Aqui eu guardo meus escritos.

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Brasiliana Envergonhada da Pátria

Carta que uma mãe enviou a seu filho no exterior:

QUERIDO FILHO

Escrevo esta carta a fim de colocá-lo a par das novidades. O Brasil vai bem, alguns políticos, os mesmos, continuam em sua velha rotina de roubos e furtos. Parece que será criada a “Escandolbras”, atendendo a uma antiga sugestão do saudoso Henfil. Esta nova estatal terá a incumbência de centralizar todos os escândalos federais, estaduais e municipais, além de treinar agentes com a incumbência de neutralizar os grampos telefônicos, os cinegrafistas amadores e os gravadores cassete.

Mudando de assunto, filho, você sabia que sua irmã foi abandonada no altar? Ih, ela sofreu muito, mas graças a Deus existe por aqui um tal de Walter Mercado. Trata-se de um místico muito simpático e que não tem cara de 171. Depois que sua irmã telefonou umas 100 vezes para os videntes do Walter ela ficou em paz e muito animada com o seu futuro amoroso, pois a previsão é que ela talvez se case com o Tom Cruise ou o Maurício Mattar. Ela está até pensando em trocar sua perna mecânica e o olho de vidro por similares importados. O seu pai é que não gostou quando viu a conta do telefone — os místicos são pagos por minuto. Ele achou que a conta de R$ 800 foi exagerada, mas eu expliquei a ele que não era devido aos telefonemas da sua irmã, mas, sim, das várias ligações que ele próprio faz diariamente para os tele-sorte e tele-sexo.

Por falar em seu pai, acho que pirou de vez. Colocou na cabeça e quer por que quer comprar um deputado. Tentei demovê-lo dessa ideia, aleguei que um deputado é muito caro, talvez um vereador saísse mais em conta. Mas você conhece seu pai. É um velho teimoso, e quando quer uma coisa é inútil tentar convencê-lo. Depois que ele viu no programa do “Seu Casseta” uma promoção de deputados, seguiu imediatamente a Brasília para ver se consegue o seu. Veja, meu filho, como eu fico preocupada. E se ele comprar um deputado falsificado? Fico horrorizada ao pensar que poderemos ter um do Paraguai. O pior é que pode vir honesto. E de que nos serviria um deputado do Paraguai e ainda por cima honesto?

Vou terminar porque já está na hora do Jornal Nacional e não posso perder o escândalo de hoje. O de ontem eu não gostei muito porque foi criado por aquele barbudinho simpático no qual eu votei para presidente.

A bênção de sua mãe,

Brasiliana Envergonhada da Pátria.

Publicado em junho/1997

Da série “Aves de rapina”: o agiota

Está no Aurélio: Agiota, adj. 2 gen. Que, ou pessoa que pratica agiotagem; especulador; usurário; interesseiro. Só que, no Brasil, principalmente no Brasil do Real, deveria constar no Aurélio da seguinte maneira: Pessoa “caridosa” que abrevia o fim de quem está nos estertores.

É o único comerciante que evita divulgar sua mercadoria, pois a demanda é inesgotável; geralmente simpatiza com o governo, pois este é o maior gerador da sua clientela; não teme a concorrência oficial dos banqueiros, uma vez que seus clientes, quase sempre, são renegados por estes, que preferem viver de um outro segmento mercadológico, que são as tetas da viúva; normalmente camufla sua atividade principal atuando oficialmente em outros ramos de negócios.

Resumo da ópera: o agiota nada mais é do que um produto do seu meio. Gerado pelo verme taciturno do capitalismo predatório e selvagem, o agiota encontra um habitat perfeito no Brasil.

Em Tempo: alguém aí troca um pré-datado pra mim? Pago 12%. “Por dentro”, é claro.

Publicado em dezembro/1996

Holocausto

No livro “O Presidente no Jardim” do jornalista Joel Silveira, chamou-me a atenção este trecho: “As guerras estão acabando, as ideologias que tanto inquietaram nosso século já perderam o sentido, aos poucos as armas nucleares vão virando sucata. O que é bom, o que é ótimo. Mas me indago: sem guerras e suas matanças, do que vai viver a besta humana? Que outra maneira encontrará para libertar seus instintos predatórios? Que será de sua existência sem ferro, fogo e sangue?”.

Lamento decepcionar o nobre jornalista dizendo-lhe que a besta humana é sagaz e tem um arsenal variado e eficiente que a possibilite satisfazer seus instintos animalescos, predatórios. Para que armas nucleares se podem contar com coisas mais simples e baratas e igualmente mortíferas? Rememoremos alguns fatos tupiniquins e as receitas de como fazer:

Amontoe milhares de presos num local onde só pode caber algumas dezenas; juntem-se policiais despreparados e mal remunerados e acontece o que se viu na penitenciária do Carandiru e outras mais, com seus massacres, rebeliões, tristezas.

Uma simples relaxada no rigor com que deve ser tratada a água que se utiliza nas transfusões de sangue dos que fazem hemodiálise (doentes renais), e vapt, encontram a morte rápida no momento em que mais demoram para evitá-la.

Negligencie a higiene na mais importante maternidade de Boa Vista-RR. Verá como 35 recém-nascidos serão sacrificados e não terão o direito divino de conhecer este mundo, (apesar de cruel). Mataram-nos pela sujeira, maneira econômica de eliminação.

Não dê ouvidos a quem aponte falhas (quase sempre por razões econômicas) em estruturas e edificações, muito menos quando disserem sentir forte cheiro de gás. Assim, shopping’s irão pelos ares, prédios desabarão e inocentes perecerão.

Pense somente no dinheiro que se pode ganhar com os velhos enfermos. Desconsidere suas mais elementares necessidades, alimente-os de modo insuficiente, dê-lhes água podre para beber, jamais lhes forneçam remédios adequados. A Clínica Santa Genoveva sabe como despachá-los, assim, mais cedo ao encontro do Padre Eterno.

Aceitem pressões para não agilizar o projeto de reforma agrária no país. Feito isto, você terá dado a senha para os grandes latifundiários de terras improdutivas a contratar jagunços para defendê-las. Eventuais invasores, quando chegarem esquálidos pela fome e pela miséria, confrontar-se-ão com os jagunços bem nutridos e bem armados — além de bem remunerados — e o massacre será total, como em Eldorado dos Carajás, por exemplo.

Não fiscalize de forma severa a manutenção das aeronaves, nem tampouco a carga horária de trabalho dos aeroviários. É tiro e queda, na melhor acepção da palavra, sem querer fazer trocadilhos. Mantenha, ainda, aeroportos bem perto de zonas densamente povoadas: o estrago será maior.

Desrespeite os direitos universais das crianças. Negue-lhes saúde, alimentação, educação e moradia. Depois, instale-se confortavelmente no sofá de sua casa e, de olho na telinha, aprecie massacres como o da Candelária.

Aí está, Joel, alguns exemplos domésticos de como a criatividade dos predadores é ilimitada. Poderia citar exemplos em nível externo, como terroristas que soltam bombas em prédios escolares, matando e ferindo inocentes na mais tenra idade; como os que liberam gás letal em metrôs; como os que explodem aviões. Poderia falar das guerras civis que infernizam seres humanos pelo mundo afora, das crianças etíopes a pele e osso catando alguns grãos de arroz caídos na lama a fim de calar sua maldita fome…

Desculpem, não posso continuar a escrever!

Publicado em novembro/1996

Por que um povo extraordinário só produz políticos ordinários?

Povo heroico, como registrado no Hino, ouve-se sempre as mais arroubadas alusões à sua bondade, fortaleza, grandeza, senso de solidariedade. O povo é generoso, luta com afinco e honestidade para a sobrevivência a cada dia mais difícil. Quem não presta, porém, são seus dirigentes, uma corja de larápios e aproveitadores, cujas exceções, embora existam, parecem cada vez mais raras.

Tarefa sociológica interessante é buscar compreender o fato de que, coletivamente tão nobre e decente, o povo seja incapaz de produzir líderes com a mesma argamassa. Fato tão desconcertante tem levado gente até mesmo a levantar a hipótese paranoica de que existe uma conspiração cósmica malevolente, que infiltra extraterrestres malignos sob a forma de políticos brasileiros. Se político é um do povo, e o povo é bom, o político teria de ser, obviamente, bom também.

Que enigma!

Publicado em maio/1993

Vim morar em Bom Jesus fugindo das ´cabadas´ de vassoura

Sequência extraída do acervo pessoal (filmagem em VHS): Mônica pula e Luciano leva a mão ao rosto, preocupado. Em seguida mostra a ela o perigo de novas cabadas de vassoura. A expressão da pequena fala por si

 

É comum pessoas desistirem de viver em cidades grandes em troca da tranquilidade dos lugares interioranos. Sou um dos que renunciaram à possibilidade de trabalho mais compensador financeiramente por uma vida contemplativa, menos estressante, que só cidades pequenas possibilitavam. Digo possibilitavam porque isso está se tornando relativo, ao menos em relação às Bom Jesus que, diferentemente de lugares onde há um mínimo de planejamento, por aqui o crescimento é desordenado, um tanto bagunçado, e a vida já não é sossegada. Sem a compensação de boa estrutura de ofertas de produtos e serviços, de uma gama maior e mais variada de oportunidades, ficamos só com o tráfego que começa a congestionar, com a falta de vagas de estacionamento, com a tensão do aglomerado de veículos e de gente,  com o ajuntamento a cada dia mais estreito das moradias e o inevitável conflito dos comportamentos humanos (alguns tão incompatíveis entre si como cebola em salada de frutas), com a carência de serviços básicos como Saúde e Segurança.

Um fato que ajudou a amadurecer a ideia de abandonarmos tudo e virmos para o interior se deu em dezembro de 1986. Comemorávamos o aniversário de quatro anos da nossa filha Mônica, no apartamento em que morávamos no Rio Comprido, Rio de Janeiro. Na euforia do momento, Mônica ensaiou um sapateado no sinteco da sala, o que despertou uma reação quase desvairada do mais velho, Luciano, então com sete anos (o outro, Júnior, tinha na época cinco), que a advertiu rudemente em seu engraçado linguajar infantil, arrancando gargalhadas dos presentes:

— Não pode pular porque o Péricles vai bater com a vassoura…

Então uma Moniquinha atemorizada, olhos arregalados para o irmão, se conteve, reprimiu a vontade de manifestar sua alegria. Péricles era o vizinho do apartamento de baixo, que vivia injuriado com o barulho que três crianças faziam ao andar, correr, brincar…, viver, enfim. O homem, de maus bofes, não se conformava com o mínimo rumor dos petizes. Qualquer ruído ele dava uma “cabada” de vassoura no próprio teto para reverberar sua indignação em nosso piso. E aquela reação do Luciano, seu semblante infantil num ricto de temor foi mais um componente para que decidíssemos radicalizar, dar uma guinada vertiginosa.

A neurastenia que já contaminava uma criança de sete anos era o reflexo do mau negócio que a humanidade fez em nome do progresso, era decorrente da vida em uma cidade grande com toda a sorte de impedimentos e limitações que acarretava. Tamanha preocupação num guri em tenra idade era… preocupante! Por assim dizer, era mais espantosa que a puerilidade sistêmica em um velho.

Chego aqui ao ponto: a troca revelou-se satisfatória, sobretudo em relação às crianças, que viveram em Bom Jesus uma infância mais amena, menos perigosa, justificando a renúncia que nos impusemos. Mas hoje certamente não faríamos igual, a relação custo/benefício seria injustificada. Nosso lugar tornou-se também inseguro, o relacionamento entre as pessoas se deteriorou, os espaços públicos estão uma desordem, o poder não encontra líderes que planejem suas cidades um palmo à frente dos narizes, quase tudo é feito de forma amadorística, a improvisação e o imediatismo imperam. Aqui não há regras para a construção de imóveis (parece que poucos sabem a largura que deve ter uma calçada, por exemplo), as cias. de abastecimento d´água e de saneamento esburacam as ruas, seus funcionários cavam às cegas sem terem sequer um mapa das tubulações, deixando as vias em petição de miséria.

Trafegar a pé ou em veículos por nossas ruas que, permitam-me, estão se tornando ridículas, é a cada dia mais tormentoso e perigoso. Nossos representantes políticos parecem destituídos de idealismo, de capacidade, de vontade. Estão, como de resto boa parcela de seus congêneres, contaminados pela doença d´alma de nome dissimulação, viciados em muito prometer e pouco cumprir, aprisionados nos grilhões da indolência ou incúria que lhes deixam como herança maldita a pouca disposição real para muita vontade fictícia. Se suas excelências rompessem a inércia administrativa que nos atormenta, as Bom Jesus continuariam a ser bons lugares para se viver, bons refúgios para os péricles da vida que não tiveram infância nem contribuíram para a perpetuação da espécie.

Publicado em novembro/2010