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Violência em Bom Jesus do Norte é inquietante

A população de Bom Jesus do Norte está apavorada com a onda de violência que vem assolando o município, notadamente de um ano para cá. Assaltos, furtos, tráfico de drogas, estupros e latrocínios (assassinatos com objetivo de roubo) vêm paulatinamente reduzindo a sensação de cidade pacata e tranquila. Episódios assustadores ainda estão frescos na lembrança, como o assassinato do aposentado Dico por um fugitivo da Clínica de Repouso após invadir sua casa, à noite, presumivelmente para roubar; o do proprietário da carrocinha de cachorro-quente, saqueado após morrer a tiros em tentativa de assalto; o estupro simultâneo à violenta agressão de uma criança de 12 anos, grávida; o sequestro da família do gerente do Banco do Brasil de Bom Jesus/RJ, mantida em cativeiro perto da Ilha do Vicente por ladrões de banco; Invasões e furtos no comércio, como ao Supermercado 5 Irmãos, Mercadinho da Família e Frangão; tráfico de drogas em quantidade gradativa e alarmantemente crescente, evidenciada pelas últimas ações da polícia que chegou a apreender, dia destes, 1 kg de maconha prensada, e rotineiramente trouxinhas, papelotes, traficantes e viciados.

Esta sucessão de fatos medonhos anulam a suposição de mera coincidência pelo número proporcionalmente exorbitante de crimes, de natureza amplamente variada, considerando-se que vêm ocorrendo numa cidade em cujo perímetro urbano não vivem mais que 8 ou 9 mil pessoas, entre mulheres, crianças e idosos. Recentemente (no dia 5/2) mais um caso de latrocínio foi registrado, reforçando o clima de medo e apreensão dos habitantes. O cidadão Elizeu Evangelista foi encontrado morto em sua casa por asfixia e pedrada na cabeça. O dinheiro que trazia consigo sumiu, fato que evidencia o motivo do crime, deixando a comunidade de cabelo em pé.

Uma das poucas vantagens que têm os que habitam uma cidadezinha interiorana é exatamente o que os bom-jesuenses-do-norte estão perdendo: a tranquilidade. E conquanto este município seja brasileiro, e naturalmente sujeito às mazelas que afligem a nação, particularmente a violência crua e brutal, não pode, não deve, nem tem o direito de assisti-la com tamanha complacência como se vê aqui. Esta complacência, antes que os arautos da indignação nem sempre espontânea discordem com forjada veemência, não é dirigida a nenhuma instituição de modo específico, a nenhuma autoridade individualmente, mas a um conjunto de entidades que, na prática, está desentrosado. Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, polícias Civil e Militar precisam estreitar mais os laços de união para reunir forças suficientes a combater um inimigo insidioso, que quando consolida a delimitação de seu território se torna terrivelmente implacável.

É natural num primeiro instante a surpresa pela constatação de que algo tão assustador se apresente sem cerimônias nestas paragens até então pacíficas, mas é necessária certa agilidade para se recompor do desconcerto e, usando o linguajar do futebol, contra-atacar na certeza de que a melhor defesa é o ataque. Urge uma mudança da mentalidade um tanto ingênua pela vivência provinciana (no bom sentido), a fim de tornar igual a perspicácia do estado paralelo com o Estado de direito, sobretudo eleger a inteligência e a mobilização como as mais adequadas armas de combate à bandidagem. Aliadas a elas, medidas repressivas mais vigorosas e abrangentes, como por exemplo a abordagem a grupos de desocupados em atitude suspeita altas horas pelas ruas da cidade, rondas policiais assíduas e insinuantes principalmente nas áreas mais remotas, atuações incisivas do Ministério Público, disposição e criatividade do Judiciário para driblar as imperfeições e as condescendências anacrônicas da lei, integração mais efetiva do Executivo e do Legislativo, mobilização da sociedade com campanhas agressivas que estimulem a denúncia anônima. Uma forte integração, enfim, dos mocinhos, para enfrentar bandidos sanguinários em igualdade de condições.

Impunidade, omissão e tolerância com o crime são os fatores que mais o incrementam, a gota d´água no copo transbordante de desemprego, injustiças econômicas, preguiça de trabalhar honestamente e exclusão social.

Publicado em fevereiro/2003

O ano zero em que faremos contatos

Não se tratam de contatos com Et´s, sobrenaturais ou místicos, mas contatos humanos fraternais, aqueles que são tão necessários quanto factíveis e que, em nome do orgulho, da vaidade, da insensatez e falta de solidariedade até então olvidávamos. É chagado o momento. Não estamos mais resistindo viver sem um objetivo sobranceiro que nos dê alento espiritual. O vazio que sentimos interiormente é por demais desproporcional à nossa máscara externa, ambígua de acordo com o momento e muitas vezes falsa e hipócrita. Basta de fingirmos o que não somos, de hiperdimensionarmos nossa própria capacidade equivocadamente, subestimando a dos demais; de procurarmos incessante e febrilmente o vil metal que nos possa propiciar confortos materiais de rápida transição.

O que será de nós se não mudarmos? Quando os mitos do bem-estar sem limites, da segurança nas posses, dos sucessos tecnológicos decepcionarem definitivamente? Os valores burgueses, apesar do comodismo que oferecem, causam-nos angústia, infelicidade e desespero. Obscurecem-nos frente a nós mesmos, recomendam-nos a mentira, a traição, a ganância, a desonestidade e a violência.

Faremos contatos, entretanto. A começar em nosso próprio lar, filhos em harmonia com pais e vice-versa, com a busca do entendimento e da compreensão a neutralizar a diferença de valores. Com o diálogo a arrefecer a chama da discórdia entre a impulsividade e a moderação, entre a volúpia impetuosa de ideais com a serenidade experimentada. Contactaremos mais amiúde nossa própria consciência, num exercício constante para torná-la mais ética, generosa e condescendente. Diremos não a falsos profetas, a políticos inescrupulosos, a mercadores ilusórios da boa-fé. Elegeremos a verdade como mola propulsora da nossa jornada, contando com a amizade e o amor como combustíveis suplementares.

Contactaremos a natureza, agradecendo-a pelo dom da vida. Contemplaremos sua beleza, admiraremos sua sapiência e nobreza, pararemos de agredi-la de forma contumaz. E sobretudo mentalizaremos mitigação ao sofrimento aos irmãos de todo o mundo que só conhecem a ideologia da fome, subjugados que são por apaixonados em tanques e fuzis, e mais ainda no barulho do tilintar das moedas caindo em profusão em seus bolsos, usurpadas da servidão humana.

Publicado em janeiro/1998

Tudo como dantes

Um ano se inicia e com ele toda a rotina humana na Terra em mais um ciclo de 365 dias. Chegando ao ano de 2000, parece que o homem esgotou todo o seu arsenal criativo, parece que já inventou o que podia ser inventado, criar o que podia ser criado, revolucionar o que podia ser revolucionado. Tudo é tão rotineiro…

O novo ano traz consigo algumas rotinas adicionais que são cíclicas, mas que não deixam de ser rotinas. Teremos como sempre um início de ano com sérios desfalques na grande maioria dos bolsos brasileiros — e por que não dizer, durante todo ele — provenientes do impoluto espírito de Natal. Tal e qual um surrado instrumento monocórdio, povoaremos as praias neste verão e elegeremos sua musa, que terá tantos centímetros de silicone por tantos gramas de gordura subtraídos em lipoesculturas. No Carnaval, o trivial, para rimar mal. Aqui no interior, praticamente nada, mas na telinha iremos ver o festival de genitálias desnudas e a licenciosidade nos píncaros da glória.  Candidatos a personalidades disputando a tapas um lugar nos camarotes vips decorados com fios de ouro, banqueiros do jogo do bicho inconformados pela injustiça de sua escola de samba não ter sido a campeã fazem parte de um roteiro cansativo e enfadonho. Teremos a volta às aulas e as reclamações sobre o preço do material escolar que estará (sempre está) pela hora da morte. Acompanharemos a cerimônia de entrega do Oscar pela Academia de Holywood e morreremos de rir, entre aspas, com as piadinhas sem graça e sem imaginação dos astros do cinema americano.

O fato é que nada muda. Entra ano sai ano e aquela voz tonitruante de priscas eras que bem longe vão do Cid Moreira a martelar dominicalmente nossos tímpanos, felizmente, parece, não tendo de narrar mais as peripécias do príncipe de todos os sortilégios, o Mister M, um mágico às avessas pouco afeito ao corporativismo; Adriane Galisteu, Feiticeira, Tiazinha, Scheilas do Tchã e tantas outras deslumbradas permanecerão iludidas que nasceram com dom artístico, da mesma forma que os pagodeiros Alexandre Pires, Netinho, Vavá, Salgadinho, et caterva, que com suas performances ridículas e caricatas acreditam que fazem arte e contribuem para o progresso cultural do Brasil.

Meno male que o IBOPE a cada dia decrescente precipite o final prematuro de “Terra Nostra”, pois ninguém aguentaria por muito mais tempo a saga romântica, dramalhona e lacrimogênea da Ana Paula Arósio com o Thiago Lacerda — nestes tempos em que muitos já preferem fazer sexo virtual — nem a trama inverossímil de uma adolescente (Maria Fernanda Cândido) que se apaixona por um sexagenário (Raul Cortez).

No esporte, o 2000 traz uma das rotinas cíclicas, já que são de quatro em quatro anos que se disputam os Jogos Olímpicos. Espera-se aí que o Brasil mude finalmente a rotina, sagrando-se pela vez primeira campeão no futebol olímpico. Outra rotina cíclica são as eleições, que este ano serão para prefeitos e vereadores. Neste particular é que pode residir a esperança de uma mudança. Quem sabe a rotina da desilusão, da desesperança, da injustiça e da desonestidade encontre fortes resistências em 2000, com os brasileiros votando certo, de acordo com suas consciências e não em troca de favores?

Publicado em janeiro/2000

A violência entre nós

Li uma reportagem que me impressionou tão favoravelmente que me lembro até o ano. Em 1997 foi divulgada uma pesquisa na Austrália dando conta de que no ano anterior havia sido contabilizado um romântico número de 312 assassinatos em todo aquele país de, na época, cerca de 20 milhões de habitantes. Algo em torno de 15 crimes em cada um milhão de pessoas, ou 1,5 para 100 mil.

Não estamos na Austrália, nem em 1997, e a comparação não vem muito ao caso, mas ajuda a ilustrar o que se vê atualmente em Bom Jesus do Norte, que em menos de um ano teve quatro casos de assassinato, sejam passionais ou latrocínios. Quer dizer, quatro para uma população estimada em nove mil. Isto equivale, em termos comparativos ao do exemplo, que teríamos cerca de 10 mil assassinatos se fôssemos uma comunidade de 20 milhões de bom-jesuenses-do-norte.

Obviamente os trevosos acontecimentos aqui são reflexos da calamidade social que grassa pelo país, mas extremamente preocupante pela quantidade exagerada, sinalizando que algo não vem funcionando a contento. O tráfico de drogas, que cresce num ritmo assustador, como em todo o Brasil, o que mais fomenta a violência. A população, aflita, espera que suas autoridades policiais e judiciárias a mantenha inteirada das ações e reações, torcendo fervorosamente para que sejam veementes, objetivas e urgentes. Enquanto há tempo.

Publicado em fevereiro/2003

Ignara burguesia. Ou, a cara da violência. Ou, se não corrigirem as injustiças, cercas eletrificadas e cães de guarda nada resolverão

A violência que invade os quintais da burguesia e das autoridades brasileiras deixando-as perplexas foi largamente anunciada durante muito tempo de opressão e de miséria. E a cena se repete. Sob estarrecimento, discutem-se atabalhoadamente medidas inócuas de combate ao crime, procuram-se fórmulas mirabolantes, pensamentos concatenam-se de maneira febril para encontrar a saída, mas a cegueira não permite admitir que só há uma única via, propalada quase sempre de forma hipócrita e dissimulada, que tem o nome de justiça social. Prometida sempre, mas jamais parida, sua ausência sedimentou uma escalada tão brutal da violência que a ela já não mais fazem frente carros blindados, seguranças fisiculturistas armados até os dentes, cercas eletrificadas, ferozes cães de guarda e toda a parafernália eletrônica.

Emergindo dos guetos e da promiscuidade, cenários onde era restrita, a violência ganha o asfalto e se mobiliza contra as classes sociais que mais a fomentam, mesmo de forma inadvertida e não deliberada, uma espécie de criatura que se volta contra o criador. A burguesia brasileira não é melhor nem pior que as de todo o mundo. É mais bronca e estúpida, porém, porque pela sensibilidade toldada custou a perceber os clamores a cada dia mais intensos da imensa parte excluída, o que inibiu a noção do grande perigo que a ronda diuturnamente. Em países mais desenvolvidos, a elite já percebeu de há muito que não é inteligente comer tudo e deixar os pobres famintos, e, por conseguinte, raivosos.

No Brasil, 10% da sociedade detêm 50% da renda nacional. Em nenhum país do mundo a concentração é tão brutal. Em Ruanda, por exemplo, os 10% mais ricos abiscoitam 25% e até na Tailândia o número não passa de 37%.  A virulência das desigualdades sociais no Brasil é mais perversa quando se sabe que uma grande parcela dos miliardários adquiriu sua riqueza na “mão grande” mesmo, tirando indiretamente a merenda das crianças, o remédio da turba adoentada e todo e qualquer arremedo de avanço social. Não é de estranhar, portanto, o nível astronômico da violência que nos assola. Muitos dos que estão na vivenda do crime o fazem por absoluta falta de opção, pela mera necessidade de cavar o seu sustento.

Não há emprego no país, já que os investimentos jamais contemplam programas de desenvolvimento. Eles vão direto para a especulação, para o ganho fácil, em última análise bancado pela miséria. Os parcos recursos de tímidos programas dito sociais, invariavelmente vão engordar a conta bancária dos privilegiados. Jamais chegam a quem deles realmente necessita. Esse negócio de dar R$ 15 de esmola para o filho frequentar o colégio (e gerar publicidade estonteante do governo) é o cúmulo da desfaçatez!

Não haveria chance de o chefão do crime arregimentar jovens nas favelas se estas não existissem. Não haveria a necessidade de muitos cidadãos obter seu sustento de forma criminosa se o pudesse fazer de forma legal.  Claro que o crime sempre existiu e sempre existirá. Mas da forma como ocorre no Brasil e noutras repúblicas onde um único banqueiro abocanha os recursos que calaria a fome de milhões, não poderia ser mais ameno, Os recentes assaltos e sequestros sofridos por pessoas notórias, da fina flor social brasileira, e até a morte de personalidades são sinais apavorantes de que a ruptura de uma convivência harmoniosa está ocorrendo de forma medonha.

A elite está percebendo, a fórceps, que a indignação pela estarrecedora injustiça social está pulando seus muros e exigindo retratação urgente, com a cara da violência fitando com rebeldia o tubo de ensaio grandemente responsável pelo exagero de sua escalada, instaurando o terror e a desgraça impiedosamente.

Publicado em fevereiro/2001