Prevaricação anunciada

Há algum tempo se vêe com estranheza caminhões de carga transitarem pela ponte velha que divide os dois municípios de Bom Jesus, divisa entre os estados do RJ e ES. São veículos de todos os portes, até imensas carretas fazendo misteriosamente o percurso nos centros urbanos de cidades de ruas acanhadas, grande quantidade de quebra-molas e obstáculos de toda ordem, renunciando ao conforto do caminho pela ponte nova do Contorno.
É esquisito esse cortejo urbano até mesmo por parte dos motoristas que se dirigem a São José do Calçado ou localidades naquela direção, pois a alternativa de acesso se revela indubitavelmente melhor. Ressalvando um eventual, remoto e inusitado senso masoquista de um ou outro caminhoneiro que estaria na contra-mão daquilo que a classe mais devota — a pressa de chegar — enfrentando percalços e manobras arriscadas para evitar colisões com copas de árvores em alguns veículos transportando cargas altas, a suposição de que haveria algo mais no chão do que simples caminhões de carreira foi recentemente reforçada pelo episódio da prisão, em São .José do Calçado, de um fiscal de rendas de Bom Jesus do Norte suspeito de subornar um caminhoneiro para fazer vistas grossas à documentação irregular e venda de notas fiscais frias.
É imperioso que as autoridades investiguem a fundo o forte indício de crime de sonegação fiscal não apenas para punir alguns eventuais apressados em dar uma molhada no canteirinho esturricado pela dureza da vida, mas sobretudo porque no rastro dos canteirinhos é possível que haja uma extensa área cultivada. Quer dizer, no bom o velho português, que seria ingênuo quem pensasse que, existindo o ilícito, este se restringiria à subalternidade de um mero fiscal pego com a boca na botija. Muito provavelmente há pessoas mais importantes por trás das pressupostas evasões, e isso tem de ser severamente diligenciado a bem da moralidade pública.
Publicado em abril/2001