certo é que a indústria não poderia desprezar tão potencial projeto devido ao invejável “pedigree” da pequenina Sasha, o que torna a tarefa do endeusamento muito mais fácil e garantida, afiançando a oferta de ídolos para uma demanda sempre crescente. O problema é que a pressa de produzir a fim de calar essa insaciável demanda muitas vezes fabrica produtos de qualidade duvidosa, e o mais grave: ao se venerar à exaustão um outro ser humano igualmente vulnerável e com as fraquezas inerentes propositadamente ocultadas, a sociedade tende a esquecer outros valores mais verdadeiros e autênticos, causando o desequilíbrio e o equívoco nas relações humanas.
Bem-vinda, Sasha. De antemão, escusas pela nossa hipocrisia.
Publicado em agosto/1998

Diz-se que hoje em dia as crianças são tão espertas que já nascem de olhos abertos. Espertas e maliciosas, diria eu. Já se foi o tempo em que elas criam em Papai Noel, Saci-Pererê e Boi da Cara Preta. Mesmo que você se julgue um sujeito vivido, experiente e perspicaz, sempre acaba se surpreendendo com os pimpolhos.
O meu filho Gabriel, ora com quatro anos (tinha três quando se saiu com essa), gosta muito de ouvir histórias que eu, com a minha péssima memória, cuido de improvisar relatos novos, adaptar, inventar. Ele pede para eu contar a do boi, por exemplo, e eu instigo sua fantasia dizendo que o boi comia capim, depois foi comprar bala, o leão pegou as balas, coisa e tal. Dia destes ele pediu para eu contar uma da sombra (que lhe causa verdadeiro terror), outra do lobo mau, e outra e outra. Como diz um velho conhecido lusitano, chegou-se a folhas tantas que Gabriel pediu para eu contar uma da perereca. Em minha santa ingenuidade, comecei:
— Era uma vez (notem a criatividade) uma perereca caiu dentro do rio, e blá-blá-blá, ficou no fundo com o pezinho preso no lodo, mas antes que morresse afogada passou um peixe bom e a salvou.
Terminada essa linda história da perereca o petiz pensa um pouco, vira-se para mim, sério, mas com um brilho de ironia no olhar e ordena:
— Pai, agora conta a do c…
Pano rápido!
Publicado em setembro/2000

“O BRASIL ESTÁ DE OLHO! É o que diz a campanha publicitária oficial contra a exploração sexual de crianças no país, crime perverso a consternar toda a sociedade e que desnuda de forma crua a violenta injustiça social que nos assola. Um grande olho humano ilustra o cartaz.
O Brasil está de olho, mas a visão está deturpada pelo astigmatismo que o leva a formular débeis tentativas de combater apenas o efeito e não a causa desta calamidade. Há que se debruçar no cerne da questão, na célula-máter desta infecção que se insinua de forma voraz e atinge milhões de vítimas com seu efeito devastador. A sociedade não pode, jamais, perder a capacidade de se indignar com esta prática hedionda, havendo de censurar enfaticamente as camarillas farsantes que se revezam há decênios em Brasília e que nada fazem a não ser criar programas sociais caricatos e de enfoques eleitoreiros. Esses impostores jamais vão ao âmago da questão porque não lhes interessa conviver com um povo sadio e instruído, para que não desenvolvam a capacidade de desmascarar seus embustes apeando-os do poder que lhes seduz arrebatadoramente.
O olho é míope porque não vê, ou melhor, finge, que o que leva uma criança a se prostituir é a fome, não somente aquela que força seu estômago a roncar diuturnamente, como também a de Educação, de Saúde, de Justiça Social. Este olho, hipermetrópico pela indolência em olhar as necessidades básicas da maioria da população, transforma-se numa rapidez vertiginosa em olho de lince para enxergar na escuridão e trevas das injustiças os interesses obscuros e amorais de uns poucos.
Estes desmandos, olho omisso, resultaram na infecção que a imprensa diagnosticou. Se você não fosse tão frio e impenetrável, talvez tivesse perscrutado que a vontade de saborear um bife ou o desejo de possuir uma boneca é que leva uma menina ainda impúbere a vender seu corpo imaturo por 5 ou 10 Reais. Você, olho cruel, não tem condescendência nem com a infância, vítima inocente do seu arbítrio, por isso é o maior culpado por essa infâmia. E não me venha agora dar uma de arrependido, de diligente. Ou terá sido porque a situação chegou a tal ponto que se tornou necessário dar uma satisfação? Ou porque terá lhe doído realmente um pouquinho quando tocaram nesta ferida que jamais cicatriza, como de resto todas as outras chagas que, de tão intensas, lhe escapam ao controle?
Há de se combater, sim, olho incompetente, a concupiscência degradante de adultos degenerados com seres tão pequenos. Não se pode contemporizar com estes pervertidos que abusam, seviciam, corrompem, achacam e estupram nossas crianças. Mas a cura definitiva compete a você, olho impassível, lograr êxito. Quando houver vontade política você, com certeza, tirará os infantes dos meios promíscuos em que vivem, dando-lhes alimento, saúde, educação e lazer. Só assim não terão de trocar sua chupeta por alguns trocados conseguidos pela oferta em holocausto do seu pequeno corpo em desenvolvimento.
Livre-nos deste flagelo, olho roxo. Talvez ainda haja tempo para você curar o trauma que este soco violento lhe causou!
Publicado em agosto/2001

Triiimmmm
— Alô?
— É o Vicente? Souza falando…
— E aí, Souza? Tem passado bem?
— Não como você, Vicente. Você que é sortudo…, até já instalaram o seu telefone…
— Cinco anos de espera…, já era tempo. Mas não sou eu que estou bem nas pesquisas…
— Que nada, Vicente. Ainda preciso de mais três condôminos para garantir minha eleição de síndico aí do prédio.
— Xá comigo, Souza. Vai ser mole. Só vou precisar de sua colaboração depois…, sabe como é…
— Perfeitamente. Claro. Irrestrita.
— Então escute. O plano é o seguinte: sabe aquela mulher do 501?
— Sei… sei. Aquela que no lugar de palmas sacode as joias?
— Isso. Vamos dar isenção total do pagamento da taxa mensal de condomínio da sua cobertura durante toda a gestão do governo Souza, compreendeu?
— Claro, nada mais justo, Vicente.
— E tem mais. Conhece o Curriola, amigo do Chico Golpes?
— O dono do banco Sarka Tudo?
— Sim. Ele, o Curriola, juntamente com o dono do Banco Conte Cinfrões, que moram juntos no 171, vão votar em você. Só que eles precisam de uma forcinha…, tão com o apartamento penhorado…, coitados…, me ligaram hoje das Bahamas…, nem conseguem curtir umas férias direito, tamanha a preocupação.
— Claro, claro. Se depender dos recursos do prédio, os bancos deles não quebram…, ou melhor, se quebrarem pelo menos eles ficarão numa boa. Pra que servem os amigos, não Vicente?
— E tem também aquele empreiteiro que mora no 302, o dono da Superfaturadas ilimitada. O dele vai ser um contrato de manutenção do prédio com um pequeno ágio de 50%.
— Não é muito?
— Né não, Souza. É valor de mercado. Não vê a O K Nalha? Já reajustou sua tabela agial para 60%. Dizem que a Safardo Corneia já cobra 70%.
— Esse pessoal não brinca em serviço. Votinho caro, né Vicente?
— É…, mas compensa. Os condôminos comuns serão beneficiados em “nossa” administração. Vamos manter a estabilidade dos valores condominiais a qualquer custo, né não, Souza?
— Claro, claro…, humpt, humm…, humm…., mas Vicente, de onde vamos tirar para cobrir estes custos…, digamos…, eleitorais?
— Simples, Souza, simples. Não tem aqueles gringos que adoram emprestar dinheiro?
— Os do FOMI?
— Eles mesmos. Famosos Opressores Matreiros Internacionais.
— Mas os juros são bem salgados… Para pagar estes caras vamos ter de demitir gente…, acabar com a escolinha e a sala de primeiros socorros…, aqueles dois andares que projetávamos crescer vão para o espaço…
— E daí? Preço de condomínio quatro anos sem reajuste é o que importa, Souza. Vamos nos capitalizando com os gringos nas defasagens, pagando só os juros e empurrando com a barriga…
— Mas vai chegar num ponto, Vicente, que a coisa pode estourar…
— Desde que não estoure em nossas mãos…, o próximo síndico que se vire!
Publicado em maio/1998