Aqui eu guardo meus escritos.
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Estamos presenciando o começo das escaramuças eleitorais visando as eleições municipais do ano que vem, onde a cantiga tediosa se repete sem uma nota de criatividade sequer. Na composição dos nomes, pelos pontapés iniciais que se assistem, será aquele joguinho manjado, enfadonho: jogadores medíocres que tratam a redondinha nas canelas suarão a camisa num esforço para convencerem a plateia de que batem um bolão, de que possuem algum talento para o jogo tão importante de quatro anos. Pessoas que beiravam as raias da inimizade pessoal por desavenças políticas acenam com a possibilidade de reconciliação e composição grupal em nome do “interesse público” (realcem-se as aspas).
Gente despreparada, desqualificada, incompetente, cujo dicionário ressente-se das palavras trabalho, dedicação e sinceridade pulula feito vagalume num frenesi histérico ante o festim diabólico significado pela aceitação de seu nome para a disputa de cargos majoritários. Para gerir a coisa pública, boa parte destes têm a mesma capacidade administrativa, o mesmo talento que a Vênus de Milo para jogar basquete. Numa era de declínio moral, em que a pessoa, o ser, vale o quanto tem no banco, na política vale tanto quanto o total de votos é capaz de acumular, independentemente da forma que o faz. Mas pessoas sérias, honestas, competentes, que não possuem a chamada “representatividade política” independentemente do porquê não a tem, são ignoradas solenemente nestas composições.
Didatismo mais claro: um candidato preferirá estar acompanhado de alguém que somará a maior quantidade de votos, ainda que este alguém seja absolutamente incapaz de pensar além do próprio ego, tacanho na forma e no conteúdo, tosco no estilo e nos princípios. Convocará seus auxiliares de acordo com o resultado das urnas e dos seus compromissos pessoais, quase nunca estimulado pela competência, pelo ideal público. Os resultados, como não poderiam deixar de ser, serão como sempre serviços públicos ruins, corrupção, inércia administrativa.
O que alenta é que em meio aos maus existem os bons, claro, como em qualquer atividade. Mas estes bons precisariam ter a capacidade hercúlea, a disposição e a coragem de enfrentarem um sistema político viciado, anacrônico, na tentativa de conferirem à sua trajetória o ideário acima intitulado. Nas duas Bom Jesus, em Apiacá e em São Jose do Calçado, para nos atermos apenas à esta microrregião, existem nomes nos quadros públicos e nos privados que poderiam ser aproveitados em prol de gestões profissionais, consequentes, qualificadas. Suas excelências, os respectivos prefeitos e outras lideranças poderiam muito bem tornarem-se vanguardistas da modernidade, artífices do esmagamento impiedoso do velho paradigma que premia o patético, o inerme e o incompetente em detrimento da capacidade intelectual e produtiva. A quebra deste paradigma deveria ser tão completa a ponto de conferir autoridade e exigência de desempenho à figura hoje decorativa do vice-prefeito ou da vice-prefeita.
Desnecessário o esmero de chegar a colocar retratos destes ou destas nas paredes públicas. Todavia, um mínimo de preparo e de idealismo à causa pública deveria ser deles exigido, tornando-os merecedores do bom salário que auferirão. Uma administração congregada em competência e praticidade, assentada nos alicerces do amor por seus municípios é possível, sim. Mas exige desejo de mudanças por parte dos caudatários da banalidade e da mistificação, que flertam e apostam sempre na ignorância de um povo, fazendo do sonho deste povo um meio de vida.
Vejamos quem se levantará em triunfo destes escombros, sacudindo a fuligem e colocando, determinado(a), as luvas da reconstrução do civismo, da moralidade e da ética.
Publicado em julho/2007

O ex-presidente norte-americano Herbert Hoover (1929 a 1933), que viveu de 1874 a 1964, dizia: “Quando adoecemos, queremos um médico extraordinário. Se temos uma construção a fazer, queremos um engenheiro fora de série. Somente quando estamos na política é que nos contentamos com homens comuns”.
Reduzindo o raciocínio em nível de município, imaginem o amável leitor e a graciosa leitora o seu prefeito ou a sua prefeita, o seu vereador ou a sua vereadora. São preparados? Conseguem juntar lé com lé, cré com cré nas concatenações de raciocínio quanto aos problemas de suas cidades? Planejam as ações resolutivas para saná-los? Acercam-se de auxiliares reconhecidamente competentes, qualificados em cada setor específico de modo a propor e desenvolver métodos e fórmulas eficazes de aprimoramento dos padrões de serviços prestados à população? São pessoas que, como a maioria dos brasileiros, vivem unicamente à custa dos proventos obtidos honestamente? Levam eles vidas regradas, conceitualmente compatíveis com usos e costumes? Possuem comprometimento de ordem sentimental com suas cidades? Servem-nas, ou servem-se delas?
Agora raciocine de outra de modo literal, como Hoover fez no figurado: você está no leito de uma sala cirúrgica e vão abrir sua barriga. Há duas pessoas ao seu lado: uma, formada em Medicina; outra, nunca viu um bisturi. É claro que você vai preferir que a primeira mexa no seu umbigo. A planta do seu prédio está sendo feita por quem não sabe regra de três! Fato é que a política encerra em si os mecanismos que movem as demais atividades do homem.
Saúde? Depende da política; Educação? Depende da política; Segurança? Depende da política. O que mais a gente imaginar, depende da política.
E ainda há lorpas e pascácios, como dizia Nelson Rodrigues, que se jactam de não darem a mínima para a política.
“Detesto política, não me inteiro do assunto, não voto em ninguém, não preciso, não quero saber”, vocês já devem ter ouvido alguém comentar, não é mesmo?
Tal pessoa, quando capotar numa estrada por estar esburacada, vai se machucar, ou morrer, por causa da política que ela nunca fez questão de saber.
Quando ela perder o emprego devido as condições econômicas adversas; quando ocorrer como agora com os venezuelanos, e não puder nem comprar o papel higiênico, vai ter de lavar o fiofó, se tiver água, ou ficar com ele sujo, por causa da política.
E quando chegamos ao fundo do poço da questão política brasileira, eis que nos deparamos com um novo começo, poço este cujo fim, tal como o universo, é infinito:
“O político ideal que vocês desejam, aquele cara sabido, aquele cara probo, irretocável do ponto de vista do comportamento ético e moral, aquele político que a imprensa vende que existe, mas que não existe, quem sabe esteja dentro de vocês”.
Lula, minha gente, disse isto aí em cima, no convescote de comemoração do 10º aniversário do PT no poder (posso escrever igual pharmácia antigamente? – no phoder).
E disse com todas as letras!
Agora, um raciocínio lógico: se em toda regra há exceções, por onde andam essas exceções que não deram um tranco no “Nosso Guia”, como Elio Gaspari denomina o ex-presidente?
Não ouço um pio…
Será que a política brasileira é tão predatória que engoliu até o adágio?
Publicado em maio/2014

Bonjesino é uma figuraça, inclusive no sentido real do termo, isto é, grande também no físico. A começar pelo nome, pode-se notar seu profundo amor por Bom Jesus, tanto por uma cidade quanto por outra, que seu enorme coração não delimita. Ingênuo, otimista extremado, jamais ele duvida das boas intenções dos políticos da terrinha, e até briga quando alguém ousa questionar essa ou aquela atitude, esse ou aquele procedimento, tais e quais disposições de espírito.
Não posso afirmar categoricamente, mas a Passarela da Amizade, que une as duas Bom Jesus teve o dedo de Bonjesino. Antes de inaugurarem a dita-cuja no ano da graça de Nosso Senhor de 2000, virada do milênio, ele vinha enchendo a paciência do então prefeito de Bom Jesus/RJ, Carlos Garcia, e da de Bom Jesus/ES, Daisy Batista, desde que assumiram a chefia executiva de seus respectivos municípios, em 1997. Quero dizer, enchendo a paciência no bom sentido. Garcia e Daisy podem ter enjoado daquela conversinha malemolente de Bonjesino, carregada de otimismo e de fé nos seus dirigentes. Entre as muitas encheções de saco, uma vez saiu-se com esta:
— Sabe chefia, já estou todo arrepiado só de pensar na entrada triunfal de nossos dirigentes, cada qual do seu lado se encontrando no meio da passarela para aquele abraço fraterno em meio a fanfarra e fogos de artifício no dia da inauguração. Sei que isso vai ocorrer muito em breve porque conheço várias cidades, com necessidade semelhante, onde seus prefeitos disponibilizaram numa comovente união as obras que nem são tão caras, já que cimento e ferragem são materiais muito em conta. Olhem que Bonjesino me disse isso, em fevereiro/1999, quando sequer a pedra fundamental da Passarela havia sido lançada. E não é que ele agora está com novidades mais arrojadas, com expectativas mais ambiciosas?
Há muito tempo não o via, mas hoje matamos a saudade.
— E aí, chefia, quanto tempo, né?
— Oi, sumido. Por onde tem andado?
— Fiquei na moita, chefia. Um longo tempo desfrutando tudo de bom que as nossas cidades de Bom Jesus têm proporcionado para nós.
— Tudo de bom?
— Não vejo nada errado. Esse povo é que gosta de reclamar.
— Tem razão, Bonjesino, isto aqui mais parece o Jardim do Éden.
— Não gostei da frase irônica, chefia.
— Desculpe. Jardim do Éden…, exagerei. Nem temos jardins…
— Você não tem mesmo jeito, chefia. Fica aí teclando, teclando, e só sai crítica.
— Fazer o que, se moro em lugar diferente do seu…
— Você é um caso perdido. Vai dizer até que não sabe que nossos prefeitos estão deveras preocupados com o trânsito em nossas cidades?
— Não diga, Bonjesino. É mesmo?
— Garanto.
— Mas rapaz, isso é uma ótima notícia. Enfim deram-se conta de que mais um pouco e o trânsito dá um nó completo, principalmente quando fecham ruas para alguma coisa, quando a ponte velha fica parecendo uma sorumbática miniatura da Rio-Niterói em véspera de feriado prolongado?
— Mais, chefia. Vão construir uma terceira ponte.
— Jura?
— Ligando o Bairro São João, no ES, ao Pimentel Marques, no RJ, completou.
— Que notícia auspiciosa, Bonjesino. Já não era sem tempo. Vai ser mel na sopa. Sérios problemas viários solucionados a um só tempo.
— Lembra da Passarela? Eu não disse que nossas autoridades eram competentes, sensíveis e convergentes àquela necessidade recíproca? Batata!
— Antes tarde do que nunca…
— Agora é a ponte, chefia. Olhe pros meus braços.
— Arrepiados de novo?
— Emoção pura. Igualzinho da outra vez. Veja aqui a cena, chefia.
— Aqui, onde?
— Nos meus olhos.
Que cena deslumbrante, deixem-me descrevê-la! Há muita gente, de ambos os lados. Fogos pipocam. Com o porte solene característico, o prefeito de Bom Jesus/ES Dr. Adson encaminha-se com sua comitiva em direção ao lado fluminense. Em sentido oposto vem a prefeita Branca Motta, também acompanhada de s entourage.
Fortes abraços e apertos de inúmeras mãos inspiram-se no brilhante resultado do esforço hercúleo das duas prefeituras em resolverem os problemas iguais.
Depois a câmera volta-se para outras cenas.
Ruas de ambas as cidades sem buracos, pavimentadas, sinalizadas, ajardinadas. Coisa de primeiro mundo!
– E aí, chefia?, acordou-me o ciclope.
– Gostei, rapaz. Muito legal. Quando será?
– Breve. Muito em breve. Até os vereadores das duas cidades se engajaram nesse projeto. Estão dando a maior força. Pensa que eles ficam lá nas suas câmaras só dando votos de pesar, condecorações e escolhendo nomes de ruas? Na, na, ni, na, não. Trabalham pra valer, chefia!
– Sei… Chegaram ao ponto de se unirem para soluções de problemas comuns?
-Pode crer, chefia. E vai logo preparando um texto para publicar depois da inauguração. Vê se elogia pelo menos uma vezinha…
– No inferno ou no purgatório tem computador, Bonjesino?
– Fez bem em esquecer do céu, chefia. Você não tem mesmo vez na Casa do Senhor. Passar bem.
Publicado em junho/2010

Muitos deputados mensaleiros, sanguessugas, cuequeiros, maleiros e dançarinos, sem o menor constrangimento, com a cara mais cínica e lavada dizem que vão tentar se reeleger em outubro. Eles não admitem abertamente, mas é claro que contam com a impunidade total, inclusive por parte de quem é o único que pode encerrar suas carreiras de crimes ultrajantes: o eleitor brasileiro. Este ente meio que drogado, anestesiado e conformado — o eleitor — rapidamente passou do assombro e da estupefação para uma espécie de letargia, de torpor, onde nada mais o estarrece nem lhe desperta o senso de indignação.
Um pouco de didatismo: as populações das duas Bom Jesus totalizam cerca de 50 mil pessoas (o senso 2000 do IBGE dá 32 mil para o lado fluminense e 9 mil para o capixaba, mas arredondemos generosamente estes números). Os R$ 1 bi que os sanguessugas roubaram dariam para distribuir cerca de R$ 2 mil a cada cidadão bom-jesuense, repita-se, TODOS, sem nenhuma exceção, tanto os do ES como os do RJ, inclusive os bebês. Uma família de cinco pessoas teria em sua conta bancária R$ 10 mil, suficientes para comprar uma modesta quitinete ou quase um carro popular. E vejam só: apenas com o que roubaram os sanguessugas! Já pensaram se a conta englobasse os mensaleiros e os demais infernizantes “deste país”?
Mais didatismo: o distinto trabalhador que se angustia todo fim de mês com os impostos e encargos diretos descontados no seu contracheque, paga ainda 82% de imposto indireto para o cigarrinho do dia a dia; 58% para a gasolina; 53% para o xampu; 56% para a cerveja; 53% para o DVD; 83% se gostar de uma cachacinha; 36% para os remédios; cerca de 40% para os alimentos; 50% em média para o material escolar; 47% para o vaso sanitário de sua casa e por aí afora. Para onde está indo essa dinheirama, nem é preciso dizer.
Não à-toa a deputada rechonchuda exorbitou na sua dança de conga acintosa ao povo brasileiro, comemorando a absolvição de um colega pela mais ultrajante e perversa impunidade que assola o brasileiro, prometendo “voltar nos braços do povo”. Vejam a que ponto chegamos. Quando se fala do bandido Marcola ou do Fernandinho Beira Mar, párias da humanidade, deveríamos, no entanto, fazer-lhes justiça pelo menos no ponto em que, ao contrário do que se diz, não são eles os mais sanguinários, porquanto eles matam e barbarizam de forma localizada, enquanto os nossos bandidos de terno, travestidos de homens do povo matam o doente nas filas quilométricas dos hospitais sem remédios, sem leitos e sem médicos, de forma generalizada. Matam muitas pessoas de fome, de desemprego, de deseducação, de insegurança. Não satisfeitos, matam a esperança, a fé, a alegria. Desnudam nossa soberania, devassam nossas vidas, sugam nossa dignidade.
As sanguessugas verdadeiras, vermes parasitas que até chegaram a prestar serviços nos primórdios da Medicina não mereciam ter seu nome associado a gente tão podre, indelevelmente nauseabunda, velhaca. Nossas sanguessugas de gravata deveriam ir pros quintos, mas ao contrário, estão convencidas de que vão habitar novamente aquela que deveria ser a Casa das casas, mas que se transformou nos últimos anos no valhacouto de patifes, salvo as honrosas exceções que não se sabe como respiram aquela atmosfera pútrida e virulenta. O eleitor, por mais desmotivado e desesperançado não tem o direito de trair seus descendentes permitindo tamanha ignomínia.
Numa região da Romênia, no século XVIII, reza a lenda que as pessoas andavam munidas de uma cruz e réstias de alho para espantarem o Conde Drácula. Nas próximas eleições, o povo brasileiro deveria se munir também da estaca porque o vampiro é mais sedento que o morcegão da literatura. Deixar as carótidas de filhos e netos (que serão no futuro quem mais sofrerão as consequências do desgoverno de hoje) à mercê desses crápulas de caninos afiados é decretar-lhes anemia perpétua e infelicidade perene.
Vade retro!
Publicado em julho/2006

Bairro Belvedere, Bom Jesus do Norte. Duas cachorras conversam numa rua perto da praça no início de uma noite de abril deste ano:
— Viu o susto que dei naquele cara da moto, o redator da Revista Status?, pergunta uma das cadelas, de um marron forte, bonitinha, toda felpuda, ao lado da ninhada de uns 5 ou 6 filhotes.
— Vi, latiu a outra, velha do vento sul, de cor branca com tonalidades cinza-avermelhadas devido ao pelo encardido e as inúmeras bicheiras. — O cara caiu, não foi?
— Caiu, responde a marronzinha. — Em câmera lenta, mas caiu. Eu persegui com latidos tão bravos que ele se assustou. Ao desviar de um de meus filhotes, a moto parou repentinamente e ele não conseguiu segurar. Foi despencando devagarinho.
— Au, au.
— Nem machucou muito — comenta com pesar a marron. — Apenas uma contusão no tornozelo. Mas ele ficou bravo…! Escapei por pouco. Pena que nenhuma autoridade tenha visto a pedra que ele arremessou em mim. Se pega… Você não acha que o cara merecia ser processado por maus-tratos aos animais?
— Você é tão hipócrita… Assusta o homem e ainda quer que ele seja processado. E faz-me rir ao falar de autoridades. Já viu alguma por aí?
— Tem razão, vivemos no paraíso. A propósito, sinto arrepios quando lembro da estória que o Killer me contou.
— Killer?
— Não conhece? Aquele pit bull lindão que anda sem focinheira com o dono, amarrado numa cordinha fina…
— O que estraçalhou uma menininha no Bairro Silvana?
— Não, sua tonta. Aquele é o Krueger, que o próprio dono matou a pauladas, não lembra?
— Ah, tá. Killer. O novo cara do pedaço.
— Ele me disse que na cidade de onde veio, “gente” como nós não pode ficar vagabundando pelas ruas. A carrocinha é o maior terror. No canil público, depois de um tempo sem uma alma misericordiosa para adoção…, zás, adeus viola.
Nessa altura entra na conversa o Costelinha, um esqueleto andante em forma de cachorro:
— Ei, meninas. Viram o Félix?
— Passou aqui agorinha, miando como um louco atrás de comida.
— Até mais ver — despediu-se a múmia canina, saindo em desabalada carreira.
— Por que o Costelinha está com pressa?, pergunta entredentes a encardida, lambendo sofregamente uma das feridas.
— É que o Félix foi fazer o trabalho…
— Trabalho?
— Se liga, né. Daqui a pouco vai dizer que nem conhece o Félix…
— O gato que vive no Hospital Jamile?
— Esse mesmo. O Costelinha fez uma parceria com ele. Sabe como é, a coisa ta brava, essa fome danada, as tripas finas engolindo as grossas… Ainda mais que algumas pessoas insensíveis com o reino animal, por não terem onde depositar as sacolas de lixo penduram elas em ganchos instalados nos muros, postes, árvores, em vez de deixarem para nós nas calçadas, nos meios-fios. Aliás, o visual ficaria até mais bonito, não é mesmo?
— Já é magnífico como está. Quando o cheiro é forte, então…, uuuhhhnnn…, me dá água na boca. Queria poder pular como gato.
— Matou a charada. Quando as sacolas estão nos ganchos é mais difícil, mas tem gente que não pendura, simplesmente deixa elas soltas em algum lugar mais alto. Na João Ferreira Soares tem até um andaime abandonado que serve para pôr as sacolas. Aí é que entra o trabalho do Félix.
— Entendi. Vão-se os anéis, ficam as patas. O Félix pula no andaime e joga as sacolas no chão.
— Aí o Costelinha deita e rola. Ele adora quando no cardápio tem fraldas descartáveis, daquelas bem recheadas.
— Au, au… Que delícia…
— O Costelinha só lamenta que ao despedaçar as fraldas sempre sobram pedaços que ele não consegue aproveitar. Um desperdício. Às vezes o vento leva os pedacinhos até para dentro das casas de algumas pessoas.
— Humanos não apreciam o manjar…
— Ficam é putos da vida. Só faltam sair dando tiro, que ignorância.
— Mudando de assunto — diz a marron — ouviu o concerto esta madrugada?
— Acordou até defunto.
— Acho que aquela mulher da Sebastião P. Marques tem uns 15 cães em casa.
— Daí pra mais. E a Princesa, a cadela rameira da Lourival Cavichini sabe como provocar. Passa de vez em quando toda posuda, balançando o traseiro para eles. Aquela rua vira a sucursal do inferno para os humanos. Quando ela está no cio, então…, só faltam pular o muro!
— Parece que reclamaram da barulheira algumas vezes.
— Reclamaram. Mas como não mora nenhuma autoridade na vizinhança, ficou por isso mesmo. O concerto está garantido com tenores, barítonos, contraltos, etc. E que gargantas! Pena que o repertório seja tão repetitivo, tem horas que até eu fico cansada com aquele au, au, au infindável.
— Os incomodados que se mudem. Com certeza é o lema da dona dos cachorros.
— O papo ta bom, mas já vou indo. Ta na hora de passar umas motos. Ah, um conselho: deixa de ser burra e ficar correndo atrás de carros, que só vão te dar canseira e aquela cara de buldogue velho desiludido. As motos dão mais adrenalina porque sempre há a possibilidade de ocorrer um tombo…, au, au, au.
— Au, au, au pra você também — despediu-se a velha.
— E uive bastante nas luas cheias, rogando a São Francisco de Assis, nosso protetor, que continue protegendo a gente das autoridades. Vai que elas resolvam ao menos dar aquelas injeções doloridas contra raiva…
Deus nos livre!
Publicado em abril/2010