Aqui eu guardo meus escritos.
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Os escritos sem a identificação dos autores — folhetos apócrifos — têm sido largamente utilizados nas duas Bom Jesus, o que é um fato verdadeiramente decepcionante e que traduz o baixíssimo nível moral e intelectual de quem os produz. Nem sequer uma palavra como comentário tal prática mereceria, não fossem estes dementes presumivelmente bom-jesuenses, e pior, mais presumivelmente ainda detentores de algum vínculo com a política local.
Nossas duas cidades, pacíficas, pacatas e que nos fornecem a possibilidade do exercício mais contemplativo da vida, não merecem que gente dessa laia desfrutem de sua hospitalidade. Muito menos os cidadãos ordeiros, que temos sério compromisso com a ética, com a boa educação, com a elegância e com o respeito que deve prevalecer entre os membros de uma sociedade civilizada, podemos aceitar pacificamente que nossa identidade seja respingada pelos dejetos dos que rastejam nos porões taciturnos da maledicência.
Estes se acostumaram a chafurdar na fossa da ignorância, do desprezo, da deselegância, da irracionalidade, vítimas, pobres coitados, da falta de um berço decente ou de um banco escolar. Acima de tudo são covardes, que se escondem no sigilo traiçoeiro para denegrir às vezes pessoas de bem, realizadas e bem resolvidas nos planos pessoal e profissional, exatamente porque o sucesso destes é intolerável às suas bizonhas capacidades, aos seus ridículos projetos, à sua insignificância mental.
É de estarrecer que políticos necessitem, recrutem e até mesmo garantem boa vida a este refugo social para lhes confiar o serviço sujo, escalá-los para as tramoias e escaramuças explícitas, e a tudo o que de pérfido existe no sistema falido e desmoralizado da política brasileira. A escoalha faz bem esse serviço. Rasgar bandeiras e galhardetes do adversário, intimidar pessoas humildes, agredir, espionar, rosnar, injuriar, caluniar, difamar são suas especialidades. São desprovidos de amor-próprio, respirando mediocridade por todos os poros do ressentimento e da amargura. Em conflito consigo próprias porque constituídas da mesma estrutura de um ser humano sem o arremate do bom caráter, da integridade moral para se portar como tal. Isto é terrível para o seu íntimo, para o seu inconsciente, porque não podem sair por aí andando na horizontal por intermédio dos quatro membros.
Da aliança de nossa indignação depende a caça aos vermes que deixam seu rastro excrementício a vitimar um e outro com a aberração de sua natureza ignóbia.
Publicado em janeiro/2001

Toda nota de falecimento transmitida pelo rádio ou carros de publicidade volante deve ser feita em tom grave, solene, isso parece claro. Mas não precisa exagerar. Em Bom Jesus, parece que os locutores competem para ver quem imposta mais a voz, quem transmite mais emoção. Naturalmente contentes por mais um cliente, o sujeito transmuda-se ao microfone transmitindo uma tristeza de dar dó: “fa-le-ceu o Sr. fulano ou Sra. fulana de tal. Seus filhos (às vezes nomeados numa lista interminável se o de cujus ou a de cujus foram prolíficos na função de perpetuar a espécie) convidam para o sepultamento às tantas horas no cemitério local (às vezes “campo-santo” — dose elefantina). A famíliaaa, enlutadaaaa, ante-ci-pada-mente a-gra-de-ce-eee.
Família enlutada? É, talvez não seja tão redundante assim numa era marcada pelo individualismo e pouco afeto entre os iguais. Encareço aos meus, quando for chegada a minha hora, não só excluir o termo do recital, como também impedir o tom funéreo — normalmente a cargo da Ave Maria, de Gonoud — mandando tocar em alto e bom som o solo de guitarra do roqueiro Mark Knofler na música do Dire Straits, “Sultans of Swing.”
Publicado em dezembro/2000

Alguns leitores discordam do que escrevo e de como escrevo. Reclamam do meu espírito sorumbático por escolher temas às vezes pessimistas e áridos, bem como dos termos rudes e com enfoques críticos. Estes leitores gostariam de poder ler algo mais ameno e otimista, justificando-se que a vida já é tão rude, difícil, e minhas palavras contribuem para deixá-la pior. Pensando agradar estes leitores, esforcei-me em escrever algo mais light, mais “pra cima”.
Contudo, o resultado foi catastrófico, razão pela qual creio tê-los perdido definitivamente. Explico: é que resolvi escrever sobre as festas de Natal e Ano Novo. Há algo mais pungente e agradável? E comecei assim: Aproximam-se as festas de Natal e Ano Novo. São épocas de mesas fartas, bebidas em profusão, emoção à flor da pele no contato com parentes e amigos, no exercício mágico de dar e receber presentes, na alegria contagiante e desmedida pelo redespertar da fé. São momentos propícios a nos despirmos de egoísmos, invejas e ambições, com mentes e corações receptivos a todo e qualquer gesto de carinho e amor. (Neste momento tive uma recaída e vejam como fracassei no meu intento de escrever coisas alegres.)
Pensando bem, prossegui, nem todos têm a mesa farta, e sem medo de soar ridículo o trocadilho infame, milhares, milhões de brasileiros não têm sequer a mesa, e em seu arremedo, ‘farta’ tudo. Generalizei ao falar de corações carinhosos, mas não devo me esquecer das miríades de exceções, como é o caso de crianças que suplicam a Papai Noel uma bicicleta, mas só o que recebem de seus papais covardes são hematomas causados por bofetões instigados pela demência etílica e à ignorância no decorrer de todo o ano.
Como articular argumentação destituída de críticas quando nossos garotos de Harvard nos presenteiam antecipadamente com um pacote de gosto duvidoso, cujo conteúdo é recheado de estagnação, recessão, desemprego, falência e mais fome? E as desigualdades? Cada vez mais iguais. Ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres, remediados para o espaço, antes, porém, pagando seus impostos astronômicos retidos na fonte.
Bem, leitores que acabo de perder, enquanto vocês fazem ouvidos moucos para os soluços de desespero dos oprimidos, dos espoliados sem teto, sem terra e sem esperanças, regozijando-se nas onerosas festas, nos lautos banquetes e rega-bofes, nos belos carnavais e nas vitórias do Flamengo, terão pavimentado o caminho em que continuarão transitando livremente e cada vez mais célere as injustiças e as desigualdades. Depois é só se cercarem de grades e cães de guarda, belo negócio!
Mas se por acaso, ex-leitores, vocês resolverem encarar a realidade e se solidarizarem um tantinho, aqui vai uma dica: uma boneca doada a uma criança carente já é um bom começo. Pode ser uma ordinária, já que as Barbie’s foram feitas para nossas filhas. De minha parte lamento tê-los decepcionado mais uma vez e temo não poder me corrigir. Não tenho vocação para colarinho branco nem dou sorte em jogos da loteria, daí não reunir condições de me mudar para a Suíça, lugar paradisíaco a inspirar artigos mais otimistas. Afinal, o que os olhos não veem…
Publicado em dezembro/1997

O provérbio chinês “sempre fica um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas cai como uma luva em Pedro Teixeira. Escritor e historiador calçadense, é talvez o último dos Moicanos de sua geração a lidar com tema tão exigente de pesquisa documental, determinismo, seriedade, credibilidade. Suas mãos são impregnadas pelo perfume das flores, que nos ofertam sob a forma da valorização do passado, e do registro o mais fidedigno dos atos, fatos e das coisas pretéritas.
Em livros onde o tato não faz sentir o papel inanimado, mas algo muito vivo e palpitante, suas mãos tecem sempre palavras de fácil entendimento, frases simples, com objetividade cirúrgica. Ler Pedro Teixeira tem se tornado para mim, e certamente para todos os que são seduzidos pelas origens, motivo de enleio. Como disse o presidente da Sociedade Pro-Apiacá, Carlos Alberto Silveira Rangel, que prefaciou seu último trabalho “Apiaca – a história de um povo e sua terra capixaba”: “Pedro não se deixa levar pela tentação de parecer erudito
para impressionar o leitor, preferindo usar uma linguagem clara, de fácil entendimento, o que empresta ainda mais credibilidade às suas obras.”
Notável seu trabalho de pesquisa, a perseverança nos projetos, a paciência na garimpagem dos papéis amarelecidos que o ajudam a recompor o passado, como se vê nas páginas desse “Apiacá…”; no “A saga de uma raça capixaba”; em “Nossa terra, nossa gente, nossa historia”; “O último carro de boi da Vila do Calçado”, entre outros já publicados, assim como se verá no “Memorial histórico e político das duas Bom Jesus”, em “Nossa terra II” e mais alguns na cabeça, ratificando o seu delírio criador.
A seleta de fragmentos, ao se transformam em compêndios, nos oferece referências cronológicas completas e qualitativas, com começo, meio e fim, um puzzle complexo que exige do autor prolífico muita tenacidade e amor pelo que faz. Pedro Teixeira, a exemplo de Hawkeye, que lutou bravamente pelos princípios da tribo Moicana, também luta para que os seus possam conhecer melhor a própria identidade e assim atribuir-lhe o justo valor, que é maior do que se pensa.
Publicado em julho/2001

A conquista de uma Copa do Mundo inebria o espírito despertando o sentido ufanista anestesiado pelas vicissitudes de um povo. O périplo da Seleção Brasileira em terras asiáticas, com o show que nossos craques prometem proporcionar, especialmente o estilista Ronaldinho podem trazer a quinta Copa para honra e gáudio dos brasileiros. Tomara que tragam. Se os gols vierem na proporção desejada serão mecanismos catalisadores de angústias e decepções de uma geração apática pela falta de perspectivas, constituindo-se os breves momentos vitoriosos, tão mágicos quanto efêmeros, em feitos positivos aos cidadãos na medida em que proporcionaria uma catarse coletiva de há muito necessária e justa.
Por outro lado, o galardão dessa possível conquista pode se tornar malévolo se não se souber administrar os sentimentos de euforia, permitindo que ultrapassem o terreno estritamente esportivo, influenciando indevidamente outros aspectos da vida nacional. Incongruente é, por exemplo, que se deixe entorpecer os sentidos pela vitória no campo esportivo em detrimento da luta pela conquista de uma vida digna; que seja ofuscada ou enfraquecida a capacidade de mobilização na busca de mais justiça social pelo enleio de rápida transição que o ópio do futebol propicia; que se permitam aos oportunistas de plantão capitalizar o presumível árduo triunfo dos atletas em dividendos políticos, como certos expoentes do poder que se arvoram na auto-intitulação de “pés-quentes”. Por essas e outras é que os cartolas do esporte declararam que a copa de 1998 deu prejuízo do grosso à CBF, mas que esse era um detalhe insignificante frente à “importância” da obtenção da taça que, por sinal, não veio naquela oportunidade.
O preço que cada brasileiro paga, goste ou não de futebol, é proporcionalmente alto, muito alto até mesmo por um laurel da magnificência de uma copa mundial. À parte os mastodônticos custos com atletas, comissão técnica, convidados, estadias, traslados, “jabás” e as demais mordomias de praxe (até mesmo possíveis sonegações alfandegárias como ocorreram em 1994), os custos indiretos são incalculáveis. A começar pela excessiva e desnecessária massificação dos noticiários de toda a mídia, que ao longo dos cerca de 30 dias de disputa são dominados por assunto único, comprometendo a capacidade de discernimento das pessoas pela ausência das demais notícias do seu cotidiano, até a incrível abstinência ao trabalho, notadamente em dias de jogos em que a equipe brasileira participa, mais uma brutal paralisia festeira das tantas que já estertoram uma nação pobre e combalida.
É necessário, portanto, algum comedimento e certos limites ao se atribuir o valor das conquistas esportivas, a fim de que não venhamos todos, sem exceção, tornarmo-nos bonifrates de uma esfera manuseada magistralmente (hoje nem tanto) pelos jogadores brasileiros, às vezes, porém, a serviço dos nossos fantasmas.
Publicado em abril/2002