Aqui eu guardo meus escritos.

Obrigado pela visita.

Consulente

João Ubaldo Ribeiro anda sempre reclamando, de forma bem-humorada, que só por ser escritor as pessoas julgam que ele sabe tudo e congestionam sua caixa-postal eletrônica com as mais variadas e inusitadas solicitações de aconselhamento da vida cotidiana. Reles escrevedor, não recebo cartas assim. Aliás, não recebo de nenhuma espécie, quanta sacanagem, quanto preconceito, quanta segregação. Enciumado, inventei algumas.

Ei-las:

Escrevo esta para reclamar do esgoto empossado na minha cidade. Em todo lugar que passo é esgoto por todo o canto. Gostaria que o senhor publicasse esta reclamação para ver se tomam providências.

Referir-se a esgoto empossado, assim, com “ss”, me parece que você é paulista, da capital, se é que me entende. Além do mais, todos sabemos que não há solução para esse tipo de problema. Esgotos empossados não são novidade no Brasil, especialmente porque nós, eleitores, nos empoçamos com “ç” em nosso comodismo e não mandamos o fedor para o diabo que o carregue.

Em todo o caso, vou lhe dar um fiapo de minha generosidade intelectual: aconselho-a não se mudar para Brasília.

José Henrique. Você é o remédio que vai curar minha indecisão. Sou aqui de Bom Jesus do Norte e estou com uma dúvida atroz. Em quem devo votar para prefeito de minha cidade nas próximas eleições?

Observação importante para que se entenda minha resposta ao consulente. Três eram os concorrentes: Toninho Gualhano, Ubaldo Martins e Dayse Batista.

Meu querido indeciso. Se você for se igualhano às pessoas conscientes e votar, estará exercendo seu dever de cidadania, da mesma forma se estiver preocubaldo com o crescimento de seu município e tiver fé em Deusy de que as coisas mudarão para melhor.

Não sei se devo aumentar meus seios com silicone. Está na moda e fica tão bonito…, meu marido ia adorar. O que você aconselha?

Não aconselho fazer isso, a menos que os seus sejam os chamados muxibas, está entendendo, os que não resistem à força da gravidade. Mulheres que botam silicone aqui, botam acolá, ficam mais parecendo bonecas infláveis que se compram em sex-shops, uma coisa sem graça, artificial, forçada, um horror!

Os mais bonitos, na minha opinião, são ainda os trabalhados pela sábia natureza, que os fez de tamanhos e formatos diferentes exatamente para não quebrar o encanto das comparações. O máximo que a padronização disponibiliza são modelos e características: 8 kg.0; resistência a vazamentos; tantos anos de garantia de manutenção da verticalidade; totalmente à prova de rejeição por parte dos bebês, essas coisas.

Meu vizinho gordo e patusco bolou uma ideia, para ele genial, que promete revolucionar o mercado da peitaria siliconizada. Trata-se de uma válvula engenhosa, que permite esvaziar e encher. As válvulas permitirão às mulheres, especialmente às que gostam do estilo “melancia” dormirem de bruços, sossegadas, livres do pesadelo de um estouro acidental. Não é o máximo? Mas eu não aconselho botar silicone em quantidade alguma, cara consulente, até porque mascar chicletes não é exatamente o passatempo predileto de adultos, pegou o espírito?

Ah, José Henrique, ontem conheci uma mulher incrível, um avião! O problema é que ela me ignora total e solenemente. Dá uma ajudinha, meu guru.

Primeiramente, nada de “você é a nora que minha mãe sonha”; “agora sei onde aquela estrela caiu”; “a cal da minha massa”, e besteiras assemelhadas. Mas a dica principal, meu caro consulente, é descobrir se a fruta que você gosta ela não come até o caroço.

Meu marido não tem me procurado mais. Estou desesperada e não sei o que fazer, ando nervosa e aflita porque o que antes já era raro agora acabou de vez. O que fazer? Eu preciso tanto…

Tente gemada. Dê ao seu marido duas vezes ao dia. Se não funcionar, tente garrafadas, aquelas que contêm afrodisíacos inimagináveis. Tente amendoim, ovos de codorna, guaraná em pó, essas coisas. Se ainda assim não resolver, tente mudar a rotina. Vista uma lingerie bem bonita, tente-o a se lembrar dos bons tempos, daquelas fantasias, aquelas loucuras. Negativo ainda? Tente medida radical, então: o Viagra. Nada? Hum, hum…, deixe-me ver…, ah, me poupe. Tente o vizinho.

Publicado em junho/1999

De alcóolatra a atleta; uma história incrível de superação

Itamar Mello de Araújo vai fazer 40 anos de idade no dia 16/2/02. Nascido, crescido, vivido e continuando a viver muito bem em Bom Jesus do Norte, ele, no entanto, conhecera fases negras na vida, daquelas que de tão brutais pareciam insolúveis e que o levariam irremediavelmente à morte prematura por uma cirrose hepática ou outra qualquer intercorrência relacionada à bebida alcoólica, consumida com voracidade e de forma incontrolável.

Na auge da juventude — entre os 17 e os 25 anos — o vício inclusive do tabaco lhe causara devastação física e moral tamanha que Itamar, quando acordava invariavelmente após porres homéricos, recorria imediatamente a um copo americano cheio de cachaça para se aliviar da tremedeira involuntária, especialmente das mãos. “Era meu café da manhã. A primeira coisa que eu desejava. Todo o meu corpo tremia, os nervos em frangalhos. Eu não conseguia atravessar a ponte para trabalhar no açougue em Bom Jesus do Itabapoana sem a bebida”, conta ele.

Era um ciclo de horror. A cada dia o organismo pedia mais álcool, a degradação era tão grande que por vezes entrava em delírio e em coma. Não raro via monstros horrendos tentando devorá-lo, sentia-se perseguido por seres tenebrosos e chegou a tocar na maçaneta da porta da loucura. Tivera duas internações compulsórias na Clínica de Repouso de B.J. Itabapoana. Permanecera 20 dias na primeira vez e 65 na outra. “O tratamento lá foi bom”, reconhece Itamar. Com três anos de casado e uma filhinha de dois (hoje com 14), a mulher não resistira e o deixara. “Minha filha era órfã de pai vivo, minha mulher foi vítima da minha estupidez”, reconhece ele.

Em Araruama, para onde foi, a esposa ainda tentou uma reconciliação, na vã esperança de que em novo ambiente o marido pudesse se resgatar da maldição. “Não teve jeito”, confessou Itamar, “cheguei a tomar álcool puro, desses que vendem nos supermercados. Sem dinheiro, saía pelas ruas catando guimbas de cigarros para fazer o meu ´minrola´ (restos de tabaco enrolados em papel de pão)”, contou.

A radical transformação não foi nada fácil. Eliminar dentro de si a vontade da coisa foi um passo extenuante e sofrido que ele não lograria trilhar se não tivesse contado com ajudas preciosas, que prefere não revelar. Abandonou o álcool (tinha alucinações intensas e fissuras indizíveis), mas a continuidade do cigarro era uma espécie de muletas que o ajudava a capengar sem a bebida. Passou a caminhar, a correr. Certo dia, seguro de que queria fazer do esporte um contraponto a uma vida pregressa desregrada, de muita dor e sofrimento, abandonou também o fumo, “sempre contando com aqueles auxílios valiosíssimos”, faz questão de frisar.

O Itamar contemporâneo não é um atleta de ponta, detentor dos melhores rankings. Nem podia, até porque nem tem patrocínio, e os parcos recursos que aufere como empregado da loja de material de construção Matecol mal bastam para suas despesas pessoais. Só a força de vontade e a satisfação interior de ter se libertado da sarjeta, de ter vencido seu pior inimigo, e de ter se tornado uma espécie de exemplo de que para tudo há uma saída, bastando apenas querer, lhe dá ânimo para prosseguir.

Todo dia, chova ou faça sol, domingo ou feriado, lá está ele correndo seus 15 km ou fazendo os famosos “tiros”, que são corridas em alta velocidade de 400 e 1000 metros. Duas vezes por mês vai a Vitória/ES para competir ou se preparar para competições estaduais, como o Campeonato Capixaba, disputa esta que obteve o 2º lugar na categoria Veteranos, em 2001. Participou da famosa Volta da Pampulha, em Belo Horizonte/MG (18 km), e alcançou o tempo de 1h10min, ficando em 362º lugar em meio a 6.800 atletas; competiu na Meia Maratona do Rio (21 km), obtendo a honrosa colocação de 272º lugar entre mais de 7.000 corredores, com o tempo de 1h23min.

Em competições onde milésimos de segundos são tempos preciosos, esta 272ª colocação representou uma diferença de apenas 20 minutos em relação ao primeiro colocado, o queniano John Ntyamba (profissional das pistas), que fez com 1h03min. Entre outras disputas, Itamar participou da mais famosa competição internacional, a Corrida de São Silvestre, de São Paulo/SP, no ano passado. A 928ª colocação (se não tivesse errado o caminho algumas vezes certamente ela seria melhor), junto a mais de 17.000 corredores do Brasil e do mundo foi honrosa, dado o histórico de vida do atleta. Os mais de 16.000 competidores suplantados por Itamar jamais podiam supor que aquele “russo” de passadas largas que os superava estivesse intimamente tão feliz quanto o etíope campeão da Maratona, pois é também um vencedor!

Pela inspiração do seu exemplo, muitas vidas aparentemente perdidas podem ser resgatadas do vício, da dor e da exclusão social. Valeu, garoto!

Publicado em janeiro/2001

Paternalismo

Cestas básicas, extração de dentes, remédios, sacos de cimento, dentaduras e até ataúdes (com seus respectivos 7 palmos e meio).
Estas e outras benesses que rendem votos são distribuídas pelos governantes às pessoas carentes, o que, pela falta de perspectivas e condições dessas pessoas constituem-se um mal necessário. Porque entendo ser o ideal que todos tivessem condições de prover o sustento por si sós, num país onde houvesse emprego abundante e seu povo boa saúde e boa educação. Este paternalismo tupiniquim, com enfoques quase sempre eleitoreiros é a azeitona no pastel dos indolentes. É o substitutivo da determinação e do esforço próprio; perverso porque neutraliza a capacidade de indignação; falso porque transveste-se de generoso para alcançar objetivos políticos que deveriam vir pela via da competência e honestidade; volúvel porque depende de interesses pessoais e sazonais de quem o oferta; injusto porque nem sempre contempla a quem dele realmente necessita.

Senhores do poder. Restaurem a dignidade do povo. Ensine-o a pescar concedendo-lhe um caudal de águas propícias. Verão como aprenderá rapidamente a manejar o caniço.

Publicado em fevereiro/1988

Arte?

É impressionante como a atual música comercial/descartável é ruim e apelativa (poucas exceções)! Mais impressionante a frenética adoração que as pessoas, especialmente as jovens, têm por estas caricaturas que beiram as raias do absurdo e do ridículo. Creio que se os controladores dos meio de comunicações audiovisuais tivessem vínculos culturais mais fortes, haveria como resgatar os legítimos representantes da arte musical, virtuoses da canção e da poesia como Djavan, Caetano, Milton, Chico, Gal e dezenas de outros mais. Enquanto estes fazem sucesso n’além fronteiras, nosotros vamos buchechando, rodando bambolês e encostando as bundas nas bocas das garrafas na presunção tolamente equivocada de que estamos fazendo arte!

Publicado em fevereiro/1998

Fome

Balzac dizia: “Atrás de cada fortuna há um crime”.

Jornal Nacional, 24/11/97: um “concerto” tenebroso e horripilante de vozes infantis a interpretar uma partitura de notas dissonantes pelo flagelo da fome, um canto de choro funesto igual nos filmes de Boris Karloff. Na despensa (?), um pouco de farinha de mandioca e alguns gramas de açúcar, únicos ingredientes para alimentar quatro crianças na mais tenra idade, uma das quais, de colo.

O que poderia acrescentar a este texto para, objetivamente, contribuir para corrigir a infâmia?

Aceito sugestões.

Publicado em dezembro/1997