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Réquiem

Miguel Torga

Como é duro conviver e depender dos políticos. Entra ano, sai ano, as mazelas não se arrefecem, ao contrário, sempre se aquecem mais e mais. De eleição em eleição, passando ainda pela possibilidade da reeleição, roubam-nos as já tênues esperanças. Não adianta, é tudo a “lesma lerda”, como diz Carlito Maia, “vinhos da mesma pipa”. Lamentavelmente não há condições de citar alguns que fazem jus a figurar num rol mais digno que não o da ganância de poder ou de dinheiro. Quando algum se aproxima desta meta a máquina o expele.

As cenas se repetem como num velho filme visto e revisto várias vezes. Banqueiros sendo salvos da guilhotina, muito embora tenham cometido crimes financeiros atrozes; anões transformados em gigantes obesos continuando a pilhar a nação; a incrível dificuldade do governo em cobrar dos poderosos a conta pela demagogia intitulada “melhor distribuição da renda nacional” (quem paga realmente é a classe média); aumento substancial dos combustíveis (no período das festas, para ninguém botar sentido), que em algumas cidades chega a 50% para cobrir o rombo colossal da ineficiente, arcaica e obsoleta Petrobrás (que com muita propriedade Paulo Francis chama de Petrossauro), mastodonte que, a exemplo de outros, só serve como cabide de empregos excepcionalmente bem remunerados; parlamentares gastando todo o seu tempo para legislar em causa própria, deixando para um segundo ou terceiro plano a discussão das reformas vitais para o país. E por aí vai.

Pobre de um povo que se contenta com migalhas. Infeliz daquele que compra sua TV financiada em 36 meses, pagando 3, 4 vezes mais por ela e ainda voltando para casa sorridente para sintonizar sua novela predileta e planejando dar novamente seu voto para o mesmo entourage manter o status quo. Mal sabe que acabou de entrar na estatística do consumo, que ora serve para fazer propaganda do governo, ora como justificativa de consumo excessivo (aquele que é necessário cortar para não pôr o plano em risco).

O único alento é que Deus é brasileiro (imaginem se não fosse!), e enquanto Ele está sem tempo de dar uma mãozinha a seus compatriotas, contentemo-nos com o depoimento do poeta português Miguel Torga (1907/1995), depoimento este que deveria estar em toda alma sedenta de justiça e esperançosa de ganhar sua vida honestamente neste país pelo suor do seu trabalho.

“De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro,
E foi contra ele que arremeti,
A vida inteira.
Não, nunca o contornei,
Nunca tentei ultrapassá-lo de qualquer maneira.
A honra era lutar, sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente, noite e dia,
Apesar de saber que quanto mais lutava mais perdia,
E mais funda sentia,
A dor de me perder.”

Publicado em janeiro/1997