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A simplicidade do segredo de Fátima

Os três pastorinhos

Como não tive essa ideia antes? Todos ouvimos essa frase um dia. Ela traduz a admiração de se ver decifrado um enigma, uma equação, o ineditismo de uma obra. A solução ou a criação costumam chamar a atenção e até pasmar porque o que antes era desconhecido, insondável, ganha ares de singeleza e simplicidade desconcertantes quando se alcança o conhecimento de sua dinâmica.

A lâmpada foi um desses mistérios. Em fins do século 19 já se conhecia a energia elétrica, mas não se sabia o que fazer com a recente novidade. É célebre a resposta espirituosa que o seu inventor, Thomas Alva Edison, teria dado a um patrocinador de suas invenções. Este perguntara: “para que serve a energia elétrica?” E recebera como resposta, outra pergunta: “para que serve um bebê?” Passado algum tempo de noites e noites insones, a mente genial de Edison à toda, em febris meditações conseguiu decriptar em forma de um bulbo de vidro a vácuo e um reles filamento dentro, e estava descoberta a lâmpada incandescente. Simples, não?

Há os que valorizam o esforço alheio e louvam a criação. Há também os que julgam ser tudo tão simples que nenhum mérito deve ser creditado ao autor da obra. São os chamados “engenheiros de obras feitas”. Mesmo os inventos de pouca serventia, a literatice, a cultura inútil, cuido de enaltecer a criação, até porque me honraria saber que alguém apreciará, por exemplo, o que vai aqui nestas mal-traçadas linhas. Assim foi também, se vale a comparação, quando o Vaticano revelou há pouco tempo o terceiro grande segredo da Virgem de Fátima, que entre maio e outubro de 1917 teria aparecido a três crianças portuguesas e vaticinado três acontecimentos aterradores para o século 20. As crianças, filhas de pastores residentes na Cova da Iria, arredores da cidade de Fátima, teriam sido escolhidas pela Virgem Maria para lhes dizer:

1) “Mergulhados no fogo, havia demônios e almas, como se fossem brasas, com forma humana (…), entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor.” Segundo religiosos, esta profecia seria a descrição do inferno e conclamava o mundo à devoção a Maria;

2) “A guerra vai acabar, mas começará outra pior… Se derem ouvidos aos meus pedidos, a Rússia se converterá e haverá paz.” Esta segunda profecia teria sido a previsão do fim da Primeira Guerra, a eclosão da Segunda Guerra e a conversão da Rússia;

3) “O bispo vestido de branco, que caminha para a cruz entre os cadáveres, cai por terra como morto, sob os tiros de uma arma de fogo.”  Esta terceira foi a mais intrigante porque o Vaticano a manteve em sigilo (as duas outras haviam sido reveladas na década de 1930).  Contribuiu para aumentar o mistério, o desmaio que o papa Paulo VI teria tido ao conhecer a mensagem, hoje decodificada de sua linguagem figurada como tendo sido o atentado que João Paulo II (o bispo vestido de branco) sofreu em 1981.

Mas era isso?, murmurou-se nos quatro cantos do mundo, numa reação coletiva que beirou a decepção. Sim, era. Segundo opinião do jornalista Borges Neto, um católico fervoroso, “o que de mais expressivo havia nas mensagens eram o convite à oração, à penitência e a um estilo de vida afinado com a vontade divina. Isso foi o que de uma forma simples, clara e completa se evidenciou na história dos videntes ou tentaram pôr em prática todos os que souberam dar ouvidos à celeste Mensageira”.

E continuou o jornalista: “Aos que agora se mostram desapontados com a singeleza da decantada profecia, comparada aos vaticínios de um fim de mundo com jeito de dilúvio colossal ou lavas de vulcão infernal, fica a lição: Deus não é de castigos nem gosta de assustar ninguém. E bem faz a Igreja em não alimentar sensacionalismos nem por pressões se deixar levar, venham de fora ou de dentro. A Igreja tem o Espírito, o mesmo que a assiste desde a manhã de Pentecostes e com ela sempre estará”.

As crianças Lúcia (falecida em fevereiro passado, era freira carmelita e vivia na clausura), Francisco (morto por pneumonia em 1919) e Jacinta (morta por gripe em 1920) legaram aos demais seres humanos, como mensageiros da Santa Mãe, talvez o maior exemplo de que nas contradições humanas realmente, por enquanto, o melhor da festa é esperar por ela. Tome-se como exemplo a lâmpada de Edison para iluminar mentes: todos, crentes ou não-crentes podem ver, apalpar e sentir o Criador materializado, um dia. Nestas condições não nos decepcionaríamos se ao invés de uma entidade coberta de adornos celestiais majestosos contemplássemos uma figura simples como os simples humanos, coerente com o princípio de terem sido forjados à Sua imagem e semelhança.

Publicado em abril/2005

O “Penta que partiu” em 1998 apresentou-se em 2002. Bom, ótimo. Mas as mazelas brasileiras não podem ficar escondidas na sombra da Pátria de Chuteiras

O pqp (penta que partiu) em 1998 veio agora, eu não disse? Não quis dar uma de profeta quando na edição 127 da Revista Status transmiti uma convicção inabalável nesta conquista. Sabia que nossos valores individuais são infinitamente superiores aos adversários, bastava apenas que jogassem com raça e união. Não deu outra! Parabéns aos nossos meninos, que com talento, maestria e determinação inflaram nosso peito de orgulho. Parabéns, sobretudo ao craque Ronaldo Fenômeno, o virtuose da bola que reuniu forças colossais para reconquistar o lugar cativo de destaque entre os destaques.

A lembrança do seu drama pessoal, do desespero de um garoto no auge da carreira por sofrer uma terrível lesão, ao mesmo tempo em que contemplava embevecido a sua arte ressurgida quase que milagrosamente foi emocionante: verti lágrimas, confesso. Mas voltemos à nossa realidade triste, essa que igualmente com raça e doses cavalares de patriotismo também temos de encarar. Não quero ser estraga-prazeres, mas parafraseio João Saldanha dizendo “vida que segue”. E essa não é tão alegre quanto aqueles dias de magia propiciados pela Pátria de Chuteiras.

Que não fique entorpecida pela alegria do esporte a capacidade de discernimento do povo brasileiro, para não completar a alegria dos oportunistas de plantão. Não nos esqueçamos, por exemplo, da morte brutal do jornalista Tim Lopes em pleno exercício da profissão, assassinado pelo poder paralelo exercido pelo tráfico neste Brasil de chuteiras de ouro e pés descalços. Aliás, valho-me de seu flagelo para dar minha opinião sobre o porquê a imprensa interiorana ser tão insípida e previsível. Se nem a Globo logrou preservar a integridade física de um dos seus mais destacados profissionais, imagine se haverá por estas bandas quem se atreva a denunciar tráfico de drogas, que existe; exploração de menores, que existe; agiotagem (esse ilícito é tão escrachado que há casos em que o agiota se apossa do cartão bancário da vítima e passa a gerir suas finanças no melhor estilo Cosa Nostra) e contrabando, que existem, para ficar apenas nisso.

Não me atrevo a escarafunchar terrenos tão inóspitos, continuarei escrevendo generalidades e coisas amenas. Só peço desculpas aos meus filhos por não ter podido lhes oferecer um país decente, justo e soberano. Apenas o enleio transitório do futebol é pouco, muito pouco, mesmo com o privilégio exclusivo de podermos produzir artistas fenomenais como o nosso Ronaldinho, que embora aquém do melhor de sua forma está anos-luz além dos demais. Se sua determinação e patriotismo pudessem contagiar os políticos e os oligarcas do Brasil não seríamos campeões apenas da bola!

Publicado em julho/2002

Comércio de Bom Jesus devia valorizar e respeitar seus consumidores

Num país em recessão, com índice de desemprego nos píncaros da glória e dinheiro mais escasso do que chuvas no Nordeste, o comércio de Bom Jesus do Itabapoana se vale de muita criatividade aliada a simpáticas ações e atitudes para atrair e cativar a já diminuta clientela, certo? Errado! Sem querer generalizar e até louvando as gloriosas exceções, percebo que aparentemente a crise não assusta lojistas burocráticos que pouco ou nada fazem contra a mesmice, que jamais procuram arejar o ambiente impregnado de uma primitiva ordem estabelecida.

Um dos pontos negativos desse comércio é a percepção, diria mesmo, sua convicção, há décadas imutável, de que o consumidor precisa mais do lojista do que ele, deste. A cultura do tratamento por vezes rude e até grosseiro em alguns casos refletem provincianismo no sentido pejorativo do termo, infelizmente está encruado nestas plagas. Sem precisar gastar muito as teclas, basta que se compare o clima de cordialidade, atenção e preparo quando se entra em lojas daqui e doutras bandas.

Ser cortês, gentil, demonstrar interesse e tolerância com o freguês parecem qualidades distantes, talvez por vergonha da demonstração do afeto ou despreparo mesmo. Outro problema é a insípida variedade da oferta. Não se pode, por aqui, desejar algo que fuja ao convencional, seja uma peça mais invulgar, de automóvel, ou um baralho do Yu-Gi-Ho. Quando um hercúleo comerciante disponibiliza mercadorias menos protocolares elas custam invariavelmente mais (e muito mais!) do que em outras praças.

O comércio de uma maneira geral parece cartelizado e, acho eu, um presumível acordo de “cavaleiros” (a falta do h é proposital) que mutila a lei da oferta e da procura. Você vai a uma locadora de vídeo, por exemplo, e encontra quase que rigorosamente os mesmos títulos, pelos mesmos preços (salgados, diga-se de passagem, porque uma perversidade dessa coalizão é a preferência de se ganhar muito sobre pouco, praga do imediatismo), prazos, etc. Se precisar de um computador, peça-o com uma semana de antecedência, no mínimo, ou vá a outra cidade. Nossas lojas usam invariavelmente o mesmo critério de encomendar o processador (o coração da máquina) e outros componentes mais caros aos fabricantes somente quando você sacramenta o pedido, porque não costumam ter os produtos em estoque.

Isso é até compreensível dada a tenebrosa circunstância da economia brasileira, mas será que nem uma mísera unidade é possível manter estocada para agradar o cliente, dando-lhe a sensação de agilidade, ou o “acordo” não permite? Os preços das coisas por aqui, fiéis à filosofia básica dos cartéis, pouco diferem. Uma TV de 20”, da marca Phillips, som estereofônico, modelo 20PT4331, custava em 9/10/03, à vista, R$ 659 nas Lojas Borges (pechinchando, o vendedor concordava em R$ 650), R$ 629 na Muzeu Eletrodomésticos e R$ 626 na Eletrocenter (o modelo estava em falta na Braga Móveis, que ofereceu como alternativa uma Toshiba de características semelhantes por R$ 610). Financiada em seis vezes, saía por uma média de R$ 120 mensais.

Vale ressaltar que todas as lojas, exceto a Eletrocenter, cobram juros adicionais médios de 4% ao mês sobre o valor da mensalidade em atraso. Neste ponto não se pode dizer que a Eletrocenter deixou de inovar: os juros cobrados aos inadimplentes, assombrem-se, é de 9% ao mês, ou 0,30% ao dia, isto é, mais caro do que o cheque especial cobrado pelos bancos — os agiotas oficiais brasileiros — que estão em média 7,5%. Quer dizer, a loja dá logo o tiro de misericórdia em quem já não vai bem das pernas!

À guisa de colaboração conclamo o pessoal do meio a arregaçar as mangas com a finalidade de abolir esse atavismo, essa cultura dos primórdios, onde a prepotência era até compreensível onde as novidades vinham em lombo de mulas. Quem não queria, havia quem quisesse. Investir nos recursos humanos hoje em dia, na capacitação gerencial, estar em sintonia com sua era, apostar na modernidade, ser ousado e sobretudo valorizar o seu maior patrimônio, que é o público consumidor, são condições essenciais para o crescimento.

A Associação Comercial, por outro lado, pode e tem o dever de interagir, de liderar esse processo. Ela também precisa se modernizar, acompanhar as tendências mercadológicas em constante ebulição; propor estratégias de atuação em cada setor específico; promover agressivas campanhas institucionais; estabelecer um marketing incisivo, abrangente e de resultados duradouros, enfim, fazer marulho em águas profundas abandonando de vez a superficialidade do momento.

Chega de descaso, abaixo definitivamente o amadorismo e a improvisação. Essa maldita necessidade que a gente tem de destinar parcelas generosas de nosso dinheiro para reforçar a economia de itaperunenses, campistas, cachoeirenses e outros, na busca febril de preços mais em conta, de um produto que fuja à mediocridade da padronização, de mais afabilidade até, precisa acabar definitivamente. Nós também temos colhões! Um comércio moderno e pujante ganha legitimidade para exigir do segmento político ações arrojadas e inteligentes para tirar o município do marasmo socioeconômico reinante há longo e cruciante tempo, coisa que somente será conseguida com uma reformulação radical dos velhos conceitos e da doutrina de antanho.

Publicado em outubro/2003

“Cema” de telefones, mas falar não sustenta; ou, podicema, que você saberá o que é lendo este texto

A palavra piracema, proveniente do Tupi, significa cardume de peixes ou a época em que grandes cardumes arribam para as nascentes dos rios normalmente em busca da procriação. É quase certo que “cema”, que não consta no Aurélio, seja uma corruptela de piracema, um neologismo criado no imaginário coletivo e difundido por desconhecimento ou mesmo por comodismo. Piracema? Reduz-se para cema, que fica mais conveniente e praticamente não muda a eufonia. Esta é a palavra que muito se tem usado hoje em Bom Jesus do Norte para traduzir satisfação pelas linhas telefônicas residenciais instaladas no município, que em abundante profusão (aí há uma redundância proposital) contempla a todos, sem privilégios. É o que se anda dizendo por aí: há cema de telefones na cidade.

Muito bem. Já não era sem tempo. Nada mais justo que essa cema venha favorecer uma cidade que sofria grandemente os dissabores da enorme carência de linhas que povoavam o sonho de muita gente desde priscas eras; que venha corrigir uma distorção entre a disponibilidade do serviço em outros municípios em relação a este, o que se revelava uma postura de descaso e parcialidade; que venha eliminar o constrangimento do convívio com orelhões primitivos, incapazes de completar uma ligação além das suas fronteiras, isso em pleno século 21 onde a humanidade ouve, via satélite, os sons de marte.

Mas agora, o estraga-prazeres: que contraste brutal há no Brasil! Já na época da Ditadura, que ninguém pode negar o mérito de também ter impulsionado com impressionante vigor as telecomunicações no país — emissoras de TVs e rádios apareciam às pencas — Chico Buarque comentava: “É televisão e futebol. Construíram estádios e essa rede impressionante de telecomunicações por todo o Brasil, e ao mesmo tempo uma degradação crescente em termos de educação e saúde”.

Passados mais de 30 anos essa constatação nunca esteve tão atual. Os antigos já diziam que “o sono sustenta”. Nos dias atuais o governo talvez deseje nutrir o povo pela fala, o que se revela mais uma contradição dos nefandos contraditórios que mandam na nação já que, ao contrário de dormir, falar despende mais energia. Bom Jesus do Norte é um exemplo desse contraste. Tem cema de telefones, mas uma população paupérrima onde muita gente não terá condição sequer de pagar pelo novo serviço.

Assim como a promessa de um frango por dia a todos e uma TV a cores em cada casa, e que revela agora a perversidade de sua intenção puramente eleitoreira onde nem o frango existe e a TV, quando há, tem de ser usada com parcimônia devido a escassez de energia elétrica, o telefone massageia o ego e dá aos humildes, àqueles que elegem, a falsa impressão de melhoria de vida.

Ha cema de telefones no país e falta de comida, de saúde, de educação, de segurança, de emprego, de moradia, de energia elétrica, etc. Mesmo piracema periga sumir dos dicionários pela degradação ambiental, mas quem sabe os lexicógrafos venham a validar a “podicema”, neologismo que traduzisse os motivos da bancarrota do país? O chato é que poucos teriam a capacidade de lê-lo nas entrelinhas dos discursos de campanha e conhecer o seu significado: políticos dissimulados certos da mamata.

Publicado em julho/2001

 

Apocalipse

Pessoas catam com o frenesi da fome a comida estragada nos monturos da favela; ladrões presidem Senado, governam; polícias viram ladrões e botam o capuz dos bandidos; o presidente diz que vai fazer o sucedâneo de sua política maquiavélica e é bem capaz de cumprir; as cestas básicas dos flagelados da seca do Nordeste viram objetos de barganha política; o FMI suga o sangue dos brasileiros com o beneplácito dos seus governantes; banqueiros ficam mais ricos, e os pobres, mais pobres; Luiz Estêvão está solto, Salvatore Cacciola goza as delícias de Capri através do suor do povo trabalhador, e o juiz Lalau brevemente terá também a condescendência da Justiça que solta os tubarões e aprisiona os lambaris; o sentimento altruístico está sedado; o instinto da perfídia, desamor e desonra, na plenitude; os maus, com a torpeza a cada dia renovada; os bons, na conformidade de uma imensa manada que perde a capacidade de se indignar e a vergonha da resignação sem luta.

Eu não defendo luta armada, motins ou sublevações. Apenas amaldiçoo minha própria incapacidade de encontrar alternativas.

Publicado em outubro/1999