Aqui eu guardo meus escritos.
Obrigado pela visita.

Estava relendo o delicioso “O último carro de boi da Vila do Calçado”, livro de contos do calçadense Pedro Teixeira, lançado em 1998, quando a folhas tantas deparei-me novamente com o conto “Um trato mal feito com o diabo”, metáfora da ambição humana desmedida. Em resumo, é a história que o autor ouviu contar de um tal Chichico Dutra, transcorrida no século retrasado em Bom Jesus do Norte, que por conta de uns negócios “mal amarrados” se envolveu num desses casos diabólicos, e ligar imediatamente a moral da história com a safadeza política que ora vivenciamos foi num átimo.
Fazendeiro dado a jogos de azar, numa só noite Chichico perdeu tudo o que tinha num carteado na Fazenda Santa Fé. Desesperado, com os credores à porta, foi salvo por um escravo da sua fazenda, que dizia ter parte com Exu e intermediou o encontro de Chichico com o Diabo. O Tenebroso prometeu dar 10 contos de réis (uma fortuna, na época) em dinheiro vivo todo mês ao fazendeiro, com uma única condição: a de que teria de gastar tudo, sem deixar sobrar um níquel, pois caso contrário, ele, o Diabo, levaria sua alma. Até malas de couro aparecem no conto, vejam só a coincidência, que o Diabo utilizava para abastecer mensalmente o novo arquimilionário Chichico, que começou pagando as dívidas, adquirindo imensidão de terras, gado a dar c´o pau, gastança a rodo. Até que em determinado mês o pobre-rico encontrou dificuldades para gastar aquela dinheirama, e o diabo veio cobrar-lhe a alma, que foi devidamente abduzida pros quintos.
Em Brasília acontece fato semelhante. O ato de afanar a merenda das crianças, o remédio dos desvalidos, o pão da mesa de milhares de brasileiros e, cúmulo da desgraça, a esperança de tantos quantos acreditaram (eu também) neste partido que agora se vê apinhado de bandoleiros (salvo as honrosas exceções), de salteadores, para alimentar o paroxismo da ambição, é coisa do bicho ruim. Uma espécie de pacto, eu diria, unilateral, pois que a bandidagem acredita piamente que pode roubar, usurpar e mentir sem estar acumpliciada com o Capeta. E enquanto este não faz o seu devido trabalho, que paradoxalmente será a nossa vingança, dou-lhe uma forcinha evocativa para o acerto de contas com os facínoras.
Ladrões, canalhas. A podridão está escancarada! Malditos sejam, corruptos, abjetos, velhacos. Esbofeteio-lhes simbolicamente as caras asquerosas aqui do meu canto, acuado pela sofreguidão vilanesca em busca da minha jugular, em desespero persecutório da atenuação do meu estado de vômito e de repúdio permanentes por seres tão infames. Ah!, excelências ratazanas, antes que me esqueça: no caminho para o inferno, ardendo de curiosidade, o Chichico perguntou ao Demo se somente ele, Chichico, estava irremediavelmente condenado a arder no fogo eterno. Ao que o Coisa Ruim respondeu.
— Aqueles desgraçados…, não gosto nem de lembrar. Inventaram uma tal de caridade que é um poço sem fundo. Não tem dinheiro que chegue e não sei como me livrar deles, referindo-se a outros pactuadores que pelo menos tinham a sensibilidade e o senso de clemência para com os outros.
O que, positivamente, não é o caso de vocês, não é mesmo, excremências?
Em tempo: Sei, sei; desejar que o bicho ruim leve gente igual a ele é uma forma de desabafo, mas de fato inverossímil. O chifrudo não teria motivos para fazer padecer no inferno quem promoveu padecimentos na Terra, não é mesmo? Não puniria quem seguiu direitinho seus diabólicos preceitos. Lamentavelmente!
Publicado em setembro/2005

Encimando a pequena mesa no centro de uma das cidades deste querido Vale, uma placa toscamente manuscrita: “Vendem-se frases.”
— O que o sr. está vendendo, moço?
— Frases, senhorita. Cada uma por 1 Real.
— Frases?
— Sim. Frases. A senhorita dá um tema e eu escrevo uma frase sobre ele.
— Mas isso eu mesma posso fazer. Saiba que sempre tiro as melhores notas em Redação na minha escola. Uma frase sai em poucos segundos. Por que eu gastaria 1 Real com a sua?
— As suas podem ser até mais valorosas, mas por acaso vive delas? Eu, sim; por isso, cobro.
A menina pensou um pouco e resolveu colaborar.
— Está bem. Escreva aí sobre a minha futura sogra, que não larga do meu pé.
— Risc., risc., risc… Aqui está.
— O que é isso? “A sogra de hoje foi a noiva de ontem. A noiva de hoje será a sogra de amanhã. Cuidado com a lei de causa e efeito.”
— Lei de causa e efeito?
— Reflita bem.
Nesta altura muitos curiosos se acercaram do vendedor de frases, e em pouco tempo todos sabiam do que se tratava.
— Próximooô.
— Oi. Quero uma sobre meu marido, um bêbado inveterado.
— Risc., risc., risc… “Não se embriague de indignação. Mantenha-se sóbria de conceitos negativos e terá lucidez para encontrar a maneira de ajudá-lo.”
— Outroooô. O senhor.
— Para mim mesmo, um velho cansado e desiludido da vida.
— Risc., risc., risc… “A desilusão é uma ferramenta criadora de anticorpos que combatem o sentimento das perdas. E para descansar, o senhor terá a eternidade.”
— Sua vez, madame.
— Sabe, seu fazedor de frases, minha cidade está tão feia, tão abandonada… Faça uma frase com enfoque em nossas autoridades.
— Risc., risc., risc… “Se um político é relapso em suas coisas particulares e também nas coisas públicas, ele é ao menos coerente no desmazelo. A incoerência se dá quando negligencia uma das duas. E quem pode acreditar numa pessoa incoerente?”
— Quero uma frase rapidinha porque tenho de chegar na lotérica antes que feche. Vou receber minha bolsa família. Fale aí do nosso maravilhoso presidente.
— O senhor me desculpe, mas acabou minha inspiração. Vou-me embora.
— Ora, mas que fraseador ridículo. Seus três neurônios deram o fora?
— Não faço frases intelectualmente falsas. Se vender ao senhor uma frase sincera, vou desagradá-lo, certamente.
— Faça assim mesmo.
— Só se for de outro autor, pode ser?
— Vá lá.
— Risc., risc., risc… Aqui a tens. É do americano Adrian Rogers (1931/2005). Um período composto: “É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a ideia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação. É impossível multiplicar riqueza dividindo-a.”
— Puxa! Não entendi nada.
— Reflita, senhor. Reflita bastante.
— Moço, moço. Espere. A saideira.
— Sem saideiras.
— É que eu gostaria que o senhor fizesse uma frase de si para si.
— Fiz muitas.
— Mas eu queria ver.
— Muito bem. Outro período composto: risc., risc., risc… “Como é bom fazer frases para quem gosta delas. Frases que estimulam o pensamento, o raciocínio, embasam opiniões próprias, que despertam ações e emoções.
— Clap, clap, clap. Bravo! Esse é um faz-frases realmente feliz com seu trabalho.
— Risc., risc., risc…. “Nem tanto, cavalheiro, nem tanto… Cada vez menos pessoas sentem-se atraídas pelas frases. A maioria prefere visões e audições de efeito superficial, instantâneo, que alienam mais que instruem.
— Por isso mesmo o senhor não deve desistir.
— Risc., risc., risc… “Desistir, não desisto. Tivesse aprendido fazer outra coisa…, quem sabe? Para sobreviver, este humilde fraseador sente-se obrigado paradoxalmente a vender frases numa sociedade cuja maioria não lhes dá valor. Transformou-se num mercenário vendedor de frases.”
— Pelo menos tem trabalho.
— Risc., risc., risc… “Por enquanto, por enquanto. Meu trabalho é na seara da liberdade, e não sei se ela sobreviverá por muito tempo. Nuvens ameaçadoras se formam no horizonte.”
— Credo. Que pessimismo!
— Risc., risc., risc… “Sem frases…, sem democracia, que sobrevive delas. E sem democracia…, vida infeliz, jornada inda mais árdua e dura. Reflita.”
Publicado em março/2010

“Se todo mundo conhecesse a intimidade de todo mundo, ninguém cumprimentaria ninguém.” Essa é uma das muitas frases pitorescas que ajudaram a consolidar a reputação do saudoso Nelson Rodrigues como o mais polêmico dramaturgo e intelectual contemporâneo que já habitou esta terra, e não deixa de ter lá as suas razões.
Interessante é a capacidade humana de dissimular. Pergunte-se seriamente a alguém sobre seus defeitos e suas virtudes. Ninguém se autointitulará de mau, pervertido, corrupto, arrogante, mentiroso. Arranca-se no máximo uma confissão de ciumento, exigente, temperamental e outros adjetivos mais palatáveis. Mesmo as virtudes são expostas de forma calculadamente dissimulada, de modo a realçar de forma sutil a modéstia e a humildade, sentidos considerados politicamente corretos. Não sou diferente, vale ressaltar a quem já esteja nesta altura franzindo o cenho e me julgando um refinado hipócrita, um sonso desenxabido. Mas em verdade lhe digo: sou ao menos consciente de também portar tal falha primaz do arcabouço comportamental da espécie, o que inibe a exacerbação delas.
Seguindo a tendência, a temporada de caça aos votos é a desenvoltura da mentira elevada à mais alta potência. Não se pode desejar que de repente comece a se dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade. Mas este senso pernicioso se sofisticou e se personificou tanto na grande maioria dos políticos, que um e outro se tornaram indissociáveis. Como conseguem se eleger? Pelo senso latente e irresistível de amor ao Brasil e aos brasileiros, dizem sempre eles.
Alguém acredita? Em sua caminhada evolutiva, o homem entendeu que a verdade não cai bem. Nos mínimos detalhes está lá a impostura, a falsidade.
— Como vai você?
— Bem, obrigado.
Nem sempre as coisas estão boas e nem sempre o perguntador está realmente preocupado com sua “ida”. Mas os candidatos, que têm solução para tudo, extrapolam e mentem na maior caradura. Estão constantemente acabando com a pobreza, com a violência, com o desemprego, com a seca do Nordeste. Prometem amplas reformas e há quem se intitule capaz até de derrubar a lei da gravidade. Mas como essas mazelas são teimosas!
A verdade é que a mentira predomina nas relações humanas e está sacralizada na política. Nas próximas eleições estarão eles novamente com aquele ar angelical, as velhas raposas em pele de novíssimos cordeiros. A fortuna que é gasta nas campanhas sai obrigatoriamente de algum lugar. Ingenuidade acreditar que um financista investe o rico capital por amor à pátria, ou que o candidato promova sua campanha às próprias expensas por altruísmo. É a cascata novamente em proporções colossais, para daqui a quatro anos se fortificar nas mesmíssimas moléstias que definham hoje os brasileiros.
E vamos nós ao 6 de outubro legitimar mais uma vez a mentira. Que tenhamos sorte em escolher o menos mentiroso.
Publicado em setembro/2002

Com mãos indignadas uso este teclado sem saber como reproduzir um grande absurdo dos que já presenciei na tela de uma TV. Pior: com o conhecimento e naturalmente o consentimento do comando da Globo, já que o programa é editado. Nem o fato de ter sido de madrugada justifica tamanho absurdo! Há duas ou três semanas, a Tina, aquela maluca que batia tampas de panelas teve o seguinte diálogo com aquela outra que vive pintada todo o tempo, me falha o nome:
— Tina, tu deve maneirar, tá pegando mal, todo o Brasil está te vendo, ponderou a pintada e ouviu a seguinte pérola como resposta:
— E daí? Eu tô cagando e andando para o Brasil, tá me ouvindo? E frisou, em alto e bom som: — Eu cago e peido para o Brasil, tá sacando?
Como prêmio a desbocada foi recebida como celebridade em programas da emissora, tais como os do Faustão e da Xuxa.
Me pergunto, Boninho, Marinho e todos os pequenininhos em busca da audiência a qualquer preço: qual a legitimidade, qual a credibilidade que têm vocês se instigam tanto a destruição dos valores morais e éticos da sociedade?
Publicado em junho/2002

Um conhecido aderiu à onda de tentar economizar energia elétrica através dos litros de plástico cheios d’água colocados junto ao padrão de luz. Munheca de samambaia, colocou umas trinta garrafas de dois litros e, julgando que a energia “gosta” de água sempre fresca, substituía-a diariamente. Dia destes encontrei-o profundamente decepcionado com a experiência, pois além de não ter economizado uma mísera fração de quilowatt, ainda observou um acréscimo na conta da água.
Conclusão: nada me tira da cabeça que essa onda foi inventada pelas cias. de abastecimento a fim de aumentar o faturamento. Só falta alguém sugerir que um fio desencapado perto de um hidrômetro economiza água.
Publicado em novembro/1999